1. INTRODUÇÃO
Diante dos fatos que estão a esquentar a corrida presidencial desse ano, com a possibilidade de o ex-presidente Lula, condenado em segunda instância, não poder concorrer ao pleito, vale uma análise minuciosa dos novelos que estão a dar um ar de incerteza nesse meio, na tentativa de elucidar, se debruçando na lei e no contexto geral, de maneira isenta, imparcial e sensata, oferecendo resposta a uma questão que gera sentimentos de todos os tipos, mas que coloca todos os juristas e operadores do direito na parede. É de fundamental importância pensarmos sobre o melhor caminho que o nosso judiciário deve seguir em tal caso, já que nosso futuro depende disso. Vamos analisar alguns fatos.
O primeiro deles é a decisão recente do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, que determinou, liminarmente, que o ex-presidente pudesse concorrer ao pleito, será que essa decisão deve ser respeitada por nossas cortes superiores? Será que essa determinação vincula nossa pátria justiça?
O segundo ponto a ser analisado são as recentes proibições das emissoras de TV em não convidarem o ex-presidente para participar dos debates. Está correto? Há infração eleitoral nessa proibição?
Por último, vamos analisar o artigo da Lei da Ficha Limpa, que, em tese, proíbe o ex-presidente de se candidatar. Há erros nesse artigo? Ele vai de encontro com a Constituição Federal? Lula poderá concorrer na próxima eleição?
São essas algumas perguntas que tentaremos responder nesse artigo. Todo arcabouço jurídico é permeado de teses, e visões que nem sempre se coadunam, porém, tentaremos demostrar nossa opinião.
2. FATOS
2.1. A decisão da ONU deve ser seguida pelo nosso judiciário?
Essa é a pergunta que foi colocada recentemente, a partir da decisão, em caráter de liminar, do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, que decidiu que o ex-presidente Lula não deveria estar impossibilitado de concorrer à presidência, muito menos participar da campanha, entrevistas e debates, mesmo preso, visto que o Brasil é signatário do Pacto de Direitos Civis e Políticos, que em seu Artigo 25 garante a todo cidadão a possibilidade de participar do processo eleitoral:
“Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas:
a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos;
b) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores;
c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.”
Porém vale ressaltar que a decisão do Comitê das Nações Unidas não tem força para ir de encontro às leis do país, pois apesar de tratar sobre direitos humanos, no âmbito político e civil, não tem caráter de emenda à Constituição, como exemplo do Pacto de San José da Costa Rica, por não ter sito aprovado pelo rito que garante essa natureza ao pacto, que é o assegurado no § 3º do Art. 5º da CF/88:
“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas à Constituição”.
O Pacto foi aprovado por meio do Decreto legislativo 226 de 1991, portanto esse tem apenas uma força consultiva, de indicação, de recomendação, mas jamais impulso para passar por cima de nossas leis infraconstitucionais, no caso a Lei Complementar 135/2010, a famosa e tão discutida “Lei da Ficha Limpa”, ou seja, a possibilidade de Lula concorrer ao pleito presidencial se trata de uma análise mais apurada, e mais aprofundada, a decisão do Comitê de Direitos Humanos não irá interferir em nada em concreto.
2.2. A participação de Lula nos debates é legal? Não o convidar constitui uma infração perante a lei eleitoral?
A candidatura de Lula, como é notória, e todos sabemos, está sub judice, dependendo de uma decisão judicial, porém, vale ressaltar, o momento da aplicação legal. Lula conseguiu registrar sua candidatura utilizando a certidão de antecedentes criminais da Justiça Federal de São Paulo, onde ele tem domicílio eleitoral, e não está registrada sua condenação, que foi proferida pela Justiça Federal de Curitiba, ou seja, ele hoje, nesse momento, é candidato, até ser decidido o mérito da questão, e pela lei eleitoral as emissoras são obrigadas a convidá-lo para os debates, não podendo o candidato ser impedido, mesmo preso, sob pena do Art. 56 da Lei Eleitoral.
Art. 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, é facultada a transmissão por emissora de rádio ou televisão de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação no Congresso Nacional, de, no mínimo, cinco parlamentares, e facultada a dos demais, observado o seguinte: (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)
I - nas eleições majoritárias, a apresentação dos debates poderá ser feita:
a) em conjunto, estando presentes todos os candidatos a um mesmo cargo eletivo;
b) em grupos, estando presentes, no mínimo, três candidatos;
§ 3º O descumprimento do disposto neste artigo sujeita a empresa infratora às penalidades previstas no art. 56.
Art. 56. A requerimento de partido, coligação ou candidato, a Justiça Eleitoral poderá determinar a suspensão, por vinte e quatro horas, da programação normal de emissora que deixar de cumprir as disposições desta Lei sobre propaganda.
2.3. E quanto a Lei da Ficha Limpa, como interpretá-la? Lula pode concorrer ao posto de presidente? Existem brechas que poderiam ajudar o ex-presidente?
Essa é a pergunta que está causando confusão no setor político e jurídico, principalmente por se tratar de um candidato que lidera as pesquisas, que já foi presidente por dois mandatos e que hoje se encontra preso, mesmo a contragosto de muitos e alegria de outros, uma pessoa que desperta emoções e ódios. Mas deixando os sentimentos de lado, e bebendo da água da imparcialidade, vamos analisar o arcabouço jurídico e entender se Lula pode ou não ser candidato a presidente do país e o que possivelmente será decidido.
Observemos o dispositivo legal abaixo:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:
1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;
Esse artigo acima é da Lei da Ficha limpa, observem que há uma clareza, a grosso modo, no que ele impõem, quem é condenado, por crime contra a administração pública e o patrimônio público, como é o caso do ex-presidente, fica inelegível, até 8 anos após o cumprimento da pena, isso está claro, mas o problema do artigo em questão é outro, observem a frase do dispositivo legal “em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado.” A decisão sobre o ex-presidente não foi transitada em julgado, isso é fato, ainda cabe recurso especial, ao STJ, caso a decisão viole normas infraconstitucionais ou recurso extraordinário ao STF, caso a decisão viole a normativa constitucional. O mérito não é mais discutido, porém cabe recurso. Mas por que o ex-presidente está com sua candidatura sub judice, se não houve o trânsito em julgado? Por conta do restante da frase, “ou proferida por órgão judicial colegiado”, o ex-presidente foi condenado em segunda instância, pelo TRF da 4º região, o que o impossibilita “em tese” de concorrer ao cargo, essa frase foi incrementada pela Lei 135/2010, que também aumentou o rol de crimes que o candidato não pode cometer, antes, na Lei Complementar 64 de 1994, havia apenas “em decisão transitada em julgado”.
Vejamos, amigos, onde reside o problema. Para alguns defensores da candidatura do ex-presidente, a lei não especificou que o candidato não possa ser condenado “em segunda instância”, mas apenas “por órgão judicial colegiado”, quem é esse órgão colegiado? A Lei não deixa claro, não determina, em tese, para os seguidores dessa tese, seria o STF, isso, sem muitos devaneios, apenas observando novamente o artigo, leiam com atenção o dispositivo, e observando o que determina a nossa Constituição Federal, se esse órgão não fosse o STF, a lei infraconstitucional estaria indo de encontro a preceitos constitucionais, uma clara inobservância a nossa Carta Magna, a maneira de se observar a lei é clara e ela respeita a presunção de inocência do Artigo 5º Inciso LVII e o Artigo 15 inciso III de nossa Carta Maior.
Art. 5º.
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
A questão é que essa é uma análise racional e sistemática, engloba todo um contexto, porém passível de uma visão oposto, como é da maioria, que interpreta a lei de maneira literal, sem observar o contexto que ela exprime, e a Lei Maior, ao ler a frase “em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”, muitos interpretam que tanto a decisão do STF, órgão de cúpula do nosso judiciário, transitando em julgado a questão, como as decisões de segunda instância, tornam inelegíveis um candidato, o que é a interpretação que clama aos olhos de quem ler o dispositivo, mas será a mais correta? Vejamos uma situação:
Vamos para uma possibilidade futurista, vamos supor que o ex-presidente não possa se candidatar, e veja um outro candidato vencer a eleição, e tempos depois é absolvido, pelo STJ ou STF, ou seja, verifica-se que a decisão que o condenou violava dispositivos jurídicos, como fazer para rever a situação? O que fazer para voltar atrás? Cancelar a eleição? Fazer uma nova eleição por conta do erro jurídico que o impediu de ser candidato e colocá-lo em disputa? Claro que não! A eleição estará perdida. Por essas razões como interpretar a Lei da Ficha Limpa? É esse impasse que esta a gerar imbróglios no mundo jurídico e político, é essa falta de clareza na Lei, não é uma questão simplória de se resolver.
Muitos poderiam perguntar: mas o STF não já decidiu sobre a prisão em segunda instância, para o cumprimento provisório da pena, não necessitando do trânsito em julgado?
Uma questão simples de se verificar, pois não tem conexão com a situação tratada, o STF deliberou e decidiu a respeito de matéria processual penal, não de matéria eleitoral, outra questão é que um candidato não tem como ficar “provisoriamente” inelegível, as eleições presidenciais são de 4 em 4 anos, tem prazo, seria um erro esperar se a decisão transitará em julgado ou não, não dá, o tempo não permite.
Quando se considera um candidato condenado perante a lei eleitoral? Essa é a pergunta que o Judiciário tem que responder, e como ele vai responder? Tomando por base qual critério hermenêutico, o sistemático e racional, ou o literal?
Tudo indica que será a interpretação literal, o respeito estrito à leitura do dispositivo, que impossibilitará Lula de ser candidato, isso é uma questão que já está se mostrando, porém o Judiciário estará entre a cruz e a espada, pois se futuramente o ex-Presidente vier a ser absolvido, terá que explicar o motivo de não terem levado em conta nossa Carta Magna.
2.4. Até quando Lula ficará inelegível? Poderá concorrer na próxima eleição?
O artigo é bem claro quanto a isso, “desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena”. Ou seja, após o cumprimento de sua pena, contabiliza-se mais 8 anos para que este possa estar apto a ser candidato. Com a idade que tem, Lula já passa dos 70 anos, talvez essa seja sua última oportunidade de voltar ao poder, para alegria de uns e tristeza de outros, quem determinará esse futuro será a interpretação escolhida pelo nosso Judiciário, o desnudamento legal.
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluindo toda a situação, vemos que o Pacto dos Direitos Civis e Políticos não está no patamar de emenda à Constituição, portanto não pode ir de encontro a nenhuma lei infraconstitucional específica, tendo a decisão do Comitê de Direitos Humanos apenas caráter recomendativo e consultivo.
Na outra questão tratada, vemos que o ex-presidente Lula deve, por força da lei eleitoral, já que se encontra registrado como candidato, mesmo que sub judice, participar dos debates televisivos, até se ter uma decisão de mérito de sua questão, sob pena de infração eleitoral das emissoras que não respeitarem tal preceito.
Por fim, o artigo que impedira ou não a candidatura do ex-presidente Lula é marcado, claramente, por um vácuo, que enseja interpretações dúbias, que só poderá ser preenchido com o bom senso, com a análise do contexto. Por conta dessa dificuldade, desse imbróglio legal, que ultrapassa a lei positivada, o TSE ficará, muito provavelmente, com a decisão mais simples, que garante uma maior segurança ao tribunal, a de não permitir a candidatura de Lula.