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Regulamentação da profissão de músico:

efetivo exercício do direito à liberdade de expressão ou limitação desse direito?

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25/12/2018 às 17:10

Resumo:

Resumo - OMB e Liberdade de Expressão Artística


  • A Ordem dos Músicos do Brasil (OMB) foi criada pela Lei n. 3.857/60, com o objetivo de fiscalizar o exercício da profissão de músico, protegendo a sociedade de maus profissionais e mantendo a ética profissional. Entretanto, a OMB é questionada por parte dos músicos, que veem na entidade um obstáculo à liberdade de expressão artística e ao desenvolvimento da cultura nacional, além de indícios de irregularidades em sua atuação.

  • Decisões judiciais recentes têm reconhecido a inconstitucionalidade de restrições ao exercício da profissão de músico impostas pela OMB, entendendo que a música, como forma de expressão artística, não deve ser limitada por exigências de filiação a um órgão fiscalizador. Juízes têm argumentado que a profissão de músico não apresenta potencial lesivo à sociedade que justifique tal fiscalização estatal.

  • A liberdade de expressão artística é garantida pela Constituição Federal de 1988, e o exercício da profissão de músico está intrinsecamente ligado a essa liberdade. A atuação da OMB, ao exigir filiação e pagamento de anuidades para exercício profissional, tem sido vista como uma reserva de mercado que dificulta o acesso dos músicos ao trabalho e restringe a inovação cultural.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Ordem dos Músicos do Brasil, ao menos nos casos analisados e que refletem uma política institucional de atuação, não é senão um obstáculo à livre manifestação do pensamento e do desenvolvimento da cultura nacional.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO, 2 HISTÓRICO 2.1 Direito à liberdade de expressão, 2.2 Direito ao trabalho, 2.3 Entidades de fiscalização profissional, 3 LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO E LIBERDADE DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, 4  LIBERDADE DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL E PROFISSÕES REGULAMENTADAS, 5 OS MÚSICOS E A ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL, 6 CONCLUSÃO


1 Introdução

 Constitui objeto desta monografia analisar a legislação, a jurisprudência recente e casos da atuação da Ordem dos Músicos do Brasil, noticiados pela Imprensa, bem como sua relação com os músicos, buscando também apreender o conceito que a entidade regulamentadora tem entre os profissionais. A OMB possibilita o efetivo exercício do direito à liberdade de expressão ou, ao contrário, limita o exercício desse direito através de práticas burocráticas, desconsideração da pessoalidade de cada artista, bem como a não diferenciação das diversas categorias de músicos existentes?

Na busca de respostas a tais questões, foi feito um estudo histórico do tema, a título de introdução, pesquisando-se as origens do direito à liberdade de expressão, bem como das entidades de fiscalização profissional.

 Quanto ao direito à liberdade de expressão e ao direito ao livre exercício da profissão, sua evolução passa pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, pelo Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, bem como por constituições estrangeiras e pelas brasileiras, culminando na Constituição de 1988.

Relativamente às entidades fiscalizadoras do exercício profissional, a evolução passa obrigatoriamente pelas Corporações de Ofício da Idade Média, seguido pelo Liberalismo Econômico, e este, pelo Socialismo, até os dias atuais. Relativamente à Ordem dos Músicos do Brasil, interessa o momento de sua criação, no ano de 1960, sua atuação no período ditatorial subsequente e as mudanças ocorridas quando da redemocratização do País, na década de 80.

Após o histórico o tema foi desenvolvido em três partes:

Na primeira delas, interessa diferenciar o direito à informação ou à liberdade de imprensa (alvo de inúmeros trabalhos) do direito à expressão artística (do qual pouco se fala), pois ambos recebem a denominação genérica de direito à liberdade de expressão (gênero de que são espécies).

Na segunda, serão objeto de análise o direito à livre escolha da profissão e o direito social ao trabalho, bem como sua relação com as profissões regulamentadas. Nessa parte, são questionados os fundamentos que legitimam o Estado a estabelecer limites ao exercício profissional e quais as profissões que comportam regulamentação.

Em terceiro lugar, cumpre estabelecer como se dá a atuação da Ordem dos Músicos do Brasil: quais são as suas atribuições, e se há conflito de competência entre elas e as atribuições de outros órgãos de fiscalização do trabalho, como por exemplo, as Delegacias Regionais do Trabalho; se há tratamento diferenciado entre as diversas categorias de músicos existentes; quais são os critérios de avaliação do músico para fins de profissionalização; se há arbitrariedade na aplicação de penalidades aos músicos; ou seja, se essa entidade possibilita o efetivo exercício da profissão de músico, respeitado o direito à liberdade de expressão artística, ou se ela limita o exercício desses direitos.

O estudo a que nos propusemos partirá da análise de três elementos, quais sejam: o direito à liberdade de expressão, o direito ao trabalho e os conselhos de fiscalização profissional; é necessário, a partir daí, conectá-los aos elementos: música (enquanto forma de expressão artística), o músico como sujeito, cuja atividade (profissional ou não) é a produção e/ou execução musical, e a Ordem dos Músicos do Brasil, autarquia corporativa, cuja finalidade é a regulamentação dessa profissão.


2 Histórico

 2.1 Direito à liberdade de expressão

 O direito à liberdade de expressão - direito fundamental do ser humano - enquadra-se no grupo dos direitos individuais, os quais reclamam a abstenção ou a limitação da atividade do Estado, impedindo que este interfira no seu exercício. A declaração desse direito, num primeiro momento, foi importante para limitar/restringir a intervenção do soberano (Estado Absolutista) no âmbito privado da vida dos súditos (Estado Liberal).

A origem do direito à liberdade de expressão encontra-se no direito inglês, mais precisamente, na Bill of Rights, de 13 de fevereiro de 1689, a qual dispunha, em seu art. 8º:, que “a liberdade de expressão no seio do Parlamento, assim como nos debates ou encaminhamentos, só pelo próprio Parlamento pode ser restringida ou questionada”.

Essa disposição constitui apenas o embrião do direito à liberdade de expressão conforme consagrado atualmente, o qual é garantido a todos e não somente “no seio do parlamento”, mas merece destaque por se tratar da originária.

 Posteriormente, o direito à liberdade de expressão vem expresso na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já assumindo caráter de direito humano, nos seguintes termos: “Art. XI – A livre comunicação do pensamento e da opinião é um dos direitos mais preciosos do homem: todo cidadão pode, pois, falar, escrever, imprimir livremente, salvo quando tiver que responder ao abuso desta liberdade, nos casos previstos em lei.”

A Constituição do México de 1917 previu, em seu art. 6º, que “a manifestação da liberdade de pensamento é ampla, ressalvadas as restrições fundadas na moral, nos direitos de terceiros, na perturbação da ordem pública, na prática de crime” e no art.7º, que “é inviolável a liberdade de imprensa e nenhuma lei ou autoridade poderá estabelecer a censura prévia, respeitada a vida privada, a moral e a paz pública.”

Outro texto paradigma do primeiro pós-guerra, a Constituição alemã de 1919 (Constituição de Weimar) previa, no capítulo concernente aos direitos e deveres fundamentais da pessoa individual, a liberdade de pensamento e de imprensa no art. 118, in verbis :

 "Dentro dos limites estabelecidos pelas Leis gerais, os alemães terão direito à livre emissão de suas idéias pela palavra, por escrito ou pela imprensa, pela imagem ou por qualquer outro meio; nenhuma condição de trabalho ou emprego pode privá-los desse direito, bem como ninguém poderá prejudicá-los por fazerem uso deste direito.

“Não existirá censura, porém, por meio de lei do Reich, poderão ser estabelecidas exceções, no que concerne às películas cinematográficas. Poderão também ser ditadas medidas legislativas especiais contra a literatura imoral e pornográfica e para a proteção da juventude em matéria de representações e espetáculos públicos.”

Após a Segunda Guerra Mundial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, assim dispôs: “Artigo XIX - Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), realizada em 1969, da qual o Brasil é parte (Dec. 678, de 6/11/92), dispôs sobre a liberdade de pensamento e expressão no art.13, in verbis:

“1. Toda pessoa tem Direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende  a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2.  O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessária para assegurar:

a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas, ou

b) à proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

1. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

2. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para a proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.

3.  A lei deve proibir toda propaganda a favor de guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso, que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.” (RESEK, 2002: 1045-6)

No Brasil, a Constituição Política do Império, de 1824, dedicou o Título VIII às Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, o qual foi inspirado na declaração francesa de 1789, prevendo a liberdade de manifestação do pensamento no art.179, n.4.

A Constituição Republicana de 1891 foi influenciada pela Declaração Francesa, mas revela também influência da “concepção anglo-americana dos direitos individuais” (HORTA,1983:152), notadamente a 1a Emenda da Constituição dos EUA, prevendo, junto ao direito à liberdade de manifestação do pensamento, a ampla liberdade de imprensa (art.72, parágrafo 12).

Já a Constituição de 1934, promulgada sob influência das citadas constituições mexicana e alemã, inovou em relação a anterior, ao prever além da liberdade de manifestação do pensamento “a proibição de propaganda de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem política e social (art.113, 9, finis)” (HORTA, 1983:155)

Relativamente ao direito à liberdade de expressão (ou de manifestação do pensamento), as Constituições Brasileiras de 1946 e de 1967 previam este direito nos arts. 141, parágrafo 5º, e 150, parágrafo 8º, respectivamente.

 A Constituição de 1967, no entanto, impôs limitação à manifestação do pensamento ao dispor, no art. 151, que o exercício abusivo desse direito, “para atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção, determina a suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador Geral da República.” Essa ideia, a de responsabilidade pelos abusos cometidos na manifestação do pensamento, permaneceu na Emenda Constitucional n.1 de 1969, no art.153, parágrafo 8º.

O direito brasileiro entende a liberdade de expressão (ou de manifestação do pensamento) como uma “liberdade responsável”, e dessa forma prevê a responsabilidade individual pelos abusos que forem cometidos.

A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, ao dispor sobre os direitos e garantias fundamentais estabelece, em seu artigo 5º , inciso IV, que “é livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato”, e no inciso IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Com tais disposições, a Carta Magna visa assegurar a “liberdade de o indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha: quer um pensamento íntimo, quer seja a tomada de posição pública; a liberdade de pensar e dizer o que se crê verdadeiro.” (SILVA, 1997: 235) Especificamente sobre a liberdade de expressão cultural, cujo exercício não se sujeita a censura ou licença, o dispositivo constitucional manifesta “uma vivência plena dos valores do espírito humano em sua projeção criativa, em sua produção de objetos que revelem o sentido dessas projeções na vida do ser humano.” (SILVA, 1997: 248)

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O direito à liberdade de expressão somente comporta limitação por parte do Estado no tocante à afronta aos princípios morais dominantes que porventura esteja presente na obra. Isso significa, no dizer de PONTES DE MIRANDA, apud QUADROS DE MAGALHÃES, (1987: 153) que “os únicos limites que a lei poderá fazer às artes será o de: ‘subtrair à juventude certas criações artísticas, a título de demasiado emocionantes, ou acima de sua idade; vedar alusões pessoais que constituem crimes previstos em lei’.”

Percebe-se que tais limites decorrem do exercício de outros direitos fundamentais, como por exemplo, o disposto no art. 5º, inciso X, que estabelece serem “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”.

O direito à livre manifestação do pensamento correlaciona-se com o direito à liberdade de expressão. Não podemos considerar essas duas expressões como sinônimas (apesar de complementares) em razão do tratamento dado pela Constituição de 1988, pela disciplina dos direitos a que se referem em incisos diferentes. Entendendo que a Constituição não contém palavras inúteis, tais disposições demonstram que a liberdade de expressão possui abrangência maior que a manifestação do pensamento, um vez que engloba toda manifestação intelectual, artística, científica e de comunicação.

2.2 Direito ao trabalho

O direito ao trabalho, como o direito à liberdade de expressão, é um direito fundamental, inerente à pessoa humana, e enquadra-se na categoria dos direitos sociais, entendidos como

 “prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos de gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.” (SILVA, 1997:277)

A preocupação da ordem jurídica em garantir o exercício das liberdades públicas se deu na transição do Estado Liberal para o Estado Social, passando os direitos sociais a serem disciplinados pelas constituições.

Inicialmente, a Constituição do México, de 1917, produto da revolução mexicana, dispôs que “a liberdade de profissão, de indústria, de comércio e de trabalho é assegurada dentro de sua licitude (art.4º), cabendo à lei designar as profissões que necessitam  de diploma para seu exercício.”

No mesmo sentido, a Constituição de Weimar, de 1919, no Título V, sobre a vida econômica, disciplinou  o direito ao trabalho (e o dever de trabalhar), nos seguintes termos: 

“Art. 157  A mão de obra  gozará de proteção especial do Reich.

  Estabelecer-se-á, em todo o Reich, um direito do trabalho uniforme.

(...)

Art.162  O Reich propiciará uma regulamentação internacional das relações jurídicas referentes aos trabalhadores, a fim de proporcionar a toda classe operária da humanidade um mínimo geral de direitos sociais. 

Art.163  Sem prejuízo de sua liberdade pessoal, todo alemão tem o dever moral de empregar suas forças intelectuais e físicas conforme a exigência do bem da comunidade. 

A todo alemão deve ser proporcionada a possibilidade de ganhar seu sustento mediante um trabalho produtivo. Quando não se lhe possam oferecer ocupações adequadas, atender-se-á a seu necessário sustento. Leis especiais fixarão as disposições complementares.”

Outra Constituição importante neste sentido é a Constituição das Repúblicas Socialistas Soviéticas, de 1936, a qual “não se limitou a fixar os direitos dos cidadãos, mas deslocou o centro de gravidade para a garantia desses direitos e a indicação dos meios assecuratórios de seu exercício. Dentro dessa perspectiva, o texto da Constituição fazia seguir cada direito enunciado dos meios para exercê-lo.” Assim, no art.118, o direito ao trabalho é assegurado com o aumento das forças produtivas, a eliminação das crises econômicas e do desemprego. (HORTA,1983:156)

 Ainda no âmbito internacional, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU), de 1948, dispõe, no artigo XXIII, n. 1: “Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha do emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.”

No Brasil, a Constituição do Império, no art.179, inciso XXIV, dispunha: “Nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria, ou comércio pode ser proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, à segurança e saúde dos cidadãos.” 

Por sua vez, a Constituição de 1891 (Republicana), promulgada ainda no contexto histórico do Estado liberal, estabeleceu a garantia incondicionada do livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial (art.72, parágrafo 24).

A Constituição de 1934 foi promulgada sob a égide da concepção social de Estado, ou seja, de Estado como interventor na ordem social, disciplinou o direito ao trabalho nos seguintes termos: “art. 113, n. 13 – é livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade técnica e outras que a lei estabelecer, ditadas pelo interesse público.”

Nem mesmo a Constituição ditatorial de 1937, de cunho autoritário, deixou de garantir o direito ao trabalho entre os direitos fundamentais:

 “art.122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade nos seguintes termos:

8) A liberdade de escolha de profissão ou do gênero de trabalho, indústria e comércio, observadas as condições de capacidade e as restrições impostas pelo bem público, nos termos da lei.”

 A Constituição de 1946 dispunha em seu art. 141, parágrafo 14: “assegurando a liberdade de exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer.”

Também a Constituição Federal de 1967, modificada pela Emenda Constitucional  n.1 de 1969, não trouxe inovações substanciais em relação às anteriores, no tocante aos direitos individuais, mas introduziu a noção de responsabilidade pelo abuso dos direitos individuais relacionada, entre outros, ao exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art.153, parágrafo 23).

Finalmente, na Constituição Federal, em vigor desde 1988,

 “O art.6º define o trabalho como direito social, mas nem ele nem o art.7º trazem norma expressa conferindo o direito ao trabalho. Este, porém, ressai do conjunto de normas da Constituição sobre o trabalho. Assim, no art.1º, IV, se declara que a república Federativa do Brasil tem como fundamento, entre outros, os valores sociais do trabalho; o art.170 estatui que a ordem econômica funda-se na valorização do trabalho, e o art.193 dispõe que a ordem social tem como base o primado do trabalho. Tudo isso tem o sentido de reconhecer o direito social ao trabalho, como condição da efetividade da existência digna (fim da ordem econômica) e, pois, da dignidade da pessoa humana, fundamento, também, da República Federativa do Brasil (art.1º, III). E aqui se entroncam o direito individual ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, com o direito social ao trabalho, que envolve o direito de acesso a uma profissão, à orientação e formação profissionais, à livre escolha do trabalho, assim como o direito à relação de emprego (art.7º, I) e o seguro desemprego, que visam, todos, entre outros, à melhoria das condições sociais dos trabalhadores.”(SILVA, 1997: 280-281) (grifos no original)

2.3 Entidades de Fiscalização Profissional

No desenvolvimento do presente tópico foi tomado por base o livro “Conselhos de Fiscalização Profissional: Doutrina e Jurisprudência”, coordenador Vladimir Passos de FREITAS, cujo Capítulo 1, “Histórico dos Conselhos de Fiscalização do Exercício Profissional”, satisfaz aos propósitos deste histórico.

Tão logo os homens começam a se organizar em sociedade, passam também a pertencer a grupos, classificados de acordo com as atividades desenvolvidas: guerreiros, sacerdotes, pastores.

Intimamente ligada à idéia de trabalho organizado, as “origens remotas das entidades de fiscalização profissional” encontram-se na Antigüidade, com a congregação de interesses de determinadas categorias de profissionais. (p.20)

O primeiro caso de “associativismo caracterizador de efetivo germinar das entidades tais quais tratadas nesta obra” ocorreu em Roma, com os Collegia, surgidos, provavelmente, no século I a.C. “A população era dividida de acordo com as artes ou ofícios exercidos. (...) (Os Collegia) não representavam a expressão da voluntária ação dos profissionais interessados, já que criados e impostos pelo estado a fim de, pela força, dirimir conflitos que se estabeleciam na sociedade acerca do exercício de alguma atividade. Ademais, ao lado de trabalhadores organizados pelo poder estatal, havia a coexistência do trabalho escravo e também do trabalho absolutamente livre, sem ligação aos collegia.” (p.21)

Foi na Idade Média, no entanto, que surgiram pessoas jurídicas com o objetivo de controlar o exercício profissional: eram as Corporações (também chamadas de fraternidades, grêmios, e sociedades de ofício).

“No sistema das corporações medievais, a exemplo do que ocorre hodiernamente no Brasil em relação a muitas profissões, os artesãos não podiam exercer seu ofício ou arte nas comunas sem que ligados a alguma entidade. As razões que ditavam tal controle não diziam respeito necessariamente ao atendimento das necessidades públicas, mas principalmente à reserva de mercado, ao favorecimento de alguns; em suma, aos interesses meramente corporativos (expressão utilizada aqui no seu sentido pejorativo) dos privilegiados.” 

(...)

“As corporações inicialmente eram divididas em ofícios, de forma hierarquizada. Na ordem decrescente havia os mestres, os companheiros e os aprendizes. Os mestres eram os detentores dos maiores poderes e privilégios no que toca ao exercício da atividade profissional; controlavam seus subordinados, a exemplo de seus antigos opressores, os senhores feudais, com extremo rigor e, no mais das vezes, procuravam impedir que os companheiros se tornassem mestres. Os companheiros, na prática, exerciam as mesmas atividades dos mestres, mas sempre ligados a um destes; já não eram aprendizes; conheciam o ofício, mas não haviam obtido o reconhecimento da corporação como mestres, degrau difícil de ser alcançado. Os aprendizes, por seu turno, estavam na base da estrutura: trabalhavam apenas para aprender o ofício, almejando um dia tornar-se companheiros e, quiçá, mestres.”

(...)

“Surgiram como reação às Corporações de ofício, as denominadas companhias, que passaram a congregar os companheiros. Representavam as companhias, por um ângulo, novamente uma forma associativa que nos remete às entidades de fiscalização profissional atuais; sob outro, às modernas entidades sindicais, uma vez que nasceram sob o signo da luta contra a opressão dos mestres.” (p.22-23, grifos no original)

No Brasil, há notícias da existência de grêmios no Rio de Janeiro, em 1693 e no Maranhão, Bahia e Pernambuco, em 1704, sem, no entanto, terem o relevo que tiveram na Europa.

Somente em 1824, com a Constituição do Império, outorgada já sob inspiração liberal, é que as corporações foram extintas, bem como seus juízes, escrivães e mestres, conforme preceitua o art.179.

Nesta época, após a Revolução Francesa de 1789, “o ideário liberal incentivou a conquista da liberdade do exercício profissional. (...) Predominando a doutrina liberal, o Estado, nesse período, assumiu um comportamento abstencionista, deixando como regra ao mercado a solução dos conflitos entre trabalhadores e empregadores e bem assim o exercício de atividades profissionais liberais” (p.25)

(...)

“O abstencionismo estatal gerou, em muitas situações, conseqüências nefastas, pela absoluta falta de controle em relação a atividades prenhes de indiscutível interesse público. Sob outro aspecto, a ausência de maior regulamentação no que toca às relações de trabalho deixou novamente os trabalhadores, partes hipossuficientes, sob o jugo não mais dos interesses corporativos, mas sim do capital.”

“(...) O final do século XIX e o início do século XX, dessarte, testemunharam um movimento a favor da volta do intervencionismo estatal, agora não mais para fazer valer os interesses do soberano, mas sim para que o Estado se transformasse em instrumento de combate às desigualdades e de proteção aos direitos e garantias individuais, bem como ao interesse coletivo. Pouco a pouco, assim, foram-se plasmando as bases para o desenvolvimento de entes responsáveis pelo controle do exercício profissional, com resultado da necessidade de regulamentar o desempenho de atividades de incontrastável interesse público. (...) a liberdade irrestrita do exercício de atividades profissionais passou a ser atentatória à coletividade.” 

(...)

“Superadas as concepções liberais no que imbuídas de ingenuidade, começaram a ser concebidas, no que toca ao assunto que nos interessa mais de perto, formas de intervenção estatal a fim de controlar o exercício de profissões.” 

(...) 

“No Brasil, a criação dos cursos jurídicos, em 1827 (São Paulo e Olinda), e posteriormente de outros cursos superiores, despertou nos profissionais que começaram a colar grau e a entrar no mercado de trabalho a aspiração de disciplinar o exercício das profissões. Tais aspirações foram ao encontro das reivindicações da população, que, a partir de um determinado momento, passou a pretender resguardar-se contra maus profissionais.”

(...)

“A efetiva criação da Ordem dos Advogados do Brasil, primeira entidade de fiscalização profissional nos termos em que conhecidas atualmente, ocorreu somente no dia 18 de novembro de 1930.”

(...)

“Criada a Ordem dos Advogados do Brasil, outras categorias profissionais começaram a se mobilizar, impulsionadas pelo crescimento do mercado de trabalho e pela efervescência dos cursos superiores que se espalhavam pelo Brasil. Com o tempo, assim, foram surgindo outros conselhos, como os de Contabilidade, Economia, Medicina e Odontologia, entidades que proliferaram e assumiram aos poucos papel de destaque no cenário nacional.” (pp.26-30) 

Relativamente à entidade de fiscalização profissional que nos propomos a estudar, qual seja, a Ordem dos Músicos do Brasil - OMB, segundo reportagem publicada na revista Carta Capital, em 17 de abril de 2002 (www.cartacapital.com.br), seu idealizador foi o paraibano José de Lima Siqueira (falecido em 1985 no Rio de Janeiro). Compositor, regente, professor e musicólogo, José de Lima Siqueira criou e dirigiu três orquestras - a Sinfônica Brasileira, a Sinfônica do Rio de Janeiro e a Sinfônica Nacional.

Em 1957, fundou a União dos Músicos do Brasil (UMB) para solucionar uma questão essencial para a classe: a regulamentação e o reconhecimento legal da profissão de músico, até então inexistente. Durante um ano, a associação atuou como uma espécie de "CUT musical", agregando os sindicatos estaduais e as bandas militares.

Em 1958, o maestro Siqueira, que também era advogado, trocou a batuta pela caneta e redigiu um anteprojeto de lei para a criação da Ordem dos Músicos. O documento foi entregue ao então presidente Juscelino Kubitschek, no dia de seu aniversário, durante uma alvorada musical. Os artistas queriam que o presidente acordasse para o problema da regulamentação da profissão.

Juscelino sancionou o projeto da Lei n.º 3.857, que criou a OMB, em 22 de dezembro de 1960, e o primeiro presidente do órgão foi seu próprio idealizador. José Lima de Siqueira ficou três anos no cargo. Em 1964, com o golpe militar, ele e outros dirigentes regionais da OMB - como Constantino Milano Neto, em São Paulo e Gentil Filho, no Rio - foram acusados de pertencer ao Partido Comunista e acabaram destituídos após uma intervenção federal. Os conselhos regionais, que elegem o presidente do Conselho Federal, também se dissiparam. Por comodismo ou medo, muitos dos membros resolveram se afastar.

Num primeiro momento, a Ordem dos Músicos de São Paulo ficou sob intervenção do violinista Raul Laranjeiras, mas logo foi indicado o nome de Wilson Sândoli, que havia perdido as eleições para o sindicato naquele mesmo ano. Só em 1966 seriam convocadas novas eleições para os conselhos, e Wilson Sândoli permaneceu no cargo, no qual continua até hoje, inclusive acumulando os cargos de Presidente do Conselho Regional de São Paulo e de Presidente do Conselho Federal da autarquia.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Camila Cardoso. Regulamentação da profissão de músico:: efetivo exercício do direito à liberdade de expressão ou limitação desse direito?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5655, 25 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68063. Acesso em: 22 dez. 2024.

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