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O direito à diferença sexual e a busca pela sua proteção nos tribunais superiores

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5. DA DISCRIMINACAO POR ORIENTAÇÃO SEXUAL

Via de regra, a discriminação contra homossexuais exorbita, atualmente, o campo de incidência penal. Mas, nem sempre foi assim. Exemplo disso é a aprovação das modificações no Código Penal Alemão, em 1933, introduzindo a tipificação da homossexualidade como crime contra o Estado.

No direito comparado, a criminalização das condutas homossexuais tem como paradigma o caso Bowers v Hardwick 478 US. 186 (1986), no qual Michael Hardwick, um barman gay de Atlanta foi preso em 1982 por realizar atos sexuais com outro homossexual em sua residência, ambos maiores e plenamente capazes, violando com isso a lei estadual da Geórgia sobre sodomia.

Para o Justice White, relator do voto de liderança no referido caso, o direito à privacidade não poderia ser contrário aos valores mais caros da sociedade, pois a aceitação da homossexualidade era rejeitada pela moral e pelas tradições anglo-saxônicas. Vale lembrar que todos os 13 Estados originais da Federação americana proibiam tais atos e que à época do julgamento, 24 Estados e o Distrito Federal (District of Columbia) tipificavam como crime a sodomia.

Tempos depois, houve uma significativa mudança de entendimento na Suprema Corte americana na decisão Lawrence v. Texas (02-102) 41 s.w. 3 ed. 349 (2003), ao determinar  que os estados da federação a sodomia, consentida entre adultos e pessoas capazes, prevalecendo o direito à intimidade.

São profundos os atentados contra a dignidade da pessoa humana na questão da homossexualidade. A discriminação no trabalho é um destes. Álvaro Ricardo preconiza que a nossa sociedade admite a presença de homossexuais em umas áreas e outras não, como se observa no “mundo da alta costura”, de um lado, e na área militar de outro, pois, segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “a prática de ato de pederastia do militar afeta o pudor e o decoro da classe, sendo legal a exclusão com apoio no artigo 89, doo RDPM”[9].

No Brasil, nossa sociedade é marcada pela homofobia, sentimento de medo, aversão ou ódio irracional aos homossexuais. Em nosso país, a discriminação contra os homossexuais não se limita ao campo moral, pois o Brasil é o país onde ocorrem mais homicídios de homossexuais no mundo[10]. Um exemplo disso, é o assassinato do alagoano José Márcio de Almeida Santos, militante do movimento de gays em Alagoas.


6. DO RECONHECIMENTO DE DIREITOS NA DIVERSIDADE SEXUAL PELOS TRIBUNAIS PÁTRIOS

Ao tratar da união homoafetiva e seu reconhecimento como instituto jurídico, o STF dispôs, expressamente, na ADPF nº 132/RJ, de Relatoria do Min. Carlos Ayres Britto, DJe de 14.10.2011, sobre a proibição de discriminar as pessoas em razão do sexo, seja no plano da dicotomia homem/mulher, seja no plano da orientação sexual de cada um deles. Assentou existir lacuna normativa que precisa ser preenchida pelo legislador para contemplar a situação de todas as pessoas, independentemente da orientação sexual em que se autorreconhecem[11]. 

Sob o fundamento da proteção à dignidade da pessoa humana, os transexuais que fizeram opção por mudança de sexo já lograram êxito no âmbito do STJ quanto ao reconhecimento, mediante autorização judicial, do direito de modificar tanto o prenome – substituindo-o por apelido público e notório pelo qual são conhecidos –, como a sua categoria sexual, adequando-a a sua nova condição física, consoante assentado no Respe nº 678.933/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Menezes Direito, julgado em 22.3.2007[12].

No RE nº 670.422, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, inscrito como Tema nº 761 da Gestão da Repercussão Geral, com a seguinte descrição: possibilidade de alteração de gênero no assento de registro civil de transexual – como masculino ou feminino – mesmo sem a realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo, o relator consignou que a pessoa não submetida a cirurgia tanto pode modificar o seu nome como também ter sua designação de gênero alterada no registro civil, realçando, ainda, que essa situação deve ser incluída nos demais documentos públicos.

Em 19.2.2018, o e. Ministro Luís Roberto Barroso concedeu habeas corpus de ofício  para determinar a transferência de duas detentas que se autorreconhecem como travestis – presas em penitenciária masculina de Presidente Prudente/SP, desde dezembro de 2016 –, para um estabelecimento prisional feminino compatível com suas identidades de gênero, haja vista que, na medida de habeas corpus solicitada, relataram agressões psicológicas e corporais na prisão em que se encontravam.

O princípio da imutabilidade do nome foi mitigado pela jurisprudência do STF e do STJ, e implicou, na possibilidade de alteração do registro civil independentemente de prévia autorização judicial, conforme se discutiu no bojo na ADI nº 4275, de relatoria do Ministro Marco Aurélio de Mello, jugada em 01º.3.2018.

Na Consulta nº 0604054-58.2017.6.00.0000 realizada pela Senadora Maria de Fátima Bezerra, em 22.4.2018, o TSE assentou, sob a Relatoria do Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto que “A expressão ‘cada sexo’ mencionada no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 refere-se ao gênero, e não ao sexo biológico, de forma que tanto os homens como as mulheres transexuais e travestis podem ser contabilizados nas respectivas cotas de candidaturas masculina ou feminina”. Por meio  dessa decisão, mais de 1.4 mil travestis e transexuais solicitaram a inclusão de seus respectivos nomes sociais no título de eleitor[13].

No âmbito internacional, a Suprema Corte Americana, em 2015, no aso Obergefell v. Hodges decidiu que o casamento é um direito fundamental que não pode ser negado a casais do mesmo sexo e que os estados devem reconhecer como legítimos os casamentos entre pessoas do mesmo sexo celebrados em outros estados.


7. Conclusão

De tudo o que foi explanado, revela-se inaceitável no estado democrático de direito inviabilizar que alguém escolha o seu próprio caminho a percorrer, impedindo-lhe de ser plenamento feliz em sua jornada, notadamente, os que se encontram em situações diferenciadas por força de sua orientação sexual.

A igualdade na lei impõe que todos sejam tratados igualmente pelo legislador, mas não implica dizer que todos tenham a mesmas características fáticas ou se encontrem em idênticas condições. O princípio da igualdade não desmerece as discriminações de tratamento, desde que não haja arbitrariedade na desigualação.

A luta pelo direito de ser diferente, sobretudo no universo da sexualidade, é uma luta respaldada por todo o arcabouço jurídico construído em torno dos dieitos individuais e coletivos, dos direitos humanos, mesmo que ressignificados por uma nova roupagem e pela construção de direitos novos.

Consante assentado pela Ministra Carmem Lúcia no julgamento da ADI nº 4.275, "não se respeita a honra de alguém se não se respeita a imagem que [essa pessoa] tem". É dizer, "somos iguais, sim, na nossa dignidade, mas temos o direito de ser diferentes em nossa pluralidade e na nossa forma de ser".


REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho.  Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, 7ª tiragem. Disponível em: www.edisciplinas.usp.br. Acesso em 30.4.2018.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal.

BRASIL. Lei nº 7.716/1989, de 5 de janeiro de 1989: Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Brasília, DF, 1989.

BRASIL. Lei nº 9.459/1997, de 13 de maio de 1997: Altera os arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e acrescenta parágrafo ao art. 140 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Brasília, DF, 1997.

CRUZ, Álvaro Ricardo de Sousa , Direito à Diferença. Belo Horizonte, Arraes Editores, 2009.

GALILEU. Brasil ainda é o país que mais assassina LGBTs no mundo. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2017/05/brasil-ainda-e-o-pais-que-mais-assassina-lgbts-no-mundo.html

HÄBERLE, Peter. Pluralismo y Constitución. Estudios de Teoría Constitucional de La sociedad abierta, Ed. a cargo de E. Mikunda, Madrid: Tecnos, 2002, p. 103; id., Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura, trad., cast, de E. Mikunda, Madri: Tecnos, 2000, in LUÑO, Pérez Antonio Enrique. Perspectivas e tendências atuais do Estado Constitucional; tradução Jose Luis Bolzan de Morais, Valéria Ribas do Nascimento: Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional, 12. Ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.

SILVA, Fernanda D. L. Lucas da. Princípio Constitucional da Igualdade. Rio De Janeiro: Lumen Iuris, 2001.

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633. Acesso em 1º.6.2018.

https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8932216/recurso-especial-resp-678933-rs-2004-0098083-5/inteiro-teor-14100419?ref=juris-tabs. Acesso em 1º.6.2018.

 https://www.escavador.com/diarios/635498/TSE/tse-padrao/2018-04-03/308436997/movimentacao-do-processo-0604054-5820176000000. Acesso em 1.6.2018.


Notas

[2] BOBBIO, Norberto A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho.  Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, 7ª tiragem. Disponível em: www.edisciplinas.usp.br. Acesso em 30.4.2018.  

[3] HÄBERLE, Peter. Pluralismo y Constitución. Estudios de Teoría Constitucional de La sociedad abierta, Ed. a cargo de E. Mikunda, Madrid: Tecnos, 2002, p. 103; id., Teoría de la Constitución como ciencia de la cultura, trad., cast, de E. Mikunda, Madri: Tecnos, 2000, in LUÑO, Pérez Antonio Enrique. Perspectivas e tendências atuais do Estado Constitucional; tradução Jose Luis Bolzan de Morais, Valéria Ribas do Nascimento: Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 22.

[4] CRUZ, Álvaro Ricardo de Sousa , Direito à Diferença. Belo Horizonte, Arraes Editores, 2009, p. 15.

[5] NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional, 12. Ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.

[6] Constituição Federal

Art. 5º [...]

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

[...]

LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:

[...]

Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.

[...]

§ 2º As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir. (Regulamento)

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

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[...]

III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

[...]

§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:

I portadores de deficiência;

Art. 145 [...]

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Art. 201 [...]

§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

[7] Segundo Marcelo Novelino, as ações afirmativas “consistem em políticas públicas ou programas privados desenvolvidos, em regra, com caráter temporário, visando à redução de desigualdades decorrentes de discriminações (raça, etnia) ou de hipossuficiência econômica (classe social) ou física (deficiência), por meio da concessão de algum tipo de vantagem compensatória de tais condições”.

[8] SILVA, Fernanda D. L. Lucas da. Princípio Constitucional da Igualdade. Rio De Janeiro: Lumen Iuris, 2001, p. 96-97.

[9] Idem. P.95.

[10]GALILEU. Brasil ainda é o país que mais assassina LGBTs no mundo. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2017/05/brasil-ainda-e-o-pais-que-mais-assassina-lgbts-no-mundo.html

[11]Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633. Acesso em 1º.6.2018.

[12] Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8932216/recurso-especial-resp-678933-rs-2004-0098083-5/inteiro-teor-14100419?ref=juris-tabs. Acesso em 1º.6.2018.

[13] Disponível em: https://www.escavador.com/diarios/635498/TSE/tse-padrao/2018-04-03/308436997/movimentacao-do-processo-0604054-5820176000000. Acesso em 1.6.2018.

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Sobre a autora
Ana Karina Vasconcelos da Nóbrega

Especialista em Direito Público e Direito Privado pela Escola Superior de Magistratura do Estado do Piauí (ESMEPI). Especialista em Direito Eleitoral pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera (Uniderp). Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub). Doutoranda em Direito, Políticas Públicas, Estado e Desenvolvimento pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub). Analista Judiciário e Assistente de Gabinete de Ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NÓBREGA, Ana Karina Vasconcelos. O direito à diferença sexual e a busca pela sua proteção nos tribunais superiores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5571, 2 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69033. Acesso em: 21 nov. 2024.

Mais informações

O presente artigo tem por fim a obtenção de nota no curso do Doutorado na UniCEUB do qual esta autora participa. Ja foram publicados outros artigos, porém em periódicos distintos, tais como Revista de Direito Público do IDP e Revista de Direito Eleitoral do Maranhão.

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