Capa da publicação Dados do WhatsApp em investigações policiais
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Acesso aos dados armazenados no WhatsApp pela polícia durante investigação criminal.

Implicações nos direitos fundamentais

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Resumo:


  • O fenômeno criminal moderno é influenciado pela evolução tecnológica, com destaque para o uso de smartphones e aplicativos como o WhatsApp, que exigem uma investigação policial inovadora e eficaz.

  • A Constituição Brasileira e leis infraconstitucionais, como o Marco Civil da Internet, protegem o direito à privacidade e ao sigilo das comunicações, mas admitem restrições em nome da segurança pública e da investigação criminal eficiente, mediante autorização judicial.

  • Existe um debate jurídico sobre a necessidade de ordem judicial para que a polícia acesse dados armazenados em celulares, com decisões judiciais e interpretações doutrinárias apontando tanto para a exigência da reserva de jurisdição quanto para a possibilidade de acesso direto pela polícia em situações excepcionais e urgentes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Explora-se a possibilidade de acesso aos dados armazenados no WhatsApp pela polícia no transcurso da investigação criminal contemporânea e a repercussão da referida diligência policial nos direitos fundamentais.

INTRODUÇÃO

Na era da informação e tecnologia avançada, o fenômeno criminal deve ser recontextualizado, eis que cada vez mais cresce o número de crimes praticados com o uso de aparelhos telefônicos modernos (Smartphones) e aplicativos de comunicação, que são fáceis de operar e seguros (WhatsApp). O crime deixou de ser cometido por meios tradicionais e caminha no compasso da evolução tecnológica. A investigação policial necessita progredir com a criação e incremento de novos meios de obtenção de provas, com vistas a reprimir a criminalidade contemporânea, irradiando bons resultados para a persecução penal e, via de consequência, garantindo a tão almejada segurança pública.

O presente estudo pretende demonstrar que o acesso aos dados telemáticos armazenados no aplicativo WhatsApp pela polícia revela-se eficiente meio de obtenção de provas durante a investigação criminal.

No primeiro capítulo, foram realizadas breves considerações sobre o aplicativo WhatsApp. No segundo capítulo, observou-se a evolução da investigação criminal (clássica, moderna e contemporânea). O terceiro capítulo foi dedicado ao direito fundamental à liberdade de comunicação e ao direito fundamental à segurança pública, tendo sido examinados os direitos deles derivados como o da inviolabilidade do sigilo das comunicações, da intimidade, da privacidade e da investigação criminal eficiente. A restrição à inviolabilidade das comunicações, intimidade e privacidade e a colisão entre os direitos à liberdade de comunicação e segurança pública inauguraram o quarto e último capítulo, que cuidou do acesso ao aplicativo WhatsApp pela polícia no transcorrer da investigação criminal.

Duas hipóteses marcaram o modo pelo qual o acesso aos dados registrados no aplicativo WhatsApp pode se concretizado. A primeira, acompanhando entendimento do Superior Tribunal de Justiça e na esteira da legislação especial infraconstitucional, consiste no acesso dependente da chancela do Poder Judiciário (reserva de jurisdição); a segunda, sob influxo de decisões de Tribunais Estaduais2 , versa sobre a acessibilidade incondicionada, ou seja, sem prévia autorização judicial e diretamente pela Autoridade Policial em determinadas circunstâncias e condições.


1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O APLICATIVO WHATSAPP

1.1. ORIGEM E DIFUSÃO

Fundado em 2009 por Jan Koum e Brian Acton, os quais trabalharam por quase vinte anos na empresa Yahoo, o WhatsApp, decorrente da expressão what’s (e aí?) e app (aplicativo), foi desenvolvido para funcionar como alternativa ao sistema de SMS. Sediada em Santa Clara, na Califórnia, a empresa atualmente oferece suporte ao envio e recebimento de vários arquivos de mídia. O usuário pode enviar e receber fotos, vídeos, documentos, compartilhar localização, encaminhar textos e usar as chamadas de voz.3

Em 2014, o WhatsApp fundiu-se ao Facebook. No entanto, ainda vem operando de forma independente, mantendo o foco em prestar um serviço universal de mensagens que prima pela rapidez e segurança. As mensagens e ligações operadas pelo aplicativo facilitam a comunicação entre milhões de pessoas e estão protegidas com criptografia total. Isso quer dizer que terceiros, incluindo o WhatsApp, não conseguem acessar o conteúdo do que foi enviado ou recebido, propiciando segurança à privacidade e intimidade dos usuários.4

Contudo, malgrado as comunicações por meio do aplicativo sejam muito bem protegidas, impedindo ou dificultando interceptações de terceiros, os dados armazenados no telefone celular são perfeitamente atingíveis. Para se ter acesso, basta que o usuário não apague as mensagens gravadas, bem como não adote a cautela de criar senha ou código de proteção do aparelho de telefone.

1.2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO APLICATIVO

O WhatsApp consiste em um aplicativo que permite a troca de mensagens pelo aparelho de telefone celular sem qualquer custo. Ele possibilita que usuários enviem e recebam mensagens de texto, imagens, vídeos, áudios, localização e contatos. Além disso, permite que os usuários efetuem ligações, valendo-se da internet, e criem grupos privados, em que os integrantes compartilham discussões, debates e informações.5

Como cediço, o aplicativo é compatível com telefones celulares (Smartphones). A troca de mensagens ocorre por meio de conexões via internet. Opera-se como se fosse um programa de correio eletrônico, um endereço de e-mail devidamente identificado pelo número de telefone do usuário. As mensagens trocadas imediatamente entre os usuários não são acessíveis ao público. Diferente, portanto, das redes sociais (Facebook, Instagram e Twitter).

Em virtude disso, fácil perceber que as comunicações por meio do WhatsApp são, em regra, de natureza privada. Quando feitas prontamente, são restritas aos interlocutores ou a um grupo de pessoas determinadas. Concretizada a comunicação entre os interlocutores ou grupo de pessoas, os dados e diálogos permanecem armazenados nos telefones celulares. A depender do interesse dos usuários, os dados podem ser excluídos (apagados), arquivados ou mantidos nos aparelhos.

Convém reiterar que os smartphones também permitem que os usuários criem um código ou senha de proteção, impedindo o acesso de terceiros ao conteúdo dos dados armazenados. Isso revela que, geralmente, a comunicação via WhatsApp será alcançada imediatamente por terceiros apenas quando o interlocutor assim o permitir. Essa autorização do interlocutor poderá ser expressa ou tácita e será tratada mais adiante. Lado outro, se houver negativa de acesso, outros meios (não convencionais) poderão ser usados, a depender do interesse e necessidade demonstrados no caso concreto.

Destarte, o WhatsApp caracteriza-se pela sua dupla natureza jurídica: enquanto meio de comunicação instantâneo e dinâmico, equipara-se àquela realizada com o uso da informática e telecomunicação. Ou seja, comunicação telemática. De outro lado, encarado como plataforma de armazenamento de dados pretéritos, ostenta status de um documento privado, uma carta, um diário ou um bilhete.6 Esta última natureza é a que interessa para o presente trabalho.

1.3. DIFUSÃO DO APLICATIVO NA SOCIEDADE COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO E SUA CORRELAÇÃO COM A CRIMINALIDADE

Atualmente, o WhatsApp aparece como o aplicativo mais popular em centenas de países. No Brasil, é tido como o aplicativo de celular mais importante pelos usuários. Com milhões de usuários espalhados pelo mundo, não é incomum que uma pessoa de antemão seja indagada por outra sobre o aplicativo, para depois fornecer o número do telefone celular.7

Starr (2017, p.87), confirma que o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo no ranking de utilização do WhatsApp. Segundo ela, “(...) mais de 100 (cem) milhões de usuários -, que fazem do Brasil o segundo país que mais utiliza o aplicativo no mundo (...)”.

Conforme dados da ANATEL, divulgados no início de 2017, das 243 (duzentos e quarenta e três) milhões de linhas telefônicas móveis em atividade, 25% (vinte e cinco por cento) estavam sendo usadas também pelo aplicativo WhatsApp. 8

Esta nova forma de comunicação logicamente repercute no fenômeno criminal. Considerada uma nova tecnologia digital, o WhatsApp vem funcionando como uma ferramenta disponível e muito utilizada para o cometimento de crimes nos últimos anos.Uma gama de delinquentes, sabedores da dificuldade de acesso à comunicação realizada por meio do aplicativo, viram nele um primoroso meio de praticar crimes. Informações entre integrantes de associação ou organização criminosa são trocadas de forma mais segura e célere.

A investigação policial encontra dificuldades para ter acesso às mensagens instantâneas trocadas e compartilhadas por meio desse aplicativo, em virtude da total encriptação. No que tange ao acesso aos dados armazenados no referido aplicativo pela polícia, tal questão vem sendo tema de intensas discussões jurídicas, eis que restringe direitos fundamentais vinculados à liberdade de comunicação, intimidade e privacidade.


2. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL CLÁSSICA, MODERNA E CONTEMPORÂNEA

2.1. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL CLÁSSICA

Entende-se por investigação criminal clássica aquela preliminar à fase processual realizada pela Polícia Judiciária voltada para a obtenção de elementos informativos e probatórios mediante o uso de técnicas tradicionais e meios convencionais.

A investigação criminal clássica desconsidera a evolução social tecnológica e despreza o fato de os autores de crimes usarem as inovações tecnológicas como instrumentos ou meios facilitadores da execução de infrações penais. O produto da investigação clássica, na prática, revela-se incompleto e, em muitos casos, ineficiente para a persecução penal, de maneira a não assegurar a concreção do direito fundamental à segurança pública.

Por variados motivos, a Polícia Judiciária9 , por meio de procedimento administrativo investigatório (geralmente Inquérito Policial) procede à coleta de informações e fontes de provas tão-somente por meio de diligências tradicionais, especificadas no artigo 6º do CPP. A falta de estrutura geral, a carência de pessoal, a insuficiência de treinamento, a desmotivação10 e outras deficiências são os fatores que levam os policiais a preferirem a investigação criminal clássica.

Em suma, as diligências investigatórias clássicas consistem em preservação do local, apreensão de objetos, oitivas, requisição de exames periciais comuns, identificação, verificação da vida pregressa, pessoal e familiar do autor do crime.

2.2. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL MODERNA

A adoção de técnicas de investigação mais sofisticadas, por meio de agências de inteligências policiais, representa a principal peculiaridade da investigação moderna. A análise criminal, a interceptação telefônica, a quebra dos sigilos bancários e fiscais, o uso de programas de mapeamento geográfico, o estudo geoestatístico de “zonas quentes”, sistemas de cruzamento de dados são alguns exemplos dos meios usados durante a investigação criminal considerada moderna.

O código processual penal não definiu o procedimento legal para se realizarem diligências em instrumentos ou objetos de alta tecnologia usados para a prática de crimes. Não se imaginava tamanha evolução tecnológica. Por sua vez, o texto constitucional trouxe apenas a interceptação telefônica como meio de obtenção de provas restritivo ao direito à inviolabilidade do sigilo das comunicações. A Constituição tolera somente a interceptação telefônica durante a investigação criminal e instrução processual penal (artigo 5º, inciso XII, da CF).

Como meio de obtenção de provas, a interceptação telefônica é tida como um dos principais mecanismos usados pelas Policiais Judiciárias do país. Inúmeras operações policiais notoriamente conhecidas (v.g. Lava Jato) foram bem-sucedidas graças à interceptação dos diálogos telefônicos. Embora não mereça ser enquadrada como espécie de investigação criminal clássica, visto que as diligências investigatórias são concebidas com a utilização de equipamentos eletrônicos modernos, também não se pode classificá-la como contemporânea.

Por depender da satisfação de inúmeros requisitos, como autorização judicial, demonstração de indisponibilidade de outros meios e apresentação de indícios de autoria em infração penal punida com pena de detenção, bem como pelo fato de o diálogo telefônico atualmente estar sendo substituído pela comunicação telegráfica (WhatsApp, por exemplo), hodiernamente a interceptação telefônica não consegue obter o volume e qualidade de elementos probatórios como antes do “boom” do uso de aplicativos de conversação, que revolucionaram a comunicação interpessoal e marcam o nascimento da investigação criminal contemporânea.

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2.3. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL CONTEMPORÂNEA

Nos dias de hoje, a facilidade para ler revistas, jornais e livros; assistir filmes, entrevistas, aulas e documentários; ouvir músicas; discutir sobre tudo e todos, é uma realidade promovida por uma rede mundial interconectada. Computadores, smartphones e outros aparelhos eletroeletrônicos permitem que se façam quase tudo quando e onde as pessoas bem entenderem.

Na era da informação, a sociedade global está sempre interconectada. A evolução na comunicação personifica-se em aplicativos. O WhatsApp, conforme pesquisa do Conecta, plataforma web vinculada ao Ibope, corresponde a 93% (noventa e três por cento) do uso de aplicativos de comunicação e dados.11

Em sendo o fenômeno criminal criatura da própria sociedade, inevitavelmente que a evolução da comunicação social reflete diretamente na criminalidade, exigindo que o controle social, por meio da investigação criminal, passasse a considerar como útil e indispensável a interceptação do fluxo de comunicação telemática e o acesso aos dados telemáticos armazenados nos celulares (Smartphones), ordinariamente usados e apreendidos nas mãos de autores de delitos.

No tocante à interceptação telefônica, já foi tema de acalorados debates a abrangência da restrição ao direito à inviolabilidade do sigilo da comunicação. Discutia-se se abarcava também a interceptação telemática e informática. A nossa Constituição Federal deu azo à dupla interpretação. Já a Lei n.9.296/1996 colocou uma pá de cal na polêmica: foi categórica ao ampliar a possibilidade de interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática (parágrafo único do artigo 1º).

Com a ascensão dos aplicativos de comunicação telemática, em que reina o WhatsApp, em plena era da troca de informações e dados telemáticos, não há margem para dúvidas de que a interceptação telemática, assim como o acesso aos dados telemáticos armazenados em aparelhos de telefone celular ocupam lugar de destaque nos meios de investigação criminal contemporânea.

A investigação criminal contemporânea não rejeita o uso de instrumentos clássicos e modernos de apuração de crimes, mas atribui primazia a diligências não usuais (muitas vezes ainda não estabelecidas em lei ou regulamento), com uso de procedimentos invasivos de coleta de elementos informativos em aparelhos tecnológicos, destacando-se a acessibilidade aos dados trocados por meio do aplicativo WhatsApp como meio de obtenção de provas na investigação criminal.

A par disso, tem-se que admitir que a investigação criminal contemporânea, com o acesso aos dados armazenados no aplicativo WhatsApp pela polícia, não resulta apenas na restrição de direitos fundamentais (liberdade e sigilo da comunicação, intimidade e privacidade), mas também garante uma investigação criminal eficiente gerativa de subsídios fecundos para a persecução penal, a consolidar o direito fundamental à segurança pública.


3. LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO E SEGURANÇA PÚBLICA

3.1. LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO

No catálogo de direito fundamentais trazido por nossa Constituição Federal de 1988, notam-se o “direito geral de liberdade” e as “liberdades específicas”. Portanto, a liberdade de comunicação consiste em um dos grupos associados às liberdades consagradas constitucionalmente.

"A Constituição Brasileira reconhece a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito à liberdade. É o que diz o caput do art.5º no que se convencionou chamar de direito geral de liberdade. O mesmo artigo reconhece, ainda, expressamente, por intermédio de diversos de seus incisos, um grande número de liberdades específicas, como a liberdade de expressão, a liberdade de consciência e crença, a privacidade, a liberdade de exercer qualquer trabalho ou ofício, o direto de ir e vir, ou liberdade de locomoção, as liberdades de manifestação, de associação ou de não se associar, para aqueles que não estejam interessados." (VIEIRA, 2016, p.136-137).

Vários direitos são assegurados pela liberdade de comunicação, a qual permite a criação e propagação de pensamentos, a troca de informações e dados por uma multiplicidade de meios de exteriorização.

"A liberdade de comunicação consiste num conjunto de direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação. [...] . Compreende ela as formas de criação, expressão, e manifestação do pensamento e de informação, e a organização dos meios de comunicação [...] ." (SILVA, 2002, p.242).

O direito à liberdade de comunicação abrange o direito à inviolabilidade do sigilo das comunicações, que, por sua vez, está umbilicalmente ligado ao direito da inviolabilidade da intimidade e vida privada. De se lembrar que tais direitos classificam-se como “direitos de defesa” ou “liberdades negativas”, de modo a impedir ingerência do Estado. Fazem parte dos direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão.

"A princípio, os direitos fundamentais constituíram uma limitação do poder estatal, pois buscavam delimitar a ação do Estado. Tais direitos definiam a fronteira entre o que era lícito e o que não era para o Estado, reconhecendo liberdades para os cidadãos, pois o que ficasse de fora do alcance do Estado, seria lícito. Eram chamados de direitos de defesa, marcando uma zona de não intervenção do Estado (negativos). Esses direitos exigiam uma abstenção do Estado e não uma conduta positiva." (BREGA FILHO, 2002, p.22).

Tais direitos, também chamados de “direitos de resistência ou de oposição perante o Estado” (BONAVIDES, p.517), são as “Liberdades Públicas”, destacando-se a intimidade, honra, vida, propriedade, liberdade de comunicação, expressão e manifestação, intimidade, vida privada e outros.

Quadra consignar que, para efeito deste trabalho, será considerada apenas a liberdade de comunicação, mormente o direito relativo à inviolabilidade do sigilo das comunicações, diretamente atrelada ao direito à intimidade e à privacidade, uma vez que os dados e os diálogos trocados via WhatsApp e armazenados nos celulares, em regra, são invioláveis em virtude dos aludidos direitos fundamentais.

3.2. SEGURANÇA PÚBLICA

A garantia de pacificação social, livre da violência ou ameaça decorrente da prática de crimes consiste em um dever do Estado, mas também direito e responsabilidade de todos. O vertiginoso crescimento da criminalidade contemporânea coloca o direito à segurança pública no centro da preocupação de grande parte do meio jurídico e político. Não é por outra razão que vem sendo pauta de reivindicação de todos segmentos da sociedade.

Cotidianamente segurança pública é tema de debate em todos os rincões do país. As questões envolvendo segurança abrangem todas as classes sociais. Quiçá por ser inimaginável viver ou sobreviver em um lugar repleto de desordem e tumultos generalizados. O povo clama por mais segurança pública na mesma proporção que o crime se alastra.

Para prevenir e reprimir o fenômeno criminal, faz-se necessário obviamente o aumento de investimento em segurança pública, mas também é preciso considerá-la como um direito fundamental de grande importância.

A segurança pública é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e de seus bens patrimoniais (art.144). As polícias federal, rodoviária federal, ferroviária federal, civis, militares e o corpo de bombeiros militares foram os órgãos estatais eleitos pela Constituição para promover a segurança pública.

"A segurança pública consiste numa situação de preservação ou restabelecimento dessa convivência social que permite que todos gozem de seus direitos e exerçam suas atividades sem perturbação de outrem, salvo nos limites de gozo e reivindicação de seus próprios direitos e de defesa de seus legítimos interesses. Na sua dinâmica, é uma atividade de vigilância, preservação e repressão de condutas delituosas." (SILVA, 2002, p.754).

Como visto, polícia e segurança pública guardam relação de meio e fim dentro do contexto de controle social. Constitucionalmente, não existe efetivação da segurança pública sem as forças policiais. Por isso, a Constituição incumbiu às polícias da árdua tarefa de assegurar a ordem, a harmonia e a paz coletiva, objetivos primordiais da segurança pública.

"Sobre controle social, importa relembrar que são mecanismos e sanções sociais tendentes a submeter as pessoas aos modelos e normas comunitárias. Para que isso ocorra, a sociedade dispõe de dois sistemas articulados entre si: o controle social informal e o controle social formal. Este último caracteriza-se pela atuação do aparelho político do Estado, sendo a polícia identificada como uma das instâncias de controle social formal ." (SHECAIRA, 2012, p.53).

Tem-se que reconhecer que o texto constitucional não catalogou expressamente a segurança pessoal e a segurança pública como direitos fundamentais. A par disso, inúmeras discussões gravitaram em torno da natureza do direito à segurança pública.

Nesse sentido, é lícito afirmar que o direito à segurança pública representa uma faceta pública do direito fundamental à segurança pessoal.

"[...] tem-se que o direito fundamental à segurança pessoal faz parte da primeira dimensão dos direitos fundamentais, vinculado que está à integridade física, à liberdade pessoal, etc. A segurança pública, por sua vez, pode ser concebida como a dimensão pública da segurança pessoal e, assim como a habitação, saúde, etc., necessita de um agir Estatal, estando situada, por isso, na segunda dimensão dos direitos fundamentais." (AZEVEDO & BASSO, 2008, p.28).

O Pacto de San José de Costa Rica, em seu art. 7º, assegura que toda pessoa tem direito à segurança pessoal. Lado outro, como já mencionado, a nossa Constituição Federal trata da segurança pública no seu artigo 144. Por meio da cláusula de abertura prevista no §2º do art.5º da Constituição, mesmo não existindo expressa previsão, resta claro que a segurança pessoal e a segurança pública merecem ser tratadas como direito fundamentais.

"Por duas vias, o direito à segurança encontraria guarida como direito fundamental, por estar no corpo da Constituição, pois previsto em seu art. 144, e por constar, sob outra dimensão, como segurança pessoal, no art. 7º da Convenção Americana de Direitos Humanos. "(AZEVEDO & BASSO, 2008, p.28).

À luz disso, não há como negar que o direito à segurança pública pertence ao grupo dos direitos sociais de segunda dimensão. Em razão de ser um direito considerado positivo, o Estado precisa atuar, buscando criar condições efetivas de segurança pública. Para tanto deve se valer das instituições e dos órgãos policiais.

"Acerca da eficácia das normas constitucionais relativas à segurança pública, é preciso observar a presença dos requisitos de natureza fática e técnico-normativa. A eficácia fática diz respeito à estrutura do serviço de segurança pública, com o pleno funcionamento dos órgãos policiais. A eficácia técnica depende da existência de normas constitucionais e infraconstitucionais sobre segurança pública, tratando da organização e funcionamento dos órgãos policiais, bem como das condições técnico-normativas voltadas para a produção de efeitos concretos." (SANTIN, 2004, p.82).

Assim, a estruturação da investigação criminal, realizada pela Polícia Judiciária, revela-se indispensável para gerar um procedimento eficiente destinado à apuração de crimes e, via de consequência, garantir, de fato, segurança pública. Esta estruturação não deve ser apenas material, mas pessoal, qualificando os policiais no sentido de produzirem uma investigação criminal contemporânea.

A Polícia Judiciária, incumbida constitucionalmente do poder investigatório, não pode fechar os olhos para a evolução tecnológica e para os meios telemáticos de comunicação dos quais têm se valido os autores de delitos, sob pena de se criar um espaço imune ao controle estatal, onde crimes graves multiplicar-se-ão sem qualquer repressão, a facilitar principalmente a ação de associações criminosas e do crime organizado.

O acesso aos dados e conversas realizadas por intermédio do WhatsApp pela polícia surge como instrumento investigatório catalisador de vantajosos e elevados resultados para a elucidação de crimes, impactando positivamente na segurança pública. Por carecer de regulamentação legal e administrativa, vem sendo suscitada alegações de devassa dos telefones celulares pela polícia. Em virtude disso, avocam ao judiciário o papel de equacionar soluções em que se verifica a colisão de dois blocos de direitos fundamentais: a inviolabilidade do sigilo das comunicações/da intimidade/da vida privada e a garantia da segurança pública/investigação criminal eficiente.

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Sobre o autor
Murilo Cézar Antonini Pereira

Delegado de Polícia - MG. Especialista em ciências penais. Mestrando em Direito pela UNIVEM.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Murilo Cézar Antonini. Acesso aos dados armazenados no WhatsApp pela polícia durante investigação criminal.: Implicações nos direitos fundamentais . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5535, 27 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68482. Acesso em: 5 dez. 2025.

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