I – O FATO
O presidente Michel Temer assinou no dia 10 de setembro, em cerimônia no Palácio do Planalto, uma medida provisória (MP) para criar a Agência Brasileira de Museus (Abram), responsável pela reconstrução do Museu Nacional.
Por sua vez, o presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Guilherme Afif, afirmou, em nota, que vai entrar na Justiça contra a Medida Provisória (MP) que cria a Agência Brasileira de Museus (Abram). A MP remaneja 6% da quantia atualmente destinada aos integrantes do Sistema S (Sebrae, Sesi, Senai, Senac, Apex, ABDI) - cerca de R$ 200 milhões - para criação do novo órgão. Entre outras entidades, o presidente do Sebrae leva apoio da Confederação das Associações Comerciais, dos diretores lojistas e da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes.
Não cabe mandado de segurança contra lei em tese (Súmula 266 do STF), sendo exigido para sua impetração a produção de efeitos concretos no ato combatido.
Será caso de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade, pois a medida provisória, norma jurídica, afronta a Constituição.
Em tese, a norma discutida contraria a aplicação do princípio da parafiscalidade e desvia recursos próprios do sistema SEBRAE para outro destino.
II – A DESCENTRALIZAÇÃO POR COOPERAÇÃO E O SISTEMA S
Alguns falam que a União Federal deveria ficar com toda a verba do Sistema S.
Mas, para isso, será necessário aprovar emenda constitucional. Sem que haja essa emenda constitucional, vindo a solução alardeada pelo Poder Executivo por medida provisória, seguida por lei ordinária, há inconstitucionalidade flagrante. Ademais, o citado projeto, ao lhes retirar a sua natureza parafiscal, atinge em cheio o caráter dessas contribuições, dando-lhes o perfil de impostos, o que não são.
As instituições que integram o chamado sistema S são órgãos que tiveram sua organização regulada por lei, estatutos aprovados, por decreto, fiscalização por parte do Poder Público; neles há participação de particulares, pessoas físicas ou jurídicas, na sua criação, manutenção, gestão e funcionamento. Essas entidades chamadas de entes de cooperação com a Administração Pública têm personalidade jurídica de direito privado; podem ser subvencionadas pelo Estado, arrecadando, a seu favor, contribuições parafiscais.
Fala-se numa descentralização por cooperação.
III – O IMPOSTO ESPECIAL E A PARAFISCALIDADE
Há, na hipótese, um imposto especial: o imposto especial consorciativo e o imposto especial corporativo.
No imposto especial consorciativo o Estado considera a existência de necessidades especiais, não individualizáveis, sentidas por grupos sociais de base territorial, às quais cumpre atender através de serviços que especificamente beneficiem os participantes de tais grupos e não necessariamente a toda a coletividade. Corresponde, assim, a um imperativo de justiça a criação de um imposto especial, que se suponha ou justaponha aos impostos gerais, com vista a alcançar particularmente os participantes do grupo que motivou a criação do serviço.
O imposto especial corporativo é o que o Estado institui para cobrar serviço criado e mantido para atender a necessidade especial experimentada por grupos, que se definem pela identidade de interesses profissionais e econômicos dos seus integrantes.
É certo que Vincenzo Tangorra restringe a denominação de imposto especial aos tipos consorciativo e corporativo, excluindo o tipo compensatório. E não lhe falta razão, segundo aduziu Antônio Theodoro Nascimento (Contribuições especiais, 1986, pág. 98). Se o Estado movido pela circunstância de alguns indivíduos se beneficiarem, uns mais do que outros, dos serviços organizados para a coletividade em geral, lança um adicional que é somado ao imposto geral, adicional que vai atingir os que retiraram mais proveito do serviço geral, não será por isso que esse adicional passará a constituir um imposto especial com as características que os financistas assinalaram como capazes de distingui-lo do imposto geral. Se o imposto adicional assim criado soma-se ao imposto de renda, ao imposto aduaneiro de importação.
Mas o que distingue o imposto geral do imposto especial é que o primeiro é exigido da generalidade dos contribuintes para atender a serviços públicos que atendem a necessidades experimentadas pela coletividade em geral, indiferente aos grupos que a constituem; enquanto que o imposto especial cobre serviços especiais organizados para atender a necessidades experimentadas particularmente pelos que pertencem a grupos profissionais ou econômicos, os quais, por se verem assim atendidos nas suas necessidades, que não são gerais, mas necessidades próprias dos que participam da categoria profissional ou econômica, contribuem para a criação, funcionamento e manutenção dos serviços que especificamente lhes aproveitam.
Em síntese, todas as contribuições especiais, sejam elas de caráter assistencial ou de caráter econômico, que proliferam no sistema tributário nacional, todas elas oferecem as mesmas características próprias do imposto especial: são exigidas dos que compõem categorias profissionais e econômicas e a receita assim obtida tem por finalidade a organização de serviços que reverterão em proveito de categorias as quais os contribuintes atingidos pertencem.
O artigo 218 do Código Tributário Nacional alude de maneira genérica a contribuições “outras de fins sociais criadas por lei”, pelo que estão nesse caso as que são pagas pelo SENAC, SENAI, SESC, SESI, SASSE, PIS-PASEP, que figuram como impostos especiais.
A Constituição prevê tributo afetado a fins parafiscais destinado a entidades privadas. Tal é o caso do artigo 240, “Das Disposições Constitucionais Gerais”.
As contribuições para o SESI, SENAI, SENAC, SESC, têm natureza tributária, continuam a ser tributárias e sujeitam-se às regras do Código Tributário Nacional (lei complementar material), de forma inteira, pouco importando estarem subsumidas como contribuições.
Destaque-se, nessa parte do pronunciamento emitido, a finalidade compulsória, já delineada por Ruy Barbosa Nogueira, em Parecer sobre Contribuições Sociais e Empresas Urbanas e Rurais, das contribuições sociais cobradas por essas autarquias corporativas cujo objetivo é cobrir ou custear os encargos dos benefícios e serviços a serem efetivamente prestados aos respectivos filiados e não a terceiros ou estranhos e não filiados. Isso porque as contribuições parafiscais pressupõem necessariamente uma contraprestação devida aos jurisdicionados ou usuários do organismo ou serviço particular beneficiário.
A teor do art. 240 da CF, ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.
Na matéria tem o Supremo Tribunal Federal o seguinte posicionamento:
“Os serviços sociais autônomos do denominado sistema ‘s’, embora compreendidos na expressão de entidade paraestatal, são pessoas jurídicas de direito privado, definidos como entes de colaboração, mas não integrantes da administração pública. Quando o produto das contribuições ingressa nos cofres dos serviços sociais autônomos perde o caráter de recurso público.” (ACO 1.953-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 18-12-2013, Plenário, DJE de 19-2-2014.)
"A atividade desempenhada por empresa prestadora de serviços com intuito lucrativo é compatível com o escopo de atuação do Sesc e do Senac, enquanto não for criada entidade sindical de grau superior com o objetivo de orientar, coordenar e defender todas as atividades econômicas relacionadas à prestação de serviços." (RE 509.624-AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 1º-3-2011, Segunda Turma, DJE de 1º-4-2011.)
“O art. 240 da Constituição expressamente recepcionou as contribuições destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical. (...) A alteração do sujeito ativo das Contribuições ao SESI/SENAI para o SEST/SENAT é compatível com o art. 240 da Constituição, pois a destinação do produto arrecadado é adequada ao objetivo da norma de recepção, que é manter a fonte de custeio preexistente do chamado ‘Sistema ´S´’.” (RE 412.368-AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 1º-3-2011, Segunda Turma, DJE de 1º-4-2011.)
Por todas essas razões, nota-se um desvio dos recursos do sistema S para outro sistema que não participa de sua arrecadação, qual seja, o sistema de museus.