3 Liberdade de Comunicação e Liberdade de Expressão Artística
“A liberdade de expressão consiste no direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento. É o direito de não ser impedido de exprimir-se. Ao titular da liberdade de expressão é conferido o poder de agir, pelo qual contará com a abstenção ou não interferência de quem quer que seja no exercício do seu direito” (BASTOS, 2000: 44)
Em termos gerais, a liberdade de expressão já foi mencionada, em seu sentido amplo, no histórico deste trabalho. Por força de disposição constitucional, seu exercício, enquanto direito individual, não se sujeita a censura ou licença. Entretanto, na medida em que a manifestação do pensamento (sob a forma artística, que nos interessa) se dá através dos meios de comunicação, surge uma limitação, que também é amparada constitucionalmente, conforme veremos.
“A liberdade de comunicação consiste num conjunto de direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação.” (SILVA,1997:237)
Tanto a liberdade de comunicação, quanto a liberdade de expressão artística constituem formas de exteriorização (ou de exercício) da liberdade de opinião (ou de pensamento).
A expressão liberdade de comunicação é comumente utilizada para designar a liberdade de imprensa. Aquela, semanticamente, é mais ampla que a liberdade de imprensa, uma vez que abrange não só os veículos de comunicação escritos (ou impressos), mas também a comunicação sonora, visual e, recentemente, a digital. Essa diferenciação, no entanto, é irrelevante para o desenvolvimento deste trabalho. Portanto, ambas as expressões são aqui usadas como sinônimas.
Interessa distinguir o direito à informação da liberdade de imprensa. O direito à informação é um direito coletivo, compreendendo as liberdades de informar e de ser informado. Segundo Albino Greco, citado por SILVA (1997:238-239), “a primeira coincide com a liberdade de manifestação do pensamento pela palavra, por escrito ou por qualquer outro meio de difusão; a segunda indica o interesse sempre crescente da coletividade para que tanto os indivíduos como a comunidade estejam informados para o exercício consciente das liberdades públicas.” (grifos no original)
A legislação brasileira consagra o direito à informação no art. 5º, incisos XIV e XXXIII, sendo que este último refere-se ao recebimento de informações dos órgãos públicos. A liberdade de imprensa, por sua vez, encontra disciplina constitucional no capítulo concernente à comunicação social (arts. 220 a 224).
Desta forma, e relativamente à limitação supra referida, o parágrafo 3º do art.220 dispõe que compete à lei federal:
I- regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendam, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II- estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e de televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Por sua vez, o art. 221 estabelece que “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I- preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II- promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III- regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV- respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
A informação divulgada através da imprensa constitui forma de comunicação entre “interlocutores ausentes” (SILVA, 1997:237), qualificando-se pelo potencial conhecimento da informação por um grande número de pessoas indeterminadas. Desta forma, mostram-se pertinentes as disposições constitucionais no sentido de regulamentar a atuação dos veículos de comunicação e informação enquanto difusores e formadores de opinião, de maneira a preservar a cultura nacional e os valores ético-sociais.
A liberdade de imprensa foi amplamente discutida no período exatamente anterior à Constituição de 1988, e após o fim da ditadura militar, quando ainda vigorava a Lei de Segurança Nacional, que permitia a censura para preservar a moral e os bons costumes, vedando a publicação ou divulgação de idéias de “subversão da ordem”, além de propagandas de guerra e preconceitos de religião, raça ou classe.
A censura seria prévia se houvesse intervenção oficial antes da divulgação da idéia (matéria jornalística, livros, música, etc.), e posterior, se tal intervenção se desse após a impressão ou gravação, mas antes da divulgação, impedindo sua veiculação pelos meios de comunicação.
É notória a dificuldade de diversos artistas nesse período ditatorial em divulgar suas obras, bem como a perseguição sofrida por aquelas pessoas contrárias ao regime dominante; eram “subvertores da ordem”. Da mesma forma, a censura mascarou situações reais e de relevância social, levando ao alheamento da população em relação a questões de interesse público (este entendido como interesse da coletividade).
Assim, o sentimento de repulsa à censura e de necessidade de comunicação livre, seja nos meios de comunicação ou nas obras culturais e artísticas, tomou vulto no período da redemocratização do país, ocorrendo seminários e propostas sobre o tema, visando à inserção na nova ordem constitucional.
Entre as propostas, o denominado Grupo de Assessoria Parlamentar, do qual participaram Roberto Rolemberg e Freitas Nobre, elaborou um documento sobre uma nova política de comunicação social, que seria implantada pelo governo de Tancredo Neves, uma vez que fazia partes das propostas da Aliança Democrática. Este documento “não se prendeu aos tradicionais meios de comunicação – jornal, rádio e televisão – preferindo emitir conceitos e sugerir inovações para o teatro, cinema, musica popular, música erudita, publicidade e propaganda.”(PEREIRA, 1987: 60)
Em relação à música, que é nosso tema específico, este documento dispunha:
“Música Popular
“A musica popular brasileira, como de resto toda a produção cultural do país, foi severamente afetada pelo descaso, quando não pela pura e simples repressão do regime autoritário nestes últimos 20 anos.
A MPB não foi apenas desrespeitada como não recebeu nenhuma forma de proteção ou estímulos oficiais.
A música popular sobreviveu diante de obstáculos de toda sorte, como ocupação cultural de subprodutos culturais e estrangeiros, a censura, o enfraquecimento de sua entidades, o domínio do mercado pelas multinacionais, a centralização do Poder do Estado e uma eficaz máquina colonizadora cultural.
O que se produziu de bom e positivo e o que se resguardou na MPB foi obra de artistas vigorosos e persistentes, e onde o Estado – como já se disse – não apenas não ajudou, como exerceu um papel inibidor, castrador e desestimulante.
É indispensável falar aqui do valor da musica popular como componente da cultura nacional e de um povo, e da necessidade de sua preservação como bem público e nacional.
Algumas medidas são aqui propostas com esses objetivos, que se ajustam plenamente a uma política que um governo de transição democrática deve seguir:
- Audiência dos artistas e das entidades representativas dos músicos quando da formulação das políticas públicas para a MPB.
- Incentivos e linhas de financiamento para a produção de músicos profissionais autônomos a para aquisição de instrumentos.
- Estímulos oficiais à iniciação e ao prosseguimento de estudos musicais.
- Audiência dos interessados (músicos, através de suas entidades representativas) na formulação de normas de arrecadação de direitos autorais visando sua ampliação e melhoria.
- Limitações à invasão da música internacional e à ação das empresas multinacionais ligadas ao setor.
- Prioridade de execução de músicas de autoras nacionais nas concessionárias de rádio e televisão e, principalmente, nas emissoras oficiais e educativas
- Extinção de toda forma de censura política
- Estímulos às bandas de música municipais
- Incentivo à execução de músicas ao vivo em espetáculos de rádio, TV e casa noturnas, com vistas à necessária ampliação do mercado de trabalho
- Criação da Discoteca Nacional “
Música Erudita
A música erudita no Brasil têm padecido de todos os males de sucessivos governos que em nada se interessam pela sua sorte e que não dedicam nenhuma atenção à cultura em geral.
Em todos os países desenvolvidos do mundo, a música erudita é tratada com o máximo de atenção e consideração. Em todos eles, as escolas de música erudita, os conservatórios musicais, as orquestras sinfônicas e de Câmara, recebem fortes incentivos materiais, que permitem a sua permanência e seu desenvolvimento.
Nestes 20 anos, é inegável que a Música Erudita Brasileira sofreu um forte impacto negativo, que não apenas impediu sua normal evolução, como de resto ainda provocou a paralisação e até o atraso de iniciativas já existentes.
O Instituto Nacional de Música da Funarte foi aos poucos perdendo suas verbas, sua importância e a rigor é hoje um órgão teórico e impotente.
Todas e cada uma dessas condições precárias e negativas tornaram o número de Orquestras Sinfônicas ou de Teatros Líricos simplesmente ridículo, comprimiram o mercado de trabalho dos músicos eruditos, impediram o acesso de talentos junto às orquestras. O que se produz e o que obtém êxito na música erudita brasileira é o resultado do esforço e do talento individual de uns poucos artistas.
Esse breve diagnóstico está em desacordo total com as potencialidades musicais do povo brasileiro, inclusive a erudita, pelo que se impõe ao futuro governo uma atitude clara de assegurar um desenvolvimento não aleatório da Música Erudita, mas que contemple algumas prioridades, tais como:
a) obrigatoriedade da musicalização nos 1º e 2º ciclos escolares;
b) revisão da prática de admissão de estudantes de Música para as Escolas Superiores e Universidades;
c) apoio decisivo ao IMN da Funarte no sentido de propiciar a consecução dos Projetos de Descentralização;
d) reorganização da rádio MEC e de sua Orquestra Sinfônica Nacional;
e) estudo de formas alternativas de subvenção para as Orquestras Sinfônicas e Teatros Líricos existentes;
f) criação a nível nacional de Orquestras Sinfônicas Jovens ou de Centros de Estudo Orquestrais;
g) estímulo para a formação de novas Orquestras Sinfônicas, de Câmara e Teatros ou Grupos Líricos;
h) isenção de impostos para instrumentos musicais importados, desde que comprovadamente para uso de profissionais sindicalizados;
i) apoio às indústrias de instrumentos musicais nacionais.” (PEREIRA, 1987: 68-70)
Como é sabido, Tancredo Neves, embora eleito presidente, não chegou a ser empossado no cargo. Seu sucessor, José Sarney, não chegou a implementar nenhuma das medidas propostas: ao contrário, agiu contra os interesses democráticos que levaram à eleição de Tancredo Neves, fazendo diversas concessões de rádio e televisão a deputados e empresários ligados ao Executivo Federal. (LANER, 2001:108)
Com a promulgação da Constituição em 1988, a questão colocada na época, no que diz respeito à censura, foi resolvida, pois esta constituição proibiu a censura a qualquer forma de expressão (art.5º, IX), bem como aos meios de comunicação (art.220, caput). A constituição também mudou a forma de se realizarem as concessões de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, que devem passar pelo crivo do Congresso Nacional ( art.223)
Atualmente, o foco de discussão mudou: o que se discute é a regulamentação das disposições constitucionais referentes à classificação dos espetáculos públicos e à regionalização da produção e programação das emissoras de rádio e TV; o “jabá” (dinheiro pago pelas gravadoras a emissoras de rádio e TV para beneficiar determinados artistas, e obviamente prejudicar outros, ainda que indiretamente); a inserção e regularização das rádios comunitárias (também chamadas “piratas”); a banalização da violência e do sexo na programação das emissoras de TV, que leva à deturpação de valores; a questão da arrecadação e repasse dos direitos autorais (note-se que a Lei n. 9.610/98, sobre direitos autorais, considera que as composições musicais, com ou sem letra, são obras intelectuais protegidas – art.7º, V); a difusão de sons, imagens e idéias via Internet; como inserir as gravadoras independentes e seus artistas no mercado fonográfico; entre outras. Essas questões são importantes para o exercício do direito à liberdade de expressão, por isso entendemos pertinente citá-las; entretanto, não constituem o objeto deste estudo, portanto elas não serão aprofundadas.
Feitas essas considerações, resta saber a forma como são tratadas as manifestações culturais e artísticas pelos meios de comunicação, uma vez que “as novas técnicas de conservação, reprodução e transmissão à distância, inclusive satélites de comunicações, abriram novas e inimagináveis expectativas de difusão e propagação das obras intelectuais.” (SILVA FILHO, 1990:83)
Neste sentido e sobre a difusão musical, Dora Incontri, citada por GARCIA (2001:101), faz colocação pertinente: “quem conhece de perto os métodos de veiculação de músicas em emissoras de rádio e TV sabe quanto existe de manipulação comercial e de imposição ao público. Os sucessos não obedecem simplesmente ao gosto popular. Eles são produzidos por uma máquina lucrativa poderosa. O público se acostuma: acaba gostando do que lhe impõem hipnoticamente, num bombardeamento ininterrupto.”
A concentração de capital e a existência de monopólios no setor das comunicações agrava este quadro. O público se mantém alheio às diversas manifestações culturais do povo brasileiro, pois falta interesse de grupos poderosos em democratizar a comunicação, o que leva a um empobrecimento da cultura nacional, bem como ao desconhecimento da diversidade cultural existente no país.
A música e os músicos são diretamente afetados por esse quadro. Uma vez que se apresenta a massificação da cultura popular, regida por leis de economia de mercado, e dada a necessidade humana de sobrevivência, o estilo de música e a “carreira” de diversos artistas acaba por se moldar às exigências da indústria cultural.