INTERNET E LIBERDADE DE EXPRESSÃO – POSIÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
Questões envolvendo o conflito entre a liberdade de expressão e outros princípios e direitos na Internet têm chegado ao Poder Judiciário, que tem tratado do debate em diversas decisões, como, por exemplo, no julgamento de Agravo Regimental na Ação Cautelar nº 1384-43.2010.6.00.0000, onde o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao apreciar o recurso entendeu que:
"(...)“a internet se diferencia dos veículos de comunicação impressos por não sofrer as consequências dos desgastes naturais que esmaecem e tornam esquecidos os jornais e revistas. E mais: os mecanismos existentes permitem constante interação e atualização do conteúdo e não exigem enormes espaços físicos dos usuários para a conservação de material impresso.
Assim, eventual transgressão perpetrada pela internet implica em constante e permanente ofensa ao direito, a reclamar, se for o caso, a sua pronta suspensão. Tal medida é possível, passo a assim compreender, não só na representação (Lei 9.504197, art. 96) em que há a identificação do usuário, como também por meio de ação cautelar ajuizada contra quem detém as informações capazes de identificar o responsável”.
E ainda no Agravo Regimental em Ação Cautelar nº 1384-43:
“(...) Em se tratando de ação cautelar, a hipótese não se confunde com condenação do provedor de hospedagem ou de acesso pelo conteúdo irregular. O que há é a provocação do Poder Judiciário para, diante de alegada irregularidade obter-se decisão fundamentada que autorize a quebra da relação de confidencialidade e privacidade que rege a relação entre o provedor de serviços e o usuário final.”
Além disso, quando eventualmente surgirem discussões sobre violação de princípios e/ou direitos que tenham o mesmo status da liberdade de expressão, os artigos 186 e 187 do Código Civil Brasileiro (Lei Federal 10.406, de 10.01.2012) são expressos ao dispor que:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Nessa linha de pensamento o egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu sobre a questão da retirada de página da rede mundial de computadores entendendo que “se empresa brasileira aufere diversos benefícios quando se apresenta ao mercado de forma tão semelhante a sua controladora americana, deve também, responder pelos riscos de tal conduta”[13].
É importante destacar que a Lei Federal 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) trouxe artigos próprios para tratar da responsabilidade por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros:
"(...) Seção III
Da Responsabilidade por Danos Decorrentes de Conteúdo Gerado por Terceiros
Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
§ 1o A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
§ 2o A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5o da Constituição Federal.
§ 3o As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.
§ 4o O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3o, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Art. 20. Sempre que tiver informações de contato do usuário diretamente responsável pelo conteúdo a que se refere o art. 19, caberá ao provedor de aplicações de internet comunicar-lhe os motivos e informações relativos à indisponibilização de conteúdo, com informações que permitam o contraditório e a ampla defesa em juízo, salvo expressa previsão legal ou expressa determinação judicial fundamentada em contrário.
Parágrafo único. Quando solicitado pelo usuário que disponibilizou o conteúdo tornado indisponível, o provedor de aplicações de internet que exerce essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos substituirá o conteúdo tornado indisponível pela motivação ou pela ordem judicial que deu fundamento à indisponibilização.
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido".
O artigo 19 da Lei Federal 12.965/2014 é claro ao dispor que o "provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente".
No Superior Tribunal de Justiça (STJ) matéria tratando sobre a aplicação do artigo 19 da Lei Federal 12.965/14 (Marco Civil da Internet) já foi decidida no sentido de entender como “necessária a notificação judicial ao provedor de conteúdo ou de hospedagem para retirada de material apontado como infringente, com a indicação clara e específica da URL – Universal Resource Locator”, com o entendimento de que “não se pode impor ao provedor de internet que monitore o conteúdo produzido pelos usuários da rede, de modo a impedir, ou censurar previamente, a divulgação de futuras manifestações ofensivas contra determinado indivíduo”[14].
É importante destacar que no Supremo Tribunal Federal já há dois Recursos Extraordinários com Repercussão Geral tratando sobre a questão da colisão entre liberdade de expressão e de informação versus direito à privacidade, à intimidade, à honra e à imagem[15].
CONCLUSÃO
A Lei Federal 12.965/14 (Marco Civil da Internet) trouxe para o ordenamento jurídico pátrio o princípio da neutralidade de rede e reforçou em seu texto o já consagrado princípio da liberdade de expressão, visando uma liberdade no fluxo de informações e um menor controle estatal.
Como cediço, a liberdade de expressão já é um princípio garantido constitucionalmente, e a lei do Marco Civil da Internet veio reforçar essa ideia, principalmente em razão das novas mídias introduzidas na sociedade moderna com a Internet.
Diante do que estudamos, entendemos que a liberdade de expressão deve ser a mais ampla possível, sendo-lhe impostos os limites apenas quando houver conflito com outros princípios e/ou direitos alçados ao mesmo status.
Acreditamos que a divulgação da informação, da cultura e do conhecimento devem ser levadas a todos os brasileiros, indistintamente, principalmente pela dimensão continental de nosso país, e, muito mais ainda, pela falta de acesso que muitas comunidades ainda têm para buscar o conhecimento.
Para isso é de fundamental importância a preservação e garantia da neutralidade de rede introduzida pela Lei Federal 12.965/2014 em nosso ordenamento jurídico, bem como o respeito aos princípios de garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento (art. 3º, I, da Lei Federal 12.965/14), além de todos os demais princípios: proteção da privacidade; proteção dos dados pessoais; preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas; responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades; preservação da natureza participativa da rede; e liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet[16].
Os princípios da neutralidade de rede e de garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento introduzidos pela Lei Federal 12.965/14 (Marco Civil da Internet) são de fundamental importância para os avanços tecnológicos do país, bem como a uma nova cultura de respeito cada vez maior ao princípio constitucional da liberdade de expressão – agora e em escala cada vez maior no universo digital.
Oxalá a neutralidade de rede e a liberdade de expressão auxiliem efetivamente na diminuição do enorme fosso de exclusão digital que ainda existe em nosso país, trazendo mais conhecimento, informação e cultura a todos os cidadãos brasileiros!
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Civil. Lei Federal 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
BRASIL. Marco Civil da Internet. Lei Federal 12.965, de 23 de abril de 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm
CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Direito de Informação e Liberdade de Expressão. Rio de Janeiro: Renova, 1999.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede: do conhecimento à Política. In: Castells, Manuel; Cardos, Gustavo (org.). A Sociedade em Rede: do Conhecimento à Acção Política. Centro Cultural de Belém, 2005.
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DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em: http://www.oas.org/pt/cidh/expressao/showarticle.asp?artID=163&lID=4
JUNIOR. Irineu Francisco Barreto Junior e Daniel César. Marco Civil da Internet e Neutralidade da Rede: Aspectos Jurídicos e Tecnológicos. Irineu Francisco Barreto Junior e Daniel César. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM. v. 12, n.1 / 2007 p. 65-88. www.ufsm.br/revistadireito
MARSDEN, Christopher. Net Neutrality: Towards a Co-Regulatory Solution. Bloomsbury. Academic Publishing. 2010.
MENDES. Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2013.
Portal do STF - Supremo Tribunal Federal. www.stf.jus.br
Portal do STJ - Superior Tribunal de Justiça. www.stj.jus.br
SAMPAIO, Jorge. A Sociedade em Rede e a Economia do Conhecimento: Portugal numa Perspectiva Global. http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/a_sociedade_em_rede_-_do_conhecimento_a_acao_politica.pdf