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Acesso aos dados armazenados no WhatsApp pela polícia durante investigação criminal:

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CONCLUSÃO

Na versão da investigação criminal clássica, um de seus credos era o de apreender evidências palpáveis para comprovar a materialidade dos crimes. Isso não era de se admirar, pois não se imaginava que a tecnologia digital chegasse ao ponto de servir como um dos principais instrumentos usados para o cometimento de delitos na atualidade.

A evolução social tecnológica crescente influenciou decisivamente no uso de novos aparelhos e aplicativos de conversação. O telefone comum cedeu espaço para os Smarphones. As ligações telefônicas foram substituídas pelas conversas e dados trocados pelo WhatsApp.

Partindo dessa concepção, a investigação criminal contemporânea surge para fazer frente a essa inovação no modo de executar delitos, trazendo meios de obtenção de provas não usuais, como o acesso aos dados armazenados no WhatsApp.

Nossa Constituição consagrou vários direitos fundamentais estruturantes e inúmeros outros específicos, todos carregados de valores, interesses e importância. Essa multiplicidade de direitos de igual densidade estabeleceu as bases para a aceitação de suas limitações. A restrição à liberdade de comunicação, como também à inviolabilidade do sigilo das comunicações, da intimidade e da privacidade, a favor da segurança pública e da investigação criminal eficiente radicou na necessidade de se priorizar a ordem pública e paz social, após ponderação dos interesses em jogo.

O triunfo do direito fundamental à segurança pública foi reconhecido pela legislação infraconstitucional, como a Lei do Marco Civil da Internet, pela doutrina e pela jurisprudência. Ocorre que a efetivação do acesso aos diálogos e arquivos contidos no telefone celular pela polícia foi bipartida em duas formas: condicionada e incondicionada à ordem judicial.

A primeira hipótese permite a acessibilidade pela polícia, mas entende obrigatória a reserva de jurisdição. Tal formalidade ganhou força após recentes decisões dos nossos Tribunais Superiores e da Lei do Marco Civil da Internet.

Já a segunda hipótese, a qual dispensa prévia autorização judicial para levar a efeito a técnica de investigação intrusiva em apreço, parece captar melhor a realidade, superando a ideia de que apenas o magistrado pode restringir direitos fundamentais inerentes à liberdade de comunicação e inviolabilidade do sigilo de comunicação, intimidade e privacidade.

A Autoridade Policial ostenta indeclináveis poderes e atribuições durante a investigação criminal, incluindo restringir a liberdade física e inviolabilidade do domicílio da pessoa em caso de prisão em flagrante delito. Ademais, é dotado de suporte intelectual e qualificação jurídica para valorar situações de urgência, em que excepcionalmente a limitação à intimidade e privacidade do suspeito não é uma escolha, mas sim a única forma de assegurar a eficácia da investigação criminal.

As condições apontadas pelo direito comparado (R v Fearon) para legitimar o acesso aos dados gravados no telefone celular pela polícia sem a chancela do Poder Judiciário revelam-se apropriadas e razoáveis. É a redimensionamento do poder de restringir direitos fundamentais para a fase extraprocessual em prol da concretização do direito fundamental à segurança pública.

Perante o potencial inêxito de se aguardar a ordem judicial e diante de prisões em flagrantes ou cumprimento de medidas cautelares, o acesso aos dados, arquivos e diálogos armazenados no aplicativo WhatsApp pela Autoridade Policial para granjear elementos de provas indiscutivelmente deve ser considerado como opção legítima e destinada a coroar uma investigação criminal gerativa de efeitos concretos para o controle social.


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Notas

[2] Principalmente o TJMG

[3] Disponível em: https://www.whatsapp.com/about. Acessado em 08-09-17

[4] Disponível em: https://www.whatsapp.com/security. Acessado em 08-09-17.

[5] Disponível em: https://www.whatsapp.com/about. Acessado em 08-09-17.

[6] Melo e Silva (2016) rotula os dados e conversas pretéritas armazenadas como interceptação previamente degravada verificada a posteriori.

[7] Em 2 de fevereiro de 2016, Mark Zuckerberg, que também é CEO do Facebook, anunciou que o WhatsApp alcançou a marca de 1 bilhão de usuários. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/WhatsApp. Acessado em 08-09-2017.

[8] Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-03/numero-de-linhas-de- celulares-ativas-no-pais-registra-nova-queda-em-janeiro>. Acessado em: 08-09-2017.

[9] Sobretudo as polícias civis dos Estados da Federação, uma vez que governantes não fazem investimento em estrutura. Em algumas delegacias do Estado de Minas Gerais, policiais fazem “vaquinha” para comprar papel, tinta de impressora, café, açúcar, produtos de higiene etc.

[10] “Salários” atrasados ou parcelados.

[11] Disponível em http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/Paginas/WhatsApp-e-o-aplicativo-mais-usado-pelos-internautas-brasileiros.aspx. Acessado em 08-09-2017.

[12] (RHC 51.531/RO, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 09/05/2016).

[13] 2014 SCC 77, [2014] S.C.R. 621.

[14] A única Autoridade Policial considerada pela Constituição e legislação processual penal é o Delegado de Polícia. Só é autoridade aquele que tem poder de decisão. Sem querer desprestigiar a patente militar ou outros cargos policiais, o único policial com qualificação e aptidão para tomar decisões durante a investigação ou antes dela é o Delegado de Polícia.

[15] (RHC 51.531/RO, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 09/05/2016).

[16] (TJMG -  Apelação Criminal  1.0194.16.004250-4/001, Relator(a): Des.(a) Sálvio Chaves , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 30/08/2017, publicação da súmula em 08/09/2017).

[17] (TJMG -  Habeas Corpus Criminal  1.0000.17.010814-6/000, Relator(a): Des.(a) Alberto Deodato Neto , 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 28/03/2017, publicação da súmula em 07/04/2017)

[18] (TJMG -  Habeas Corpus Criminal  1.0000.17.010814-6/000, Relator(a): Des.(a) Alberto Deodato Neto , 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 28/03/2017, publicação da súmula em 07/04/2017)

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Sobre o autor
Murilo Cézar Antonini Pereira

Delegado de Polícia - MG. Especialista em ciências penais. Mestrando em Direito pela UNIVEM.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Murilo Cézar Antonini. Acesso aos dados armazenados no WhatsApp pela polícia durante investigação criminal:: implicações nos direitos fundamentais . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5535, 27 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68482. Acesso em: 28 mar. 2024.

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