Aposentadoria Especial - Servidor Público - Guarda Municipal

19/07/2018 às 19:09
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O presente estudo objetiva demonstrar a possibilidade da concessão de aposentadoria especial ao servidor público civil na categoria guarda municipal.

RESUMO

O presente estudo objetiva demonstrar a possibilidade da concessão de aposentadoria especial ao servidor público civil, categoria Guarda Municipal. Este estudo foi realizado através da revisão bibliográfica, legislativa e decisões judiciais dos Tribunais, como pesquisa doutrinária. Visa demonstrar  que o Guarda Municipal, tal como os policiais civis e militares, tem em suas atribuições cotidianas a execução de tarefas que o expõe a riscos,  exercendo uma atividade de risco. Com os resultados obtidos, pode-se concluir  pela possibilidade de concessão da aposentadoria especial ao Guarda Municipal, por exercer atividade de risco, na forma prevista na Constituição da República, mesmo que a matéria não esteja ainda regulamentada através de lei complementar.

Palavras-chave: Direito Previdenciário – Aposentadoria Especial – Guarda Municipal

INTRODUÇÃO

 As guardas municipais, conforme previsão no  parágrafo 8º., do art. 144 da Constituição Federal,  destinam-se à proteção dos bens, serviços e instalações dos Municípios que as criarem, conforme dispuser a lei.  Trinta anos se passaram desde a previsão no texto constitucional, e uma das celeumas jurídicas que aflige esta categoria profissional é questão do direito à aposentadoria especial.

Conforme os ensinamentos de Saliba e Corrêa[1],  a aposentadoria  especial  visa  a  “compensar o trabalhador, que labora em condições que prejudiquem  a sua saúde ou integridade física, conferindo - lhe a aposentadoria em menor tempo”.

E sobre o tema aposentadoria especial, nossa Constituição Federal em seu artigo 40,  assegura aos  servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, um regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, como também prevê   vedação a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servidores  abrangidos pelo regime  de previdência social, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores  portadores de deficiência; que exerçam atividades de risco;  e daqueles cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física ( parágrafo 4º., incisos I, II e  III)

Todavia, a lei complementar que define os casos de quem, como, de que forma, poderiam se aposentar de forma diferenciada por exercem atividades  de risco, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, como dos portadores de deficiência, ainda não existe no ordenamento jurídico para a categoria servidores públicos.

Daí decorre a  necessidade de se pesquisar e apontar caminhos para que o direito com previsão constitucional seja de fato implementado, pois exercendo o servidor público, categoria guarda municipal, uma atividade de risco, constatável de plano diante de suas atribuições legais, é de se aplicar-lhe o mesmo tratamento previdenciário dado aos policiais (Lei Complementar 51/1985), até que o Poder  Executivo sane sua omissão e elabore a competente lei complementar, conforme vem decidindo os Tribunais Superiores.

Serão aqui demonstradas as disposições constitucionais acerca do tema, como a legislação infraconstitucional, as particularidades do cargo de guarda municipal, o posicionamento de doutrinadores e como o Poder Judiciário através de Mandados de Injunção tem tratado o tema, concluindo ao final pelo direito subjetivo do guarda municipal de se aposentar, se homem,  após 30 (trinta) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza estritamente de guarda municipal, e se  mulher, após 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 15 (quinze) anos de exercício no cargo, para assim, dar-se concretude a este direito fundamental de segunda geração.

1. Aposentadoria Especial. Conceito Previsão legal. Requisitos.

Aposentadoria especial trata-se de  uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, com menor tempo de contribuição comparado às demais aposentadorias,  em razão do efetivo exercício de atividades consideradas prejudiciais à integridade física ou à saúde do trabalhador, com exposição à agentes perigosos ou nocivos, sejam químicos, físicos ou biológicos.

Vendrame   ensina que a filosofia da aposentadoria especial é recolher o segurado mais cedo para seus aposentos, de forma que este não chegue a manifestar qualquer doença [2]

Martinez entende que se trata “de uma indenização social pela exposição aos agentes nocivos ou possibilidade de prejuízos à saúde ou integridade física do trabalhador, distinguindo-a da aposentadoria por tempo de contribuição e da aposentadoria por invalidez em razão do sinistro (que é o risco)”[3]

Assim, entende-se por aposentadoria especial como a exposição do trabalhador a agentes nocivos prejudiciais à sua saúde ou à integridade física pelo tempo mínimo previsto em lei, protegendo-se o trabalhador de forma a conceder-lhe a aposentadoria em tempo inferior se comparado aos demais tipo de aposentadoria.

Há em nosso ordenamento jurídico dois  grandes regimes de previdência social. Um previsto no art. 40 da Constituição Federal (CF/88) que diz respeito aos  servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, chamado Regime Próprio de  Previdência dos Servidores Públicos(RPPS),  e outro, o  Regime Geral de Previdência Social (RGPS) também de caráter  possui caráter contributivo e de filiação obrigatória, previsto no art. 201 da Constituição Federal. Dentre os contribuintes do RGPS, encontram-se os empregadores, empregados assalariados, domésticos, autônomos, contribuintes individuais e trabalhadores rurais, e ainda, empregados das empresas públicas, os agentes políticos, servidores temporários e detentores de cargos de confiança.

O Regime Geral de Previdência Social (RGPS) de que trata o art.201 da CF/88 está regulamentado pela lei federal 8.213/91.

Dispõe o  caput do art. 57 da Lei n. 8.213/1991:

“A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.”

Nota-se assim que trabalhador deverá, obrigatoriamente, estar exposto à condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física, sendo este um pressuposto para fazer jus à aposentadoria especial. Deve-se comprovar que  o trabalhador laborava exposto à agentes nocivos, sejam eles químicos, físicos ou biológicos ou uma associação/combinação entre eles.

2. Servidor Público e a Aposentadoria Especial.

O servidor público, titular de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, após implementados alguns requisitos previstos na Constituição Federal, como tempo de contribuição, idade, tempo de exercício no cargo e no serviço público,  poderá se aposentar, conforme previsão do art. 40 da CF/88, todavia, no que tange especificamente à aposentadoria especial,  a Constituição no § 4º. do art. 40 exigiu a edição de lei complementar por cada ente federado, tornando o exercício de tal direito obstado pela omissão governamental, uma vez que esta lei regulamentadora não foi ainda editada.

Não restou alternativa outra senão a busca da tutela jurisdicional para sanar a omissão governamental na edição de lei complementar regulamentando a aposentadoria especial no serviço publico.  A respeito, dispõe o art. 5º.:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

(...)

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

Após milhares de ações judiciais, o Supremo Tribunal Federal acabou por editar a Sumula Vinculante n. 33,  assim redigida:          

"Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica."

Portanto, aqueles servidores públicos cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física já podem postular perante o próprio ente federativo que estão vinculados, a aposentadoria especial, a qual será analisada pela administração pública tomando por base as regras do regime geral, art. 57 da lei 8.213/91, “in verbis” :

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.

§ 1º A aposentadoria especial, observado o disposto no art. 33 desta Lei, consistirá numa renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.

§ 2º A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49.

§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.

§ 4º O período em que o trabalhador integrante de categoria profissional enquadrada neste artigo permanecer licenciado do emprego, para exercer cargo de administração ou de representação sindical, será contado para aposentadoria especial.

§ 4º O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.

§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.

§ 6º É vedado ao segurado aposentado, nos termos deste artigo, continuar no exercício de atividade ou operações que o sujeitem aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta lei.

§ 6º O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei n o 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente.

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§ 7º O acréscimo de que trata o parágrafo anterior incide exclusivamente sobre a remuneração do segurado sujeito às condições especiais referidas no caput.

§ 8º Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei.

Nesta esteira, aplica-se de forma automática aos servidores públicos,  as mesmas disposições e regras do regime geral de previdência social sobre aposentadoria especial, mas apenas no que se refere ao inciso III do art. 40 da CF/88, ou seja, cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Assim, aqueles que exercem atividade de risco(inciso II, do art.40) necessitam ainda de recorrer ao Judiciário, o que é o caso do guarda municipal. 

3. Guarda Municipal e a Aposentadoria Especial.

A previsão dos municípios instituírem guardas municipais está inserta no  Capitulo III – Segurança Pública -  da Constituição Federal promulgada em 05/10/1988, mais precisamente no § 8º do art. 144:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

(...)

§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.”

A fim de regulamentar o § 8º do art.144 da CF/88, foi promulgada a lei federal n. 13.022 em 08/08/14, que institui normas gerais das guardas municipais:

“ Art. 1o  Esta Lei institui normas gerais para as guardas municipais, disciplinando o § 8o do art. 144 da Constituição Federal.

Art. 2o  Incumbe às guardas municipais, instituições de caráter civil, uniformizadas e armadas conforme previsto em lei, a função de proteção municipal preventiva, ressalvadas as competências da União, dos Estados e do Distrito Federal.  

CAPÍTULO II

DOS PRINCÍPIOS 

Art. 3o  São princípios mínimos de atuação das guardas municipais:  

I - proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas;  

II - preservação da vida, redução do sofrimento e diminuição das perdas;  

III - patrulhamento preventivo;  

IV - compromisso com a evolução social da comunidade; e  

V - uso progressivo da força. 

CAPÍTULO III

DAS COMPETÉNCIAS 

Art. 4o  É competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município.  

Parágrafo único.  Os bens mencionados no caput abrangem os de uso comum, os de uso especial e os dominiais.  

Art. 5o  São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais:  

I - zelar pelos bens, equipamentos e prédios públicos do Município;  

II - prevenir e inibir, pela presença e vigilância, bem como coibir, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais;  

III - atuar, preventiva e permanentemente, no território do Município, para a proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais;  

IV - colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social;  

V - colaborar com a pacificação de conflitos que seus integrantes presenciarem, atentando para o respeito aos direitos fundamentais das pessoas;  

VI - exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais, nos termos da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), ou de forma concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal;  

VII - proteger o patrimônio ecológico, histórico, cultural, arquitetônico e ambiental do Município, inclusive adotando medidas educativas e preventivas;  

VIII - cooperar com os demais órgãos de defesa civil em suas atividades;  

IX - interagir com a sociedade civil para discussão de soluções de problemas e projetos locais voltados à melhoria das condições de segurança das comunidades;  

X - estabelecer parcerias com os órgãos estaduais e da União, ou de Municípios vizinhos, por meio da celebração de convênios ou consórcios, com vistas ao desenvolvimento de ações preventivas integradas;  

XI - articular-se com os órgãos municipais de políticas sociais, visando à adoção de ações interdisciplinares de segurança no Município;  

XII - integrar-se com os demais órgãos de poder de polícia administrativa, visando a contribuir para a normatização e a fiscalização das posturas e ordenamento urbano municipal;  

XIII - garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente quando deparar-se com elas;  

XIV - encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário; 

XV - contribuir no estudo de impacto na segurança local, conforme plano diretor municipal, por ocasião da construção de empreendimentos de grande porte;

 XVI - desenvolver ações de prevenção primária à violência, isoladamente ou em conjunto com os demais órgãos da própria municipalidade, de outros Municípios ou das esferas estadual e federal;

XVII - auxiliar na segurança de grandes eventos e na proteção de autoridades e dignatários; e    

XVIII - atuar mediante ações preventivas na segurança escolar, zelando pelo entorno e participando de ações educativas com o corpo discente e docente das unidades de ensino municipal, de forma a colaborar com a implantação da cultura de paz na comunidade local.  Parágrafo único.  No exercício de suas competências, a guarda municipal poderá colaborar ou atuar conjuntamente com órgãos de segurança pública da União, dos Estados e do Distrito Federal ou de congêneres de Municípios vizinhos e, nas hipóteses previstas nos incisos XIII e XIV deste artigo, diante do comparecimento de órgão descrito nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal, deverá a guarda municipal prestar todo o apoio à continuidade do atendimento.  “

É de se notar, de forma clara e cristalina, que as atribuições e competências das guardas municipais em muito se assemelham aquelas reservadas às policias militar e civil, e nesta linha de raciocínio, diante da ausência de norma que regulamente a aposentadoria especial do servidor publico pelo fator “ atividade de risco”, é de se lhes aplicar os mesmos requisitos e regras para a concessão do beneficio ao servidor publico policial, previstas na lei complementar n. 51 de 20/12/85,com a redação que foi dada pela LC  144/2014, in verbis:

Art. 1o O servidor público policial será aposentado:

(...)

II - voluntariamente, com proventos integrais, independentemente da idade:      

a) após 30 (trinta) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, se homem;      

b) após 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 15 (quinze) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, se mulher;

(...)”

O Supremo Tribunal Federal,  ao apreciar Mandado de Injunção visando sanar a omissão legislativa que obstava o exercício do direito à aposentadoria especial de guarda municipal,  decidiu que em relação a ausência de legislação complementar regulamentadora do artigo 40, § 4º, II (atividade de risco), da Constituição da República, a  Suprema Corte passou a exigir que a  “periculosidade seja inequivocamente inerente ao ofício”, para que seja reconhecido o nexo de causalidade entre a omissão normativa do Poder Público e a inviabilidade do exercício do direito e, consequentemente, possa ser concedida a ordem no mandado de injunção[4]. O STF fixou, portanto, como fato determinante para o reconhecimento da atividade de risco a presença de periculosidade como inerente ao ofício, permitindo a colmatação da lacuna legislativa somente nos casos que se adequem a essa hipótese específica.  Nesse sentido, a Corte reconheceu a presença desse fato determinante para a categoria dos agentes penitenciários e determinou a aplicação do regime jurídico da LC nº 51/1985. [5]

No aludido Mandado de Injunção ( 6.874/DF), assim restou decidido:

“Na hipótese dos “guardas civis”, igualmente, está presente o fato determinante exigido pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, pois a periculosidade é aspecto inerente às atividades essenciais exercidas na carreira enquanto integrantes do sistema de Segurança Pública, conforme reconhecido por essa CORTE:

As Guardas Municipais executam atividade de segurança pública (art. 144, §8º, da CF), essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º, §1º, CF), pelo que se submetem às restrições firmadas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE 654.432 (rel. Min. EDSON FACHIN, redator para o acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 5/4/2017)” (Pleno, RE 846.854/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, redator para o acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, julgado em 01/8/2017).

Conforme destaquei no referido julgamento do RE 846.854:

Cabe chamar a atenção para a circunstância de que as Guardas Municipais são instituições envolvidas na atividade de segurança pública (art. 144, § 8º, CF). A Lei Federal 13.022/2014, que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas, estabelece a natureza,   princípios   e   competências   desses   órgãos...   As Guardas   Municipais   são   previstas   constitucionalmente   no artigo 144, do Capítulo III, Título V (“Da segurança pública”), portanto, cumprem papel nas atividades estatais de segurança pública,   conforme   expressa   previsão   constitucional   e regulamentação legal, desempenhando função pública essencial à   manutenção   da   ordem   pública,   da   paz   social   e   da incolumidade das pessoas e do patrimônio público , em especial de bens, serviços e instalações do Município ... Os guardas   municipais,   assim,   por   atuarem   em   prol   da manutenção da ordem pública e na prevenção e enfrentamento à   criminalidade,   desenvolvem   serviço   público   essencial insuscetível de paralisação em razão do exercício do direito de greve.

A periculosidade das atividades de Segurança Pública sempre é inerente a função, e, em relação aos integrantes das Guardas Civis foi

empiricamente retratada pela ORDEM DOS POLICIAIS DO BRASIL (http://opb.net.br/noticias-detalhe.php?idRow=4194), ao apontá-los como a terceira carreira com o maior número de mortes nos dez primeiros meses de 2016, em um total de 26 casos, abaixo somente dos 251 casos da Polícia Militar e dos 52 casos da Polícia Civil e acima dos agentes do sistema penitenciário, que contabilizaram 16 óbitos. Assim sendo, a essencialidade das atividades de segurança pública exercidas pelos guardas municipais autoriza a aplicação dos precedentes, como garantia de igualdade e segurança jurídica (EDWARD H. LEVI,  The Nature of Judicial Reasoning , In: The University of Chicago Law Review, v. 32, n. 3, spring 1965, p. 400; FREDERICK F. SCHAEUR,  Playing by the rules: a philosophical examination of rule-based decision-making in law and in life , Oxford-New York, Clarendon, p. 183; A. SIMPSON,

The ratio decidendi of a case and the doctrine of binding precedent

, p. 156-159; ANA LAURA MAGALONI KERPEL .   El precedente constitucional en el sistema judicial norteamericano , Madrid, McGraw Hill, 2001, p. 83), e,  por decorrência lógica, deve ser utilizado o parâmetro previsto na Lei Complementar 51/1985 para viabilizar à parte impetrante, na qualidade de guarda municipal, o exercício do direito estabelecido no artigo 40, § 4º, II, da Constituição Federal.

Diante do exposto, com base no art. 205,  caput, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, CONCEDO PARCIALMENTE A ORDEM para reconhecer a mora legislativa e determinar ao órgão público competente que aprecie o pedido de aposentadoria especial, aplicando, no que couber, os termos da LC 51/85.

Publique-se. Int.

Brasília, 9 de março de 2018.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES

Relator “

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando que a Constituição Federal em seu art. 40, parágrafo 4º, inciso II, assegura  aos servidores públicos titulares de cargos efetivos que laborem sob condições de risco o direito à aposentadoria especial,  a omissão do Poder Público não pode ser óbice ao exercício deste direito fundamental pelo servidor público. Constata-se, de forma clara, que as atividades desempenhadas pelos guardas municipais segundo a lei federal 13.022/14 são potencialmente e flagrantemente de risco, sendo a periculosidade aspecto inerente às atividades essenciais exercidas na carreira enquanto integrantes do sistema de Segurança Pública, pois as Guardas Municipais executam atividade de segurança pública essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade.

Nesse sentido, até que o Poder Público edite lei complementar para disciplinar a aposentadoria especial do servidor público, categoria guarda municipal, impõe-se, por analogia, a aplicação da lei complementar n. 51/85 e no que couber,  o art. 57 da Lei 8.213/91(RGPS), devendo o guarda municipal pleitear o beneficio na via administrativa perante o ente público a que está vinculado, e em caso de indeferimento ou recusa de processamento, socorrer-se ao Poder Judiciário, onde certamente encontrará a guarida de sua pretensão.

Conclui-se, portanto, que  ao guarda municipal,  enquanto servidor público titular de cargo efetivo que labore em condições de risco, é assegurado aposentadoria especial conforme previsto na lei complementar 51/85, ou seja,  poderá aposentar-se voluntariamente, com proventos integrais, independentemente da idade após 30 (trinta) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 20 (vinte) anos de  no cargo, se homem, ou  após 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 15 (quinze) anos de exercício em cargo, se mulher.

Desta forma, estar-se-à dando plena força a vigor ao direito fundamental aposentadoria especial, previsto na Constituição Federal.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 4. ed. São Paulo: Leud, 2009.

AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito Previdenciário Sistematizado. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2011.

BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 3. ed. São Paulo: Ed. dos Tribunais, 2003

CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 12 ed. Florianópolis: Conceito, 2011.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2011.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 16 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Resumo de direito previdenciário. 10 ed. rev. ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2011.

KERTZMAN, Ivan. Curso prático de direito previdenciário. 8 ed, rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2011.

LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro. Aposentadoria Especial: teoria e pratica. 3ª. Ed. Curitiba: Juruá, 2016.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. A prova no direito previdenciário. 2 ed. São Paulo: LTr, 2009.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à lei básica da previdência social. 7 ed. São Paulo: LTr, 2006.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. 3 ed. São Paulo: LTr, 2010.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2007.

SANTOS, Merari dos. Aposentadoria especial do servidor público. Guarda municipal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XX, n. 164, set 2017. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=19489&revista_caderno=20>. Acesso em jun 2018.

OLIVEIRA, Antônio Flávio de. Servidor Público – A averbação do tempo de serviço/contribuição. 3. Ed. São Paulo: Forum, 2007.

RIBEIRO, Maria Helena Carreira Alvim. Aposentadoria Especial – Regime Geral da Previdência Social. 4. Ed. São Paulo: Jurua, 2010.

SALIBA, Tuffi Messias; CORRÊA, Márcia Angelim Chaves. Insalubridade e periculosidade: aspectos técnicos e práticos. São Paulo: LTr, 2009.

SANTOS, Marisa Ferreira dos; LENZA, Pedro. Direito Previdenciário Esquematizado. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 1998.


[1] SALIBA, Tuffi Messias; CORRÊA, Márcia Angelim Chaves. Insalubridade e periculosidade: aspectos técnicos e práticos. São Paulo: LTr, 2009,pág.201.

[2] VENDRAME, Antonio Carlos. Implicações Legais na Emissão do PPP e o LTCAT. São Paulo LTr 2007. 2ª. Ed. pág. 143.

[3] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Aposentadoria Especial. 920 Perguntas e Respostas.  São Paulo. LTr. 2009. 5ª. Ed.,  pág. 20

[4] (STF - Pleno, MIs 833 e 844, Red. P/Acórdão Min. ROBERTO BARROSO, julgamentos em 11/06/2015).

[5]  (MI 6.250, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 31/1/2018; MI 6.171, Rel. Min. ROBERTO BARROSO,  julgado em 1º/2/2018; MI 6.124, Rel. Min. LUIZ FUX, julgado em 30/11/2017; MI 6.219, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 9/2/2017; MI 3.973, Rel. Min. EDSON FACHIN, julgado em 26/10/2015; MI 6874 / DF ;MI 2.045, Rel. Min. ROSA WEBER, julgado em 7/3/2014; MI 5.684, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgado em 28/2/2014).

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Sobre o autor
Edinilton Ferreira Lopes

Bacharel em Direito e em Ciências Contábeis; aprovado no exame da OAB;Servidor Público do TJMG; pós-graduado em direito civl e processo civil, penal e processo penal, e em direito previdenciário;professor livre docente em cursos preparatórios para concursos públicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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