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A administração indireta na Lei de Responsabilidade Fiscal

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Mesmo as entidades financeiramente autônomas se submetem aos limites e condições da Lei de Responsabilidade Fiscal; desta só se exoneram as empresas estatais que nada recebem da Administração direta.

A sujeição aos limites e condições da Lei de Responsabilidade Fiscal

No intuito de melhor gerir serviços públicos, os entes estatais (União, Estados e Municípios) se valem da descentralização administrativa, transferindo determinadas atribuições a pessoas jurídicas criadas por lei, vindo isso a constituir a Administração indireta ou descentralizada.

Essa vontade política materializa as autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, regidas umas pelo direito público (autarquias; certas fundações e consórcios), outras pelo direito privado (outras fundações e consórcios, empresas públicas e sociedades de economia mista).

No tocante às fundações, há de ilustrar que, no passado, eram quase todas regidas pelo direito privado, mesmo as criadas por expressa pretensão estatal (lei). Tal contexto vem sofrer alterações com a Constituição de 1988, que, em algumas passagens, se refere à fundação instituída e mantida pelo poder público.

Na subsequente controvérsia, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SO) bem identifica três tipos de fundações que, de alguma forma, se relacionam com a Administração Pública[1]; são elas:

  • A fundação típica.
  • A fundação de apoio.
  • A fundação conveniada.

Sob essa conceituação, a fundação típica é a criada e mantida pelo poder público; uma espécie de autarquia fundacional (ex.: Fundação Zoológico); já, a fundação de apoio é instituída, mas não financiada pelo Tesouro (ex.: Fundação Padre Anchieta); por último, a fundação conveniada não é criada, tampouco bancada pelo caixa estatal, porém se relaciona, de forma vinculante, com a Administração, mediante contratos duradouros (ex.: FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

Em todos os níveis de governo, a Lei de Responsabilidade Fiscal alcança a Administração direta, bem como as autarquias, as fundações, e, no caso das empresas estatais, somente as que demandam o Tesouro Central, as chamadas empresas dependentes. É bem isso o que estabelecem os § 2º e 3º, art. 1º, daquele código de finanças públicas.

Essas unidades da Administração descentralizada, em sua imensa maioria, perfilam-se no Poder Executivo, apesar de se vincularem, em pouquíssimos casos, a outros Poderes.

No que diz respeito ao alcance daquela disciplina fiscal, controvérsia houve quanto às autarquias e fundações financeiramente autônomas, vale dizer, as que não recebem qualquer ajuda pecuniária da Administração direta; coletam suas rendas mediante a própria atividade operacional (por exemplo, taxa de água e esgoto ou mensalidades escolares).

Assim se polemizou diante da seguinte indagação: se a empresa autônoma, não dependente, escapa às regras fiscais, por que destas, por simetria, também não se esquivariam as autarquias e fundações que nada recebem do Tesouro Central?

Nesse cenário, de lembrar que as autarquias e fundações exercem políticas públicas formuladas pelo ente central; se hoje são monetariamente independentes, amanhã podem não ser, em razão de modificações na forma de conduzir a máquina governamental, sobretudo nos períodos de troca do dirigente político. Ao demais, podem ser extintas mediante lei iniciada no Poder Executivo.

Demais disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal, na questão polemizada, não tece qualquer distinção; não abre qualquer ressalva, e, se assim é, não cabe ao intérprete fazê-lo.

Em suma, na Administração Pública, somente certo tipo de entidade exonera-se dos limites e condições da nova disciplina fiscal: a empresa estatal que não solicita recursos do Tesouro, seja uma empresa pública ou uma sociedade de economia mista [2].

Nesse sentido, dependente ou não dos recursos centrais, as autarquias e as fundações típicas e de apoio, todas elas se submetem aos ritos e procedimentos do referenciado código fiscal, entre os quais a consolidação de seus números à movimentação geral do Município, a limitação de empenho das transferências extraorçamentárias do Tesouro Central, a compensação financeira de receitas renunciadas ou de despesas continuadas, as estimativas trienais de impacto financeiro-orçamentário, bem como a declaração de compatibilidade orçamentária de novas ações governamentais.

E, no âmbito das autarquias e fundações, só se afastam as fundações conveniadas, pois, como se viu, limitam-se a se relacionar contratualmente com a Administração, sendo criadas e mantidas sem qualquer interferência estatal.


Em norma geral inexistem limites específicos para autarquias, fundações e empresas dependentes.

Os limites para a despesa laboral e dívida consolidada abarcam todo o Poder estatal, isto é, sob o comando de norma geral, não há limites específicos, próprios, para autarquias, fundações e estatais dependentes.

Com efeito e relativamente ao gasto de pessoal, a Lei de Responsabilidade Fiscal se restringe a dois tipos de limite máximo: o global, por nível de governo (teto) e o setorial, por Poder estatal (subteto)[3]; portanto, não há qualquer distribuição percentual entre as entidades jurídicas que compõem cada Poder. Enquanto um todo, o Executivo Municipal pode despender com pessoal, no máximo, 54% da receita corrente líquida (art. 20, III, “b”); cessa aqui a eficácia da norma geral.

Então, para cada pessoa jurídica do Executivo, a repartição dos 54% é, como a seguir veremos, matéria que pode ser regulada por norma local; nunca por regra geral.

Prova disso, as universidades públicas do Estado de São Paulo (USP, UNESP, UNICAMP), todas elas gastam com pessoal mais do que 90% de suas receitas, mas, no agregado estadual, o percentual ainda está abaixo dos 49% opostos ao Poder Executivo. Nesse cenário, não cabe fazer qualquer censura àquelas autarquias de ensino superior.

Em direito financeiro, a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) é a melhor norma própria, local, para inibir o mau uso do dinheiro público, vez que, todo ano, subsidia a formulação e a realização de peça vital na administração pública: o orçamento-programa.

Sendo assim e visando cada uma das autarquias, fundações e empresas do município, a LDO, se for o caso, poderia enunciar barreiras relativas à despesa de pessoal e à dívida de longo prazo (consolidada) e, no que tange ao último ano de mandato do Executivo, rigorosa cobertura financeira para despesas assumidas nos últimos oito meses (art. 42, da LRF), bem assim proibição, nos derradeiros 180 dias, de aumento no gastos com servidores (Art. 21, parágrafo único, da LRF).

Sob esse prisma, abusos na administração descentralizada poderiam ser contornados com regras dispostas na lei de diretrizes orçamentárias (LDO); assim, mesmo as autarquias com bastante autonomia administrativa (p.ex., as universitárias) não poderiam se furtar aos limites e condições fiscais, pois que objetivados em lei formal.

Aliás, é bem isso o que propõe o modelo Fiorilli de lei de diretrizes orçamentárias (LDO):

Art. 28. Dependentes de transferências da Administração direta, as autarquias, fundações e empresas municipais deverão reduzir, em % ( por cento ), a despesa de pessoal.

Nessa linha de entendimento, assim dispõe um dos manuais do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) [4]

“Não há limites específicos para a despesa de pessoal de autarquias, fundações ou estatais dependentes. Assim, pode uma autarquia gastar com pessoal, por exemplo, 98% de sua receita, desde que, no consolidado de todo o Executivo, o percentual fique abaixo dos 54% incidentes sobre a receita corrente líquida do Município, ou seja, o limite fiscal daquele Poder. Verificados excessos naquelas entidades descentralizadas, pode a Prefeitura propor, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), freios ao dispêndio laboral de autarquias, fundações e estatais dependentes (....)”


Os critérios e a contabilização dos repasses para a Administração indireta

Ainda, de lembrar que, à vista da ajuda financeira das Prefeituras para as autarquias, fundações e empresas municipais, os critérios deveriam se apresentar, todo ano, na lei de diretrizes orçamentárias (LDO). É bem isso o que quer a LRF (art. 4º, § 1º, f) e recomenda o TCE-SP:

COMUNICADO SDG nº. 14, de 2010

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo alerta que, em face do atual processo de elaboração da lei de diretrizes orçamentárias – LDO, devem os jurisdicionados atentar para o que segue: (....)

4- Tendo em mira os dispositivos mencionados no item 1, a lei de diretrizes orçamentárias há de também enunciar critérios para ajuda financeira a entidades da Administração indireta do mesmo nível de governo.

5- Destinados a autarquias, fundações, empresas públicas ou sociedades de economia mista, as transferências monetárias do ente central devem, portanto, submeter-se a condições ditas na LDO, às quais, em nível de exemplo, podem assentar-se em metas operacionais a ser cumpridas por aquelas entidades subvencionadas.

SDG, 20 de abril de 2010

SÉRGIO CIQUERA ROSSI

SECRETÁRIO DIRETOR GERAL

Ainda considerando os repasses centrais para autarquias, fundações e empresas públicas, de lembrar que a mera ajuda financeira não é mais empenhada; dá-se à margem do sistema orçamentário, constituindo-se uma transferência extraorçamentária (art. 7º, da Portaria Interministerial STN/SOF nº 163, de 2001). Mas, quando aquelas entidades descentralizadas vendem bens e serviços às Prefeituras, aqui a operação será intraorçamentária, para evitar a duplicidade na consolidação dos balanços do mesmo nível de governo. É quando a Prefeitura paga, à autarquia de água e esgoto, os serviços mensalmente utilizados; nesse caso, o ente central faz despesa orçamentária (empenho na modalidade 91) para pagar a entidade da Administração indireta (vide Portaria STN n.º 338 e 688, de 2006).

De outra parte e a menos que lei local disponha em contrário, autarquias, fundações e empresas dependentes devem recolher, na Tesouraria da Prefeitura, o Imposto de Renda retido na fonte.

 “Art. 158. Pertencem aos Municípios:

I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem


O resultado do exercício

Autarquias e fundações de direito público sujeitam-se à Lei n.º. 4.320, de 1964; registram, ao final de cada ano civil, superávit ou déficit de execução orçamentária.

Fundações de direito privado, empresas públicas e sociedades de economia mista submetem-se à Lei n.º. 6.404, de 1976; revelam, ao final de seus exercícios financeiros, lucro ou prejuízo. Contudo e a modo de viabilizar agregação contábil, a Portaria STN n.º. 589/01 determinou-lhes que, à parte, evidenciassem recebimentos e pagamentos conforme o sistema utilizado na contabilidade pública (Lei 4.320, de 1964).

Bem por isso, em cada pessoa da Administração indireta, o resultado de exercício passa a considerar, de um lado, os recebimentos extraorçamentários e intraorçamentários do Tesouro Central de outro, as despesas orçamentárias realizadas sob o regime de competência, sendo que haverão de merecer censura dos Tribunais de Contas os decorrentes déficits financeiros e crescentemente negativos patrimônios líquidos.


A prestação de contas

O balanço anual de autarquias, fundações e estatais será remetido, todo ano, aos Tribunais de Contas, independentemente das contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo (art. 56, LRF); a pessoa jurídica por este representada não se confunde com a de cada uma dessas entidades da Administração direta.

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CONCLUSÃO

Submetidas que estão à Lei de Responsabilidade Fiscal, as autarquias, fundações e empresas dependentes devem atender ao que segue:

Mesmo as entidades financeiramente autônomas se submetem aos limites e condições da Lei de Responsabilidade Fiscal; desta só se exoneram as empresas estatais que nada recebem da Administração direta: as empresas não dependentes.

Os números orçamentários, financeiros e patrimoniais das autarquias, fundações e empresas dependentes devem ser incorporados ao balanço geral do Município (art. 50, III da LRF).

Para regular o uso das transferências vindas da Administração direta, os critérios devem estar apresentados, todo ano, na lei de diretrizes orçamentárias (art. 4º, I, f, da LRF e Comunicado TCE-SP nº 14/2010).

Em nível de norma geral (ex.: LRF), não há limites específicos para a despesa de pessoal das autarquias.

Contudo, a lei de diretrizes orçamentárias (LDO), na qualidade de norma própria, local, poderá determinar particular limite de pessoal para as entidades da Administração indireta, fazendo com que contribuam no ajuste fiscal do Poder Executivo.

Da mesma forma, a LDO poderá prescrever limites específicos para a dívida consolidada das entidades descentralizadas, fazendo com que, no último ano de mandato, não realizem, nos oito últimos meses, despesa sem lastro financeiro (art. 42, da LRF) ou aumentem a despesa laboral nos derradeiros 180 dias do exercício (art. 21, parágrafo único, da LRF).

Antes de majorar sua despesa laboral, a autarquia, a fundação e a empresa dependente devem consultar a Administração direta, no escopo de saber se a adição resultará numa vedada superação do limite prudencial (art. 22, § único, da LRF), o que pode implicar, da parte do Tribunal de Contas, negativa de registro para as novas admissões de pessoal.

Na expansão, aprimoramento e expansão da ação governamental, a autarquia, a fundação e a empresa dependente, todas elas devem elaborar os procedimentos requeridos no art. 16 daquela disciplina: estimativa trienal de impacto orçamentário-financeiro e demonstrativo de compatibilidade com o plano plurianual (PPA) e a lei de diretrizes orçamentárias (LDO).

Na renúncia de receitas e na criação de despesa obrigatória de caráter continuado, aquelas entidades descentralizadas precisam realizar as medidas de compensação do artigo 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal.


nOTAS

[1] Vide manual “O Tribunal e as Entidades Municipais da Administração Indireta”; 2016; site www.tce.sp.gov.br.

[2] À época da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, causou viva polêmica a conceituação de empresa pública dependente. Qualquer montante repassado pelo Tesouro já qualifica a entidade como dependente? E se a estatal sempre precisou do erário central, mas, justamente no ano da apuração, nada recebeu? E se a dependência é transitória, pontual? De que forma conciliar as contas da Prefeitura com as da empresa pública, visto que esta é regida pelo direito privado e, portanto, sujeita-se à Contabilidade Comercial?

Nisso, As Resoluções Senatoriais 40 e 43, de 2001, aclaram, ainda que pouco, a questão. Para elas, empresa estatal dependente é a que se enquadra, simultaneamente, em duas situações:

  • No que toca ao exercício anterior e à conta do Tesouro Central, ocorrência de recebimentos destinados ao custeio geral e aos gastos de capital, nestes desconsiderados os que tencionem o aumento de participação acionária;
  • Relativamente ao ano em curso, existência de previsão, no orçamento da estatal, de repasses bancados pelo ente controlador, no intuito de atender a despesas referenciadas no item anterior.

Ato contínuo, a Portaria STN n.º 589/01 dispõe que, a partir de 2003, as empresas dependentes integrem o orçamento geral do Município; antes disso, vale lembrar, apenas seus investimentos compareciam àquele instrumento de programação (art. 165, § 5.º, II, da CF).

[3] Considerando o Ministério Público como um Poder estatal, como, de fato, o é.

[4] “O Tribunal e as Entidades Municipais da Administração Indireta; 2016”.

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Sobre o autor
Flavio Corrêa de Toledo Junior

Professor de orçamento público e responsabilidade fiscal. Autor de livros e artigos técnicos. Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO JUNIOR, Flavio Corrêa. A administração indireta na Lei de Responsabilidade Fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5503, 26 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67830. Acesso em: 28 mar. 2024.

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