6 Conclusão:
Vimos que a música constitui manifestação do pensamento sob a forma artística, cujo exercício é garantido constitucionalmente, independente de censura ou licença.
Somente se for exercido através dos meios de comunicação, ou em desrespeito a outros direitos fundamentais, pode comportar regulamentação, bem como responsabilização individual pelos abusos cometidos.
Vimos também que a profissão de músico não pode ser desvinculada da expressão, posto que só se realiza na medida em que o público toma conhecimento dela, seja através de apresentações, gravações ou meios de comunicação. Estes, por sua vez, não excluem as outras formas de divulgação do trabalho/arte musical, mas congregam-nas, possibilitando seu conhecimento por um número indeterminado de pessoas.
Analisamos a liberdade de trabalho e a existência de profissões regulamentadas. Concluímos que num Estado Democrático de Direito, as profissões que comportam regulamentação são aquelas que têm potencial lesivo à sociedade, uma vez que aos conselhos de fiscalização profissional compete a defesa da sociedade (e que a defesa dos interesses de classe compete aos sindicatos).
Finalmente, chegamos à Ordem dos Músicos do Brasil, e através da análise de exemplos de sua atuação, bem com de questões levantadas pela própria classe profissional, que questiona a necessidade ou não de sua existência, tentamos verificar se os interesses que visa tutelar têm amparo na ordem jurídica e social atual. Notamos que, ao contrário, a exigência de filiação a uma entidade fiscalizadora por pessoas que exercem uma profissão eminentemente artística causa dificuldades ao exercício profissional, através da reserva de mercado àqueles que podem pagar. Ao mesmo tempo, cerceia a inovação das formas de manifestação cultural sob a forma musical, na medida em que exige a submissão a um teste de conhecimentos.
Notamos que a fiscalização do trabalho do músico empregado no que respeita às condições de seu exercício pelo Ministério do Trabalho é necessária, como em outras profissões, a fim de manter-se a dignidade do trabalhador. No que respeita aos músicos autônomos, devem ser-lhes assegurados os direitos referentes à assistência e previdência social.
Concluímos que existe uma necessidade premente em relação a diversas profissões, das quais não se exclui a de músico: a de possibilitar o acesso dos trabalhadores ao mercado de trabalho. Especificamente quanto aos músicos, dado que o exercício desta profissão não pode ser dissociada da expressão artística, e que desta forma não se submete a conceitos como “certo e errado”, mas de “gosto ou não gosto” (sendo assim um conceito mais estético do que ético), cabe ao público, ou seja, à sociedade, definir quais são os profissionais que mais correspondem aos seus anseios.
Ao Estado, por sua vez, compete a educação da população, proporcionando-lhe consciência crítica para conseguir definir seus gostos e não apenas se submeter ao que lhe determina a indústria cultural massificante e de estética duvidosa. O Estado deve também proporcionar meios para a produção e difusão da cultura nacional e regional.
Assim, a Ordem dos Músicos do Brasil, ao menos nos casos analisados e que refletem uma política institucional de atuação, não é senão um obstáculo à livre manifestação do pensamento e do desenvolvimento da cultura nacional.
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