Capa da publicação Serendipidade: encontro fortuito de provas em interceptação telefônica é aceito?
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Serendipidade: encontro fortuito de provas nas interceptações telefônicas

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27/08/2018 às 13:13
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CAPÍTULO 4: SERENDIPIDADE: ENCONTRO FORTUÍTO DE PROVAS           

Serendipidade: é o que a doutrina compreende como o encontro fortuito de um fato novo durante a busca por informações de um fato diverso, ou seja, estar à procura de uma prova e encontrar outra fortuitamente (LIMA, 2016, p. 748). Na jurisprudência, na edição do informativo de nº 539[33], o Superior Tribunal de Justiça consagrou o fenômeno da serendipidade.

No processo penal, ocorre o fenômeno denominado de “encontro fortuito de provas” ou “conhecimentos fortuitos” quando no decorrer de uma investigação regularmente desenvolvida no curso de determinada investigação termina-se por ter acesso a informações, com relevância penal, relativas a terceiros ou a outros fatos penalmente relevantes que extrapolam o objeto da investigação onde houve a autorização da diligencia. SOUZA, 2017, p. 58.

A questão aparece com mais contundência quando se pensa na interceptação de comunicações telefônicas feita à luz da Lei n. 9692/96, as qualis exigem – além da respectiva ordem de juiz competente – a presença de dois importantes requisitos: a descrição com clareza da situação ou objeto da investigação e a indicação e qualificação dos investigados, de tal modo que haja a correta individualização do fato e das pessoas que estão sob investigação. GOMES e MACIEL, 2010, p-591.

Ocorre que a linha interceptada pode contar com um número considerável de pessoas, gerando uma variada gama de conversas, podendo surgir, durante a persecução, outros fatos penalmente relevantes distintos da situação e pessoas objetos da investigação.

Assim, diante da ocorrência desse fenômeno, qual seja, “serendipidade ou encontro fortuito de provas”, surge à discussão sobre a licitude ou não dessas informações que extrapolam os limites da medida cuja autorização foi legalmente deferida, ou seja, se faz a seguinte indagação: os elementos colhidos dessa forma podem servir de sustentação para a instauração de um inquérito policial ou mesmo de uma ação penal? A serendipidade nas interceptações telefônicas é considerada válida para o processo penal?

Ante tal inquirição, o objetivo do presente trabalho é demonstrar de forma clara e objetiva, pois não se pretende esgotar com tal assunto, que mesmo frente às garantias constitucionais de proteção a privacidade e a intimidade das pessoas, a validade acerca dessas provas oriundas de descobertas fortuitas na interceptação telefônica se faz necessária pelos seguintes fatos: para que o Estado não se mantenha inerte diante da ciência de um crime e; para que o Estado consiga reduzir a sensação de impunidade na população.

4.1 A INUSITADA DESCOBERTA: AS MANIFESTAÇÕES DOUTRINÁRIAS

A interceptação das comunicações em geral, e particularmente a telefônica, situa-se no campo daqueles meios probatórios dotados de alta capacidade de produzir danos sociais e por isso mereceu restrição em nível constitucional no artigo 5º, inciso XII. Visando regulamentar a exceção constitucional, no que diz respeito à possibilidade de autorização para a interceptação telefônica, com vistas à persecução penal, foi editada a Lei n. 9296/96. SOUZA, 2017, p. 59.

A lei ao exigir a especificação da situação e sujeitos da interceptação visou claramente restringir a aplicação da medida a casos isolados, destacando sua excepcionalidade. No dizer de Luiz Vicente Cernicchiaro[34], “a lei, visando ainda a impedir abusos, determina que o requerimento deva ser feito com clareza, descrevendo o objeto da investigação, inclusive com indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada”.

Porém, efetivamente, pode ocorrer que, no curso da interceptação telefônica, venham a ser descobertas provas do cometimento de crime distinto daquele para o qual autorizada a violação do sigilo ou o envolvimento de pessoa diversa daquela relação a qual havia indícios de autoria da prática de delito. Trata-se da chamada descoberta casual ou conhecimento fortuito, também conhecido como fenômeno da Serendipidade. É possível, portanto, a descoberta inusitada de fatos e pessoas distintas daqueles originalmente buscado.

A grande questão que se põe e que não foi, infelizmente, enfrentada diretamente pela lei, se refere à validade ou não desse informes colhidos fortuitamente. Seriam eles admissíveis como prova no processo penal? A ideia é apresentar no decorrer do capítulo, manifestações doutrinárias e jurisprudenciais no âmbito do direito brasileiro, para, ao fim, concluir-se pela validação do encontro fortuito enquanto prova efetiva, dando novos espaços para a relativização de direitos fundamentais, afastando assim, a aplicação de um direito eminentemente dogmático, desprovido de valoração axiológica e teleológica.

O tema encontro fortuito vem despertando algumas divergências doutrinárias, pois se a própria natureza da prova obtida por meio de interceptação telefônica, por si só já demanda apreciação bastante cautelosa, vez que põe em evidência a questão sempre conflituosa entre a vida privada e o interesse na investigação e elucidação dos fatos criminosos, quiçá as provas advindas desse encontro fortuito, que sequer não são regulamentadas pelo ordenamento jurídico como sendo admitida sua validação.

A divergência doutrinária é muito grande, razão pela qual será feita a exposição resumida de alguns posicionamentos, os mais conceituados, diga-se de passagem, antes de se chegar à conclusão pela validade das provas obtidas fortuitamente.

Para Luiz Flávio Gomes[35], se o fato objeto do encontro fortuito é conexo ou tem relação de continência com o fato investigado, é válida a interceptação telefônica como meio probatório inclusive quanto ao fato extra descoberto, e desde que se trate de infração para a qual se admita a interceptação. Admite-se apenas a validade da prova se se tratar de conexão ou continência.

Semelhante é o posicionamento de Lênio Luiz Streck[36] ao asseverar que a informação fortuitamente obtida terá validade sempre que tiver ligação com o fato investigado, destacando a realidade das grandes empreitadas criminosas, nas quais será muito difícil, senão impossível, prever logo de início todas as gamas de atividades ilícitas e todos os implicados numa rede complexa de ligações, situações, circunstâncias, práticas e táticas criminosas.

Não seriam válidos, portanto, os encontros fortuitos em que a infração descoberta não admita interceptação, ainda que conexa ao crime investigado, ou mesmo sendo dos que admitem esse meio de prova, se independente, ou seja, não ligada via conexão ou continência com o crime que ensejou a investigação. Também em relação a terceiros, somente valeria a prova se estes tivessem alguma ligação com o fato inicialmente apurado e seu autor.

É preciso atentar, diante da serendipidade, se os elementos casualmente descobertos guardam ou não relação de conexidade em relação ao delito para a qual autorizada a violação do sigilo telefônico. Caso haja esta relação, não haverá qualquer irregularidade na sua utilização como meio de prova. Agora, se não houver tal vinculação, vale dizer, se os novos dados apresentarem absoluta autonomia e independência da apuração em andamento, neste caso poderão eles ser utilizados apenas como notitia criminis, autorizando o desencadeamento da competente investigação para a respectiva elucidação e, até mesmo, facultando o deferimento de outras interceptações em relação às pessoas ou aos crimes fortuitamente descobertos. NOBERTO, 2017, p. 349.

Como se pode perceber, para os doutrinadores referenciados acima, o critério da “conexão” ou “continência” serve como balizador para o aproveitamento da prova oriunda de encontro fortuito, mas, se a infração advinda deste não aceitar como meio de prova, a interceptação telefônica, não há que se falar em admissibilidade e/ou aproveitamento destes dados ocorridos fortuitamente. Quanto aos fatos não conexos, o material serviria apenas como notitia criminis para investigação e elucidação de novos fatos.

Por outro lado, alguns doutrinadores adotam posturas e critérios diversos acerca do tema.

Cabe destacar, de início, o magistério de Camargo Aranha[37] que defende o ponto de vista de que a prova encontrada fortuitamente não poderá ser, de forma alguma, utilizada no processo, já que não estava prevista na investigação e, tampouco, na autorização proferida pela autoridade judicial. Estaria, portanto, utilizando de uma prova ilícita quanto ao modo como colhida, já que foge dos preceitos legais que exigem um pedido com fundamentação certa, contra pessoa determinada e que, como tal, serviu de base á autorização judicial concedida.

Segue nessa mesma posição radical Damásio de Jesus[38], que conclui pela invalidade de quaisquer encontros fortuitos, corrobora com a possibilidade de aproveitamento destes tão somente como notitia criminis, hábil a propiciar outras investigações ou mesmo novas interceptações.

A parcela da doutrina que não admite validar o encontro fortuito em interceptação telefônica argumenta que a prova obtida por meio deste é ilícita e, portanto, teria sua origem eivada de nulidade, vez que o paragrafo único do artigo 2º da Lei n. 9296/96 estabelece que a situação objeto da investigação deve ser descrita com clareza, com indicação e qualificação dos investigados.

Com todo respeito e apreço que se tem pelos renomados doutrinadores supramencionados, mas não parece ser esse o melhor argumento para justificar a expurgação das provas advindas de encontro fortuitos do processo ou até mesmo para dispensar um inquérito policial quanto a tais provas, vez que o encontro fortuito serve como indício que fundamenta a busca de elementos que possam corroborá-lo, em esclarecimento de novos fatos ou do envolvimento de outras pessoas em fato já investigado, ou seja, em uma infração penal pretérita.

Ou seja, não há que se falar em violação legítima de um direito fundamental, como a intimidade ou a vida privada, tampouco em prova ilícita, é totalmente diferente, pois o que se tem no caso em questão, qual seja encontro fortuito, é o aproveitamento do conteúdo de uma interceptação legalmente autorizada e regularmente executada para fundamentar uma possível ação penal ou inquérito policial no tocante à infração descoberta casualmente. Em outras palavras o critério de violação de direito fundamental ou prova ilícita já tinha sido criteriosamente verificado pelo juiz quando da expedição da autorização; fala-se, portanto, em aplicação da Lei Penal após a descoberta da prática de uma infração penal.

É claro que não se pode atribuir validade a quaisquer casos de provas alcançadas de maneira fortuita, especialmente em se tratando de infrações penais para as quais a interceptação é vedada. Pois se assim o fosse, estar-se-ia premiando o acaso, vez que quem solicitasse ou ordenasse uma interceptação por crime no qual seria viável, sabendo de antemão da possível captação de outro, talvez para o qual a interceptação não fosse possível, e na verdade, visando a este e não aquele, estaria diante de uma estratégia insidiosa contra a correta aplicação da lei processual e até mesmo por via reflexa das normas constitucionais. CABETTE, 2015, p. 105.

Enfim, outra postura adotada é por Grinover[39] que afirma que seria possível verificar os casos em que o crime seria passível de interceptação, tendo por apoio a norma deficiente do artigo 2º, inciso III da Lei n. 9296/96, complementada pela aplicação do Princípio da Proporcionalidade, elegendo assim os casos graves em que a providência poderia ser adotada sem uma dissimetria entre lesões a bens jurídicos tutelados constitucionalmente e objetivos ou resultados pretendidos na investigação.

Para a autora, se o crime captado fortuitamente for daqueles graves que admitem a interceptação, aliando o disposto no artigo 2º, III, com os ditames do princípio da proporcionalidade, não há óbice á utilização da prova, desde que o crime admita aquele meio de prova, não sendo, portanto, necessário que haja conexão ou continência com o crime originalmente buscado.

Finalmente, segue nessa mesma postura liberal quanto ao aproveitamento dos “encontros fortuitos”, o autor Paulo Rangel[40], para quem os fatos fortuitamente conseguidos sempre servirão como prova, independentemente de ligação com o crime anterior ou mesmo de ser a infração descoberta por acaso também passível de interceptação. Segundo ele, não admitir tais provas seria “entendermos que do lícito adveio o ilícito”.

Como pôde perceber, há inúmeras controvérsias doutrinárias a respeito do tema, sendo que apenas foram citadas algumas delas. O que se infere dentro do contexto até aqui explanado, é que no curso das diligências regularmente implantadas para a interceptação de comunicações telefônicas, é indubitável que se descubra fortuitamente a prática de outros delitos. E uma coisa é certa para todos os doutrinadores até então mencionados: O Estado não pode simplesmente ignorar esse fato e ficar inerte quanto à descoberta/informação da ocorrência de um delito: seja servindo apenas como notitia criminis, seja pelo aproveitamento e consequentemente a validade dessas provas descobertas fortuitamente desde que haja conexão e/ou continência, ou simplesmente pela aplicação do princípio da proporcionalidade diante de casos mais graves.

Mesmo porque, fechar os olhos seria um simulacro. A descoberta inusitada de tais provas deve ser levada em consideração enquanto prova efetiva, buscando com isso, afastar um Estado injusto e corrupto, vez que este não pode se quedar inerte diante da ciência de um crime, pois ainda que, por um lado o Estado, por seus órgãos investigatórios, violou a intimidade de alguém, o fez com respaldo constitucional e legal, motivo pelo qual a prova se consolidou lícita.

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Todavia, para haver “encontro fortuito” é necessário que o delito casualmente descoberto guarde relação de conexão com o fato objeto inicial da interceptação. Pois se tratando de fatos não conexos com o fato inicialmente buscado, os elementos probatórios servirão apenas como notitia criminis para novas investigações, sob pena de esvaziar o limite estabelecido no artigo 2º, III da Lei n. 9296/96, e com isso, abrir um leque de opções para permitir o acesso a provas descobertas fortuitamente que não guardam relação de conexão com a infração objeto da investigação.

Por derradeiro, conclui-se pela validade do encontro fortuito enquanto prova perfeitamente efetiva, desde que guarde para tanto uma relação de conexão com o que fora descoberto com o crime originalmente buscado pela interceptação telefônica, e mais, que o crime descoberto fruto desse encontro fortuito seja também passível de admissibilidade por este meio de prova, qual seja, a interceptação telefônica. A respeito, de modo consolidado, tem-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (e no mesmo sentido, do Supremo Tribunal Federal), que será melhor abordado adiante, entendido que as provas assim obtidas são válidas se a interceptação tiver sido realizada nos estritos limites da lei, e o que dela advier deve ser considerado como consequência do respeito à ordem pública, não deixando de observar a conexão entre os fatos.

4.2 ENCONTRO FORTUITO COM VALOR PROBATÓRIO: HIPOTESES DE ADMISSIBILIDADE

Neste tópico será analiso em quais circunstâncias admite-se falar em licitude da prova obtida mediante o encontro fortuito nas interceptações telefônicas, e ao final, concluindo, em que momento será possível consentir o encontro fortuito como prova lícita.

Conforme demonstrado explicitamente ao longo do trabalho, tem-se como pressupostos às interceptações telefônicas, e que são próprios das medidas cautelares, o fumus boni iuris e o periculun in mora, e os específicos à sua autorização, quais sejam: a ordem judicial de autoridade competente, indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com pena de reclusão, e ainda, a impossibilidade de a prova do crime ser feita por outro meio que não a interceptação telefônica.

Destaca-se que um fundamento muito importante quanto ao acolhimento ou não da interceptação telefônica é referente ao princípio da proporcionalidade entre o que se pretende apurar e o direito à intimidade, à vida privada, como já mencionado anteriormente. Evidenciada a compatibilidade, posto que proporcional, não se tem por plausível reconhecer na descoberta inusitada a natureza de indícios que não guardam correlação com os fatos inicialmente desvendados, bem como que não se enquadre no rol dos crimes que admitem, em tese, a interceptação telefônica.

A interceptação telefônica que obtém prova de fato fortuito deve ser válida, se observado também o critério da proporcionalidade quanto ao fato supostamente criminoso descoberto fortuitamente, pois diante da impossibilidade de se antever os exatos limites da investigação, e por óbvio, tem-se a ocorrência de situações inusitadas, a desconsideração destas descobertas seria o mesmo, digamos assim, que elevar o direito á vida privada a máxima absoluta, tese essa já superada na atualidade.

Quanto à natureza jurídica dos elementos encontrados casualmente, convém destacar que a doutrina classifica a Serendipidade como sendo de 1º ou 2º grau. A de 1º grau seria o encontro casual de provas de uma infração conexa com a inicialmente buscada (defendida pela maioria da doutrina). Quanto à de 2º grau seria a descoberta de prova de infração penal totalmente desvinculada da inicialmente buscada. PONTES, 2015, p. 154.

É evidente que a interceptação telefônica não pode servir como instrumento de prevenção de riscos ou perigos, muito menos como instrumento de uma política criminal securitária. Nessa esteira, aceitar que os elementos encontrados casualmente não necessariamente precisam estar conexos com o buscado originalmente, é admitir no direito um desvio de finalidade, qual seja, atribuir qualidade a esta prova encontrada acidentalmente, fazendo-a como efetivamente por si só venha a fundamentar um decreto condenatório, violando desmedidamente direitos e garantias fundamentais que tanto são respeitados pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Assim, a infração desconexa descoberta casualmente não pode, por si só, servir como fundamento nuclear de uma condenação. Isso seria uma violação absurda e gritante não somente ao direito da intimidade, como também ao princípio do devido processo legal, no qual todo e qualquer ato praticado por autoridade, para ser considerado válido, eficaz e completo, deve seguir todas as etapas previstas em lei. Portanto, não seria o caso de encontro fortuito, mas tão somente de atribuir a tal infração desconexa a função de notitia criminis para dar início a uma investigação com vistas a apurar outras fontes de prova.

Enfim, voltando para o grande âmago da questão sobre a admissibilidade ou não das provas produzidas fortuitamente, essas são válidas ou não? É possível estender a autorização inicial para os fatos e pessoas encontradas no decurso da conversação, ainda que fortuitamente, diversos daqueles que motivaram a autorização?

A respeito do tema, leciona Madeira (2016, p. 271) que existem, basicamente, três posições:

a)         Não deve ser admitida a utilização desta prova nova descoberta por acaso ou fortuitamente, pois a restrição da intimidade é medida que deve ser efetivada e tomada de maneira limitada vez que restringe direito fundamental e não possui respaldo legal;

b)         Somente pode ser utilizada como prova se houver conexão com o fato investigado – sendo esta a posição adotada pelo STF e pelo STJ.

c)         Sempre poderá ser utilizada como prova a descoberta apresentada na medida em que foi restringida de maneira lícita a intimidade da pessoa, ou seja, se foi restringida de maneira lícita, não se pode ignorar a descoberta realizada, de maneira que pode ser utilizada como prova.

4.2.1 POSIÇÃO “A” – Impossibilidade da utilização de prova oriunda de encontro fortuito.

O doutrinador Aury Lopes Junior (2014, p-423), defensor da primeira posição, fundamenta seu entendimento no princípio da especialidade da prova, mencionando que “o ato judicial que autoriza a obtenção de informações telefônicas – com o sacrifício do direito fundamental respectivo – é plenamente vinculado e limitado”, devendo existir todo um contexto jurídico e fático para legitimar a autorização, instituindo uma especialidade da medida.

O mestre Aury Lopes Junior (2014, p. 424), sustenta ainda que o produto dessa interceptação telefônica não deve ser utilizado, pois viola a especialidade e vinculação da prova, violando direitos fundamentais destes que não estariam inclusos na autorização judicial inicialmente concedida.

Avolio (2010, p. 230-231) apresenta forte restrição à utilização do material obtido em encontro fortuito quando na interceptação telefônica. Para o autor, a autorização indiscriminada do resultado da interceptação em relação a outros fatos configura a chamada “Interceptação Prospectiva”, de todo repudiável.

Enfim, nem de longe, essa posição parece ser a melhor defendida, uma vez que resta superada há muito a impossibilidade absoluta do reconhecimento do encontro fortuito enquanto prova, pois é inteiramente descabido na atualidade de um Estado Democrático de Direito que atua em prol de um interesse maior, qual seja, da Coletividade. Desconsiderar certas descobertas inusitadas que tratem por vezes de crimes de gravidade extremada é reconhecer um Estado sem compromisso com a incolumidade pública, e ao mesmo tempo, reconhecer uma máxima proteção absoluta de direitos e garantias fundamentais, sem qualquer restrições, o que é inadmissível frente a quantidade de omissões e condutas imperativas que podem advir de sistemas que não permitem na sua essência, a relativização de valores.

4.2.2 POSIÇÃO “B” – Observância do critério da conexão para a admissibilidade de provas encontradas fortuitamente

Esta é a posição atualmente adotada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, bem como pela maioria da doutrina brasileira. Para ambos, a incidência da admissibilidade do encontro fortuito se dá mediante a ocorrência de conexão ou continência com o delito que ensejou, inicialmente, a interceptação legalmente determinada.

Essa corrente admite as provas decorrentes da descoberta inusitada, somente nos casos em que, observados todos os requisitos legais e constitucionais para a decretação da interceptação, haja conexão ou continência entre o fato encontrado e o investigado, ou seja, permite-se apenas a serendipidade de primeiro grau. ROQUE, TAVORA, ALENCAR, 2016, p. 431.

Por outro lado, se o crime descoberto não possuir qualquer tipo de conexão com o crime investigado, a interceptação que deu ensejo a essa descoberta fortuita não valerá como meio de prova, servindo apenas como notitia criminis. GOMES, MACIEL, 2010, p. 592.

Em resumo: para que a prova inesperadamente obtida seja válida deve está condicionada á forma como fora realizada a diligência, ou seja, se houve desvio de finalidade, a prova não deve ser considerada válida; se não houve desvio de finalidade, isto é, se a prova obtida a partir da interceptação telefônica autorizada tiver relação com o fato objeto da investigação, a prova será válida. LIMA, 2016, p. 749.

Quanto ao fenômeno da Serendipidade, o informativo 539 do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. DESCOBERTA FORTUITA DE DELITOS QUE NÃO SÃO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO. O fato de elementos indiciários acerca da prática de crime surgirem no decorrer da execução de medida de quebra de sigilo bancário e fiscal determinada para apuração de outros crimes não impede, por si só, que os dados colhidos sejam utilizados para a averiguação da suposta prática daquele delito. Com efeito, pode ocorrer o que se chama de fenômeno da serendipidade, que consiste na descoberta fortuita de delitos que não são objeto da investigação. Precedentes citados: HC 187.189-SP, Sexta Turma, DJe 23/8/2013; e RHC 28.794-RJ, Quinta Turma, DJe 13/12/2012. HC 282.096-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/4/2014.

Segue nessa mesma linha são os ensinamentos de Gomes e Maciel (2011, p. 107) os quais afirmam que para aproveitamento da prova obtida através de interceptação telefônica, é necessário que haja “identidade”, “congruência” entre o fato e o sujeito passivo indicados na decisão e o fato e o sujeito passivo concretamente investigados, sendo que qualquer desvio do princípio da congruência ou da identidade deve ser levado ao conhecimento do juiz para que realize o efetivo controle judicial desta nova situação. Assim concluem os autores:

(...) se o fato objeto do “encontro fortuito” é conexo ou tem relação de continência com o fato investigado, é válida a interceptação telefônica como meio probatório. Essa prova deve ser valorada pelo juiz (...) Também, se é descoberto o envolvimento de outra pessoa, no mesmo crime investigado ( a continência do artigo 77 do CPP), também é válido tal meio probatório.

Cabe ainda mencionar que quanto à possibilidade de se admitir a Serendipidade nos casos em que o crime descoberto é apenado com reclusão, posicionou-se o STF da seguinte maneira:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA LICITAMENTE CONDUZIDA. ENCONTRO FORTUITO DE PROVA DA PRÁTICA DE CRIME PUNIDO COM DETENÇÃO. LEGITIMIDADE DO USO COMO JUSTA CAUSA PARA OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível com o art. 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com detenção. (grifo nosso) 2. Agravo Regimental desprovido. (AI 626214 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 21/09/2010, DJe-190 DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08-10-2010 EMENT VOL-02418-09 PP-01825 RTJ VOL-00217-01 PP-00579 RT v. 100, n. 903, 2011, p. 492-494).

É notória que na visão do STF é lícita a prova de crime diverso daquele objeto da interceptação telefônica regularmente autorizada pela autoridade judiciária competente, ainda que punidos com pena de detenção, valem como legítimo meio probatório, desde que claramente haja conexão entre as infrações penais.

Diante do exposto até aqui, esta é a posição certeira e, portanto, a mais razoável e aceitável frente à descoberta inusitada, vez que se por um lado o Estado não pode permanecer inerte diante da ciência de que um crime fora praticado ou que foram violados direitos fundamentais de alguém, mesmo porque o ato da interceptação telefônica fora realizado com respaldo legal e constitucional, por outro lado, para que a prova obtida fortuitamente seja de fato um material probatório válido, é necessário à presença do critério da conexão ou continência como balizador desse conteúdo probatório, pois dessa forma, não haverá que se falar em atingir terceiros ou violação de seus direitos, vez que nos casos de conexão ou continência o co-réu não se trata de terceiro, e sim parte do processo.

4.2.3 POSIÇÃO “C” – Total admissibilidade da prova obtida fortuitamente

Para essa posição, pouco importa se há ou não conexão com o fato investigado, se houve restrição lícita à privacidade, deve ser permitida a utilização deste elemento como prova. MADEIRA, 2016, p. 271.

Grandes nomes da doutrina são adeptos a esta corrente, como Fernando Capez, Guilherme Madeira, Eugênio Pacelli, Norberto Avena, dentre outros.

Nesse diapasão, aduz Norberto Avena (2014, p-473) que em sendo a interceptação realizada dentro dos limites da lei, o que dela advier deve ser considerado como consequência do respeito á ordem jurídica.

Para o ilustre doutrinador Fernando Capez (2012, p. 387):

[...] Embora questão suscite divergências na doutrina, entendemos que a ordem de quebra do sigilo vale não apenas para o crime objeto do pedido, mas também para quaisquer outros que vierem a ser desvendados no curso da comunicação, pois a autoridade não poderia adivinhar tudo o que está por vir. Se a interceptação foi autorizada judicialmente, ela é lícita e, como tal, captará licitamente toda a conversa. Não há nenhum problema.

Nesta mesma linha de raciocínio, exemplifica Pacelli (2011, p. 368) quando no curso de determinada investigação criminal, é autorizada judicialmente a interceptação telefônica em certo local, com a consequente violação da intimidade das pessoas que ali se encontram, não existem motivos para que se recuse a prova ou a informação relativa a outro crime ali obtida. Pois se em tal situação, até as conversações mais íntimas e pessoais dos investigados e das pessoas que ali se encontrassem estariam ao alcance do conhecimento policial, por que não o estaria a notícia referente à prática de outras infrações penais?

Por fim, para os adeptos desta corrente, o fato de todo relevante é que, uma vez permitida à violação dos direitos à privacidade e a intimidade, não haveria razão alguma para a recusa de provas de quaisquer outros delitos, punidos ou não com reclusão. Uma coisa é a justificação para a autorização da quebra do sigilo, tratando-se de violação à intimidade, outra coisa é o aproveitamento do conteúdo da intervenção já devidamente autorizada, tratando-se de material relativo à prova de qualquer crime, vez que a interceptação telefônica foi regularmente observada no momento oportuno, atendendo aos requisitos da lei. PACELLI, 2011, p. 369.

Com todo respeito aos grandes e renomados doutrinadores, mas essa não nos parece ser a melhor posição adotada, pois não se pode de modo algum atribuir validade a quaisquer casos de provas alcançadas fortuitamente, isso seria ignorar totalmente a adoção de medidas acautelatórias em favor da proteção do direito á intimidade e privacidade, de modo a incentivar à pratica de abuso de autoridade que diante da “fragilidade” dos limites impostos pela lei, digamos assim, seria fácil impor uma manobra ilegal de forma a maquiar o pedido ou a ordem objeto da interceptação telefônica, visando na verdade um autêntico encontro fortuito.

Por derradeiro, resumidamente, a discussão acerca da admissibilidade no processo penal das provas oriundas de encontro fortuito nas interceptações telefônicas tende a “encerrar”, diga-se de passagem, quanto à sua validade como prova efetiva, desde que haja conexão ou continência entre os fatos objeto da investigação e o descoberto inusitadamente, visto que não se não se trata da figura de um terceiro e sim da figura de um co-réu como parte do processo.

Aceitar que serão consideradas nulas todas as provas fortuitamente obtidas é o mesmo que aceitar um Estado inerte, “morto” para com o ideal que deve ser considerado como principal de um Estado Democrático de Direito, qual seja, a proteção do bem maior: a coletividade. Por outro lado, utilizar toda e qualquer prova advinda de uma interceptação telefônica regularmente autorizada judicialmente, é permitir uma intromissão desenfreada aos direitos e garantias fundamentais, muitas vezes, de um terceiro envolvido que em nada se relaciona com o fato objeto da investigação. É dar lugar a uma manobra artificiosa na qual se faz proceder, de certa forma, na inutilidade de um sistema a priori defendido pelo Estado, tornando-o frágil diante de artifícios que venham a contornar a lei.

4.3 DO TRATAMENTO DO ENCONTRO FORTUITO NA JURISPRUDENCIA

A descoberta fortuita é tratada da seguinte forma por Jose Paulo Baltazar Jr[41]:

“De início, é possível afirmar que, no momento da investigação, não há uma delimitação completa e exata do objeto, não havendo como se exigir os rigores do princípio da correlação entre denúncia e sentença. Investiga-se com base em uma hipótese, mas sem uma definição totalmente precisa dos contornos do fato, o que e próprio da denúncia. Assim, estando os fatos descobertos dentro dos contornos mais ou menos fluidos do tema da investigação, a prova deve ser admitida”.

Esse entendimento tomou grande volume na jurisprudência brasileira a partir da primeira manifestação sobre o tema que adveio do julgamento do pedido de HC n. 84388 de 26 de outubro de 2004, no caso que ficou conhecido nacionalmente como “Operação Anaconda”. Segue o seguinte teor:

HABEAS CORPUS. "OPERAÇÃO ANACONDA". INÉPCIA DA DENÚNCIA. ALEGAÇÕES DE NULIDADE QUANTO ÀS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IMPORTANTE INSTRUMENTO DE INVESTIGAÇÃO E APURAÇÃO DE ILÍCITOS. ART. 5º DA LEI 9.296/1996: PRAZO DE 15 DIAS PRORROGÁVEL UMA ÚNICA VEZ POR IGUAL PERÍODO. SUBSISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS QUE CONDUZIRAM À DECRETAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DECISÕES FUNDAMENTADAS E RAZOÁVEIS. A aparente limitação imposta pelo art. 5º da Lei 9.296/1996 não constitui óbice à viabilidade das múltiplas renovações das autorizações. DESVIO DE FINALIDADE NAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS, O QUE TERIA IMPLICADO CONHECIMENTO NÃO-AUTORIZADO DE OUTRO CRIME. O objetivo das investigações era apurar o envolvimento de policiais federais e magistrados em crime contra a Administração. Não se pode falar, portanto, em conhecimento fortuito de fato em tese criminoso, estranho ao objeto das investigações. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL DE ALAGOAS PARA AUTORIZAR A REALIZAÇÃO DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS QUE ENVOLVEM MAGISTRADOS PAULISTAS. As investigações foram iniciadas na Justiça Federal de Alagoas em razão das suspeitas de envolvimento de policiais federais em atividades criminosas. Diante da descoberta de possível envolvimento de magistrados paulistas, o procedimento investigatório foi imediatamente encaminhado ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, onde as investigações tiveram prosseguimento, com o aproveitamento das provas até então produzidas. ATIPICIDADE DE CONDUTAS, DADA A FALTA DE DESCRIÇÃO OBJETIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS ELEMENTARES DOS TIPOS PENAIS. ART. 10 DA LEI 9.296/1996: REALIZAR INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS, DE INFORMÁTICA OU TELEMÁTICA, OU QUEBRAR SEGREDO DE JUSTIÇA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL OU COM OBJETIVOS NÃO-AUTORIZADOS EM LEI. Inexistem, nos autos, elementos sólidos aptos a demonstrar a não-realização da interceptação de que o paciente teria participado. Habeas corpus indeferido nessa parte. DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. DISCREPÂNCIA ACERCA DO LOCAL ONDE SE ENCONTRA DEPOSITADA DETERMINADA QUANTIA MONETÁRIA. A denúncia é inepta, pois não especificou o fato juridicamente relevante que teria resultado da suposta falsidade - art. 299 do Código Penal. Habeas corpus deferido nessa parte.

Quanto à manifestação do Superior Tribunal de Justiça, segue o julgamento do HC n. 33553/CE ocorrido em 17 de março de 2005, cujo teor se transcreve:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOSREQUISITOS AUTORIZADORES. REVOGAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR. PERDA DOOBJETO. PROVA. ESCUTA TELEFÔNICA. ILICITUDE. INEXISTÊNCIA.MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. 1. Constatada a revogação da prisão preventiva do ora Paciente, resta esvaído parte do objeto do presente writ, que visava ao reconhecimento de constrangimento ilegal pela manutenção da prisão cautelar. 2. É lícita a prova de crime diverso, obtida por meio de interceptação de ligações telefônicas de terceiro não mencionado na autorização judicial de escuta, desde que relacionada com o fato criminoso objeto da investigação. 3. A legitimidade do Ministério Público para conduzir diligências investigatórias decorre de expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar n.º 75/93. É consectário lógico da própria função do órgão ministerial – titular exclusivo da ação penal pública -, proceder a coleta de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria. 4. Writ prejudicado em parte e, na parte conhecida, denegado.

Diante dos julgados ora supracitados, conclui-se que o reconhecimento da ilicitude do encontro fortuito em interceptação telefônica vinha sendo de maneira tímida e mitigada, tendo em vista que a priori era absolutamente impossível de se tomar tal descoberta como lícita. Atualmente, com o intuito de acompanhar a realidade do cotidiano, tem-se por pacífico no âmbito dos tribunais a possibilidade de se valorar os encontros fortuitos desde que haja conexão entre o crime objeto da investigação criminal que originariamente autorizou a interceptação telefônica e o crime ora descoberto inusitadamente, conforme demonstrado nos julgados a seguir:

Jurisprudência Aplicável: STF: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA LICITAMENTE CONDUZIDA. ENCONTRO FORTUITO DE PROVA DA PRÁTICA DE CRIME PUNIDO COM DETENÇÃO. LEGITIMIDADE DO USO COMO JUSTA CAUSA PARA OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível com o art. 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com detenção. 2. Agravo Regimental desprovido. (AI 626214 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 21/09/2010, DJe-190 DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08-10-2010 EMENT VOL-02418-09 PP-01825 RTJ VOL-00217-01 PP-00579 RT v. 100, n. 903, 2011, p. 492-494).

STF: Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. COMPETÊNCIA. CONEXÃO. INEXISTÊNCIA. ADITAMENTO DA DENÚNCIA. SISTEMA ACUSATÓRIO. (...) A conexão permite o Juízo disputar a competência para julgamento do feito, mas não o autoriza, a pretexto do liame probatório, a superar o dominus litis, o Ministério Público, e determinar o oferecimento de denúncia contra o impetrante, formulando prévio juízo de culpa, gerador de nulidade processual. A conexão intersubjetiva ou instrumental decorrente de encontro fortuito de prova que nada tem a ver com o objeto da investigação principal, não tem o condão de impor o unum et idem judex, máxime com vulneração do princípio acusatório. A conexão no processo dá-se em favor da jurisdição de modo a facilitar a colheita da prova, evitar decisões contraditórias e permitir cognição mais profunda e exauriente da matéria posta a julgamento. O simples encontro fortuito de prova de infração que não possui relação com o objeto da investigação em andamento não enseja o simultaneus processos (...). (STF - RHC: 120379 RO, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 26/08/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-210 DIVULG 23-10-2014 PUBLIC 24-10-2014).

STF - AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO : AgR ARE 939757 PR – PARANÁ. Ementa: (...) Como já assentado em outras oportunidades no bojo da Operação Lava-Jato, inexiste liame objetivo entre os fatos outrora imputados ao ex-Deputado Federal José Janene e aqueles pelos quais o excipiente foi denunciado. Hipótese em que 'o simples encontro fortuito de prova de infração que não possui relação com o objeto da investigação em andamento não enseja o simultaneus processus' (...). (STF - AgR ARE: 939757 PR - PARANÁ, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Data de Julgamento: 21/03/2016, Data de Publicação: DJe-056 29/03/2016).

Finalmente, como se pode notar, a jurisprudência vem caminhando firme e pacificamente no reconhecimento da licitude das provas descobertas fortuitamente e, por conseguinte, na valoração dessas provas como efetiva. Na verdade, as hipóteses de valoração da prova descoberta de forma inusitada vêm se tornando cada vez mais frequente nas decisões dos tribunais, tendo em vista a problemática da complexidade da criminalidade nos tempos atuais.

Mesmo porque, se porventura, no curso da investigação policial, em hipóteses na qual a atual legislação permite a interceptação telefônica, caso descubra casualmente outra criminalidade, porque não admitir licitude as provas descobertas fortuitamente? Até que ponto seria razoável, diante de uma descoberta inusitada nas interceptações telefônicas que tenha sido legalmente autorizada, não se dar validade a tais provas, mesmo considerando a gravidade da descoberta e consequentemente, a sua danosidade social?

É absolutamente inaceitável, é mesmo uma extravagância desconsiderar a validade de tais provas obtidas inusitadamente nas interceptações telefônicas em nome da preservação da vida privada. Pois o que se está em jogo e aqui merece ser invocada e notadamente considerada é a Supremacia do Interesse Público que por meio da Segurança Pública deve garantir, sim, o usufruto de direitos, mas também o cumprimento de deveres e obrigações a fim de manter a paz e o controle social, e não ao revés, produzindo eventos que além de trazer sensação de insegurança e incredulidade, trazem também criminalidade.

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Sobre a autora
Kelly Cristina Ribeiro Vaz

Sou nova na área, há pouco adquirir minha carteirinha da OAB. Tenho uma pós graduação em Direito Penal e pós graduando em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRISTINA, Kelly Cristina Ribeiro Vaz. Serendipidade: encontro fortuito de provas nas interceptações telefônicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5535, 27 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68444. Acesso em: 18 abr. 2024.

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