Dano ambiental futuro, responsabilidade civil e a teoria do risco abstrato

03/09/2018 às 00:42
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Explana-se aspectos relevantes que envolvem o direito ambiental, direito este que visa assegurar o equilíbrio e a manutenção de uma qualidade de vida humana e um ambiente ecologicamente equilibrado.

Resumo: Uma sociedade caracterizada pela produção de riscos ambientais globais expõe as estruturas do Direito a uma necessária comunicação acerca dos riscos. É sabido que a natureza possui uma visão antropocêntrica moderada, ante isso, a Constituição Federal Brasileira definiu o meio ambiente como direito fundamental por ser um bem de uso comum e interesse de todos. A implementação de uma teoria do risco que tenha como propósito a formação de observações e vínculos com o futuro é o requisito para que seja possível a tutela das futuras gerações. A responsabilidade civil possui um importante papel como instituto jurídico, de investigar, avaliar e gerenciar os riscos, partindo do entendimento de dano com consequencias futuras e obrigações de fazer e não fazer. Com o respaldo do artigo 225 da Constituição Federal e os Princípios da Precaução e Prevenção, a Teoria do Risco Abstrato é a condição de possibilidade para a tutela das futuras gerações, sendo fundamento para a responsabilização civil por dano ambiental futuro. 

Palavras-chave: Sociedade de Risco. Dano Ambiental Futuro. Responsabilidade Civil. Teoria do Risco Abstrato.


1 INTRODUÇÃO

O surgimento da Sociedade de Risco se dá na fase pós-industrial, em que os avanços obtidos por meio da tecnologia mudaram significativamente não só a realidade de muitos trabalhadores, mas a sociedade como um todo em sua esfera econômica e social (BERNARDES; FERREIRA, 2003).

A natureza foi absorvida pelo sistema capitalista que passou a atingir diretamente o meio natural para se sustentar como sistema econômico. O homem passou a modelar a natureza enquanto essa também passou a modelá-lo. (BERNARDES; FERREIRA, 2003).

A transição do período industrial para o período de risco ocorre de forma indesejada e despercebida. O circundar da sociedade de risco são produzidos porque o consenso para o progresso e a abstração dos efeitos e riscos ecológicos dominam o pensamento e as ações das pessoas tanto como das instituições na sociedade industrial. O risco não é uma alternativa a ser escolhida ou rejeitada, pois emergem da continuidade dos processos de modernização, sendo cegos e surdos seus próprios efeitos e ameaças (BECK; GIDDENS, LASH, 1997, pg. 16).

O conceito de sociedade de risco expressa a acumulação de riscos – ecológicos, financeiros, militares, terroristas, bioquímicos, informacionais -, que tem uma presença esmagadora hoje em nosso mundo. Na medida em que o risco é vivido como algo onipresente, só há três reações possíveis: negação, apatia e transformação (BECK, 2001, p. 361).

Destarte, a sociedade de risco é uma oportunidade social de despertar para a busca de uma nova sociedade, pautada pelos valores ambientais, criando espaços para um futuro alternativo promovendo uma cultura civil de responsabilidade que transcenda as fronteiras, da mesma forma que os riscos (BECK, 2011).


2 DESENVOLVIMENTO

2.1       Dano ambiental futuro e os fundamentos constitucionais para a sua responsabilização

Apesar de haver previsão legal, a doutrina demonstra-se insuficiente de descrições teóricas conclusivas e precisas acerca dos elementos caracterizadores do dano ambiental futuro, assim como da possibilidade de incidência de responsabilidade civil sobre ele. Além disso, os tribunais têm demonstrado uma visão limitada nas decisões jurídicas, se restringindo apenas ao dano concreto, deixando de produzir reflexões que levem em consideração o dano em sua dimensão futura (CARVALHO, 2006).

De forma geral, os magistrados têm adotado uma postura da qual se exige o dano real e não o potencial, parecendo não ter sido observado o princípio da cautela em matéria ambiental. Ao obrigar que o autor faça prova do dano concreto, impõem o ônus da prova para os autores, o que enseja um enfraquecimento da responsabilidade objetiva do poluidor (ANTUNES, 2002).

Para a doutrina clássica, ainda que o posicionamento não seja de concordância de todos, o dano futuro só seria passível de reparação quando apresentada a certeza dos prejuízos futuros de um dano atual (PEREIRA, 1999).

Parece-nos demasiadamente restritiva a necessidade de ser configurada no presente a certeza probatória dos prejuízos futuros em matéria jurídico-ambiental devido à irreversibilidade e imprevisibilidade dos danos ambientais. São alguns exemplos da necessidade de observações futuras como possibilidade para o processo de tomada de decisões: a evolução da ciência e por consequencia da tecnologia os quais potencializam a produção de riscos abstratos; a constante indeterminação que gera as ocorrências ambientais acarretando a necessidade de tomada de decisões em contexto de incerteza científica; a caracterização do meio ambiente ecologicamente equilibrado como condição para o desenvolvimento social e biológico das futuras gerações (CARVALHO, 2006).

A justificativa normativa à existência do dano ambiental futuro se consubstancia no texto da Constituição Federal Brasileira em seu artigo 225, cujos termos prevêem tanto as presentes como as futuras gerações os titulares do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, devendo, portanto, as decisões basearem-se por meio da investigação, avaliação e gestão dos riscos gerados por determinadas atividades, minimizando a probabilidade de concretização dos danos (CARVALHO, 2013).

Diante da complexidade que destaca o dano ambiental futuro, pode-se desencadear observações e descrições jurídicas fundadas em juízo de probabilidade. A locomoção deum juízo de certeza para um juízo de probabilidade é acompanhado pela passagem de um direito de dano para o de risco (CARVALHO, 2013).

O dano ambiental futuro não é, necessariamente, um dano atual, nem a certeza científica absoluta de sua ocorrência futura, é a expectativa de dano em caráter individual ou transindividual ao meio ambiente, havendo apenas a possibilidade de perícias demonstrarem uma alta probabilidade de certa atividade ocasionar perda de qualidade ambiental ou as consequencias futuras de um dano já concretizado (CARVALHO, 2006).

No que concerne à administração dos riscos, traz o artigo 225, parágrafo 1º, inciso V, da Constituição Federal Brasileira, a imposição de obrigação do Poder Público monitorar os riscos, adotando medidas que minimizem ou evitem a concretização dos danos (CARVALHO, 2015).

O conteúdo constitucional não deixa claro se o dispositivo refere-se a riscos concretos e/ou abstratos. Salienta-se que a atuação na defesa do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado para a saudável qualidade de vida das gerações futuras e presentes é uma intervenção obrigatória. Contudo, não é exclusiva, necessário se faz a repartição da defesa ao meio entre Estado e Sociedade (LEITE, 2007).

Entende os legitimados para proteger o meio ambiente através de ação civil pública, em razão da existência do princípio da precaução, obrigatório coibir a evolução de atividade potencializadora de degradação, regularizando-as às técnicas aplicáveis a minimizar os riscos (MILARÉ, 2009).

2.2       Teoria do Risco Abstrato

Mesmo diante das significativas mudanças que marcam a Sociedade de Risco, o Direito enfrenta alterações estruturais pertinentes desta nova formatação social, fazendo uso dos velhos conceitos provenientes da Sociedade Industrial. Não bastando a existência de produção e distribuição de riscos/perigos ambientais, ainda hoje a responsabilização civil funda-se em uma teoria do risco que exige a consumação de danos atuais, sem uma efetiva observação de responsabilidade pela produção do risco baseado na probabilidade de ocorrência futura (CARVALHO, 2006).

Faz-se necessária uma superação da velha e tradicional teoria do risco para uma nova teoria, em que as condições da forma de julgar tenham como elementos possíveis de avaliação a probabilidade e improbabilidade de risco e seu potencial lesivo. A Teoria do Risco tradicional, ou seja, a Teoria do Risco Concreto consiste na atribuição de responsabilidade objetiva dada comprovação da concretização de um dano, já a nova teoria – Teoria do Risco Asbtrato –, consiste em atuar como condição de possibilidade de situação de risco, exigindo obrigações preventivas a agentes causadores de riscos intoleráveis (CARVALHO, 2006).

 A partir desta nova teoria do risco, o dever de prevenção pelo Estado vai abranger não só a administração dos riscos concretos como também dos riscos abstratos. “Se os riscos concretos podem ser identificados pela certeza científica, os abstratos são diagnosticados pela incerteza.” (COLOMBO; FREITAS, 2015, p.216-217).

Reconhece-se que é audacioso decidir ante as incertezas científicas, porém, abster-se de uma decisão acerca da probabilidade ou improbabilidade de determinados eventos, trata-se de uma decisão arriscada (CARVALHO, 2006). É necessário que o Direito determine medidas que antecipem a desenvoltura dos danos ambientais em virtude de suas características, principalmente de sua imprevisibilidade e irreversibilidade. O motivo pelo qual aponta uma relevância do tratamento do risco pelo direito, que passa a pensar e ponderar nas suas decisões são tanto imprevisibilidade quanto a incerteza de riscos ambientais intoleráveis (COLOMBO; FREITAS, 2015).

A transição da teoria do risco e das noções dogmáticas de risco vigentes deve acompanhar a mudança de paradigma científico ocorrida no último século. A ciência moderna encontrou-se fundada sobre modelos causalistas, sendo moderada pela crença na previsibilidade das relações de causa e efeito, na linearidade da temporalidade e, consequentemente, numa certa previsibilidade do futuro. Já a ciência na atualidade (pós-modernidade ou modernidade reflexiva) demonstra-se inserida num contexto de incerteza e complexidade. A ausência da linearidade nas relações causais e o constante enfrentamento de questões pertinentes a sistemas hipercomplexos ressalta a importância a ser atribuída às noções de risco e perigo. (CARVALHO, 2006, p. 212).

A nova concepção atribuída ao risco pretende potencializar a responsabilidade civil para que além de reparar danos para também ser instrumento de investigação, avaliação e gestão de riscos ambientais. Investigação na realização de perícias ambientais na fase de processo judicial a avaliação pela integração de dados científicos e o direito, formando análises probabilísticas de risco e sua tolerabilidade e a gestão de risco ambiental pela responsabilidade civil impondo medidas preventivas ao agente como pressuposto a evitar a ocorrência de dano ambiental futuro (CARVALHO, 2006).


3 CONCLUSÃO

A Sociedade de Risco em que vivemos hoje resulta do desenvolvimento tecnológico e científico da Sociedade Industrial, exposta a riscos invisíveis e globais que ensejam problemas ambientais como mudanças no clima, desastres, destruição de recursos naturais, entre outros que, pela atividade humana foram exacerbados. A inadequação de exploração da natureza fez com que a humanidade obtivesse conhecimento dos perigos dessa ingerência do homem no meio ambiente da pior maneira, com acontecimentos naturais catastróficos e inimagináveis.

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O direito ambiental com o intuito protecionista visa assegurar o equilíbrio e a manutenção de uma qualidade de vida humana e um ambiente ecologicamente equilibrado. Sabe-se que a responsabilidade civil objetiva se baseia na teoria do risco e, para esta teoria, todo o dano causado é de responsabilidade de quem o praticou, independentemente da culpa do agente.

Apesar da formação de argumentação através do Princípio da Prevenção e da Precaução acerca dos riscos nas últimas décadas, o Direito apresenta um sistema fundado na ocorrência de um dano concreto para gerar soluções. A nova problemática da Sociedade Pós-Industrial demonstra-se ineficaz e insuficiente para o tratamento tradicional no direito, dependo de formação de uma nova Teoria de Risco assimilada em investigação, avaliação e gestão para solução daqueles problemas que não possam esperar a ocorrência devido ao seu potencial irreversível.  Salienta-se que uma primeira verificação deve ser feita da transição de uma Teoria do Risco Concreto para Teoria do Risco Abstrato.

É a partir da Teoria do Risco Abstrato que o direito não apenas tem condições para decidir e responsabilizar as atividades que ocasionarem danos como também será possível o mecanismo da investigação, avaliação e gerenciamento dos riscos ambientais no Direito.

Tendo em vista que o direito ambiental é uma área que enseja uma nova maneira de pensar em virtude das necessidades e acontecimentos da Sociedade impõe-se a elaboração de uma nova cultura jurídica acerca da responsabilidade civil por danos ambientais futuros.


REFERÊNCIAS

ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambiental. 6 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização reflexiva. Unesp, 1997.

BECK, Ulrich. La sociedade del Riesgo Golbal. Madrid: Siglo Vientiuno, 2001.

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Editora 34, 2011.

BERNARDES, Júlia Adão; FERREIRA, FP de M. Sociedade e natureza. A questão ambiental: diferentes abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: da assimilação dos riscos ecológicos pelo direito à formação de vínculos jurídicos integracionais. RDBU - Repositório Digital da Biblioteca da Unisinos, abr. 2006. Disponível em: <http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/2470>. Acesso em: < 11 mai. 2018>.

CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental. 2. ed. rev., atual e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013.

CARVALHO, Délton Winter de. A teoria do dano ambiental futuro: a responsabilização civil por riscos ambientais. Lusíada. Direito e Ambiente, n. 1, p. 71-105, 2015.

COLOMBO, Silvana. FREITAS, Vladimir. Da teoria do risco concreto à teoria do risco abstrato na sociedade pós-industrial: um estudo da sua aplicação no âmbito do direito ambiental. Argumenta Journal Law, Jacarezinho – PR, Brasil, n. 23. p. 207-231, jul. 2015.

LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. Direito constitucional ambiental brasileiro, v. 2, 2007.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A gestão Ambiental em foco. Doutrina, Jurisprudência, Glosário. 6ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

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Sobre a autora
Patrícia Pereira

Bacharela em Direito – URI/FW.

Informações sobre o texto

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