4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A título de conclusão, consigna-se que, mesmo com o advento da Lei de Organizações Criminosas [12.850/2013], inúmeras lacunas normativas ainda permeiam o instituto da colaboração premiada, o que acaba por acarretar uma inefável insegurança jurídica às partes contratantes, sobretudo ao colaborador, que figura como hipossuficiente no negócio jurídico processual.
Assim, ante o vácuo normativo e procedimental constante da Lei de Organizações Criminosas, que gera uma indesmentível inferioridade topográfica do colaborador no cenário das negociações, se tem defendido, sem muita segurança, a aplicação, no “mercado da delação”, de princípios contratuais, os quais regem o mercado privado.
No entanto, com uma visão privatista de processo penal, percebeu-se o crescimento da corrente que passou a encarar o processo penal como um verdadeiro jogo, em que são negociadas informações em troca de prêmios, benefícios legais.
De ter-se em mente, entretanto, que, ao se encarar a delação premiada como um “mercado”, se olvida da posição de superioridade “negocial” das autoridades públicas, as quais conseguem impor sua vontade ao colaborador, o qual, como dito, por ser a parte hipossuficiente da negociação, fica no escuro, sem saber o que, quando e como fazer uma colaboração [válida e compensadora do ponto de vista premial].
É dizer, a relação que deve[ria] se operar em pé de igualdade, de forma sinalagmática e equitativa, acaba por se transformar num contrato de adesão, sem qualquer possibilidade de modificação das cláusulas leoninas impostas a contragosto ao colaborador, restando-lhe apenas o tormentoso dilema do “pegar ou largar”.
Nesse contexto, defende-se que uma forma viável de implementação de transparência às negociações e igualdade às partes negociantes seria a instituição de uma estrutura de conhecimento das fontes de provas, por meio da qual o negócio a ser celebrado deve se pautar na ética, na transparência e, sobretudo, na boa-fé dos contratantes.
Conclui-se que, com uma modificação legislativa a introduzir o método do discovery no direito brasileiro, eliminar-se-ão os blefes, os trunfos, as jogadas desleais, bem como os jogadores ardilosos, que, não raras vezes, menosprezam informações relevantes para minorar os prêmios a serem oferecidos ao colaborar e se valem de provas inexistentes e de informações até mesmo inventadas para forçar acordos antiéticos e imorais.
Em síntese, a sugerida modificação legislativa servirá não apenas para beneficiar o colaborador, mas, sobretudo, para enaltecer e solidificar o próprio instituto da colaboração, que tornar-se-á mais seguro, ético e, principalmente, justo.
5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RODAS, Sérgio. No sistema brasileiro, delação premiada é como uma cuíca numa orquestra sinfônica. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jun-25/entrevista-diogo-malan-criminalista-professor-ufrj-uerj. Acesso em: 31 ago. 2018.
ROSA, Alexandre Moraes da. Uma proposta das etapas da cooperação premiada diante da ausência de regras claras. In: Luiz Flávio Gomes; Marcelo Rodrigues da Silva; Renan Posella Mandarino. (Org.). Colaboração premiada: novas perspectivas para o sistema jurídico-penal. 1ed.Belo Horizonte: D'Plácido, 2018. p. 79 – 99.
SANTOS, Júlio Cesar S. Adam Smith e a mão invisível do mercado na economia. Disponível em: http://www.administradores.com.br/artigos/economia-e-financas/adam-smith-e-a-mao-invisivel-do-mercado-na-economia/48780/ Acesso em: 11 set. 2018.
Notas
[1] Ao firmar acordos de delação premiada com ex-executivos da empreiteira Odebrecht, o Ministério Público Federal incluiu cláusula exigindo que cumprissem pena logo depois que o trato fosse homologado. Como, dentre os 77 delatores, só 5 já foram condenados, 72 podem ter as penas iniciadas antes de sentença, sendo que dezenas ainda nem foram denunciados. Acordo de delação da Odebrecht prevê pena inclusive antes de denúncia. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-mar-05/acordo-delacao-odebrecht-preve-pena-antes-denuncia. Acesso em: 31 ago. 2018.
[2] MANDARINO, Renan Posella. Limites probatórios da delação premiada frente à verdade no processo penal. São Paulo: Editora IASP, 2016. p. 222.
[3] RODAS, Sérgio. No sistema brasileiro, delação premiada é como uma cuíca numa orquestra sinfônica. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jun-25/entrevista-diogo-malan-criminalista-professor-ufrj-uerj. Acesso em: 31 de ago. 2018.
[4] Ibidem.
[5] ROSA, Alexandre Moraes da. Uma proposta das etapas da cooperação premiada diante da ausência de regras claras. In: Luiz Flávio Gomes; Marcelo Rodrigues da Silva; Renan Posella Mandarino. (Org.). Colaboração premiada: novas perspectivas para o sistema jurídico-penal. 1ed.Belo Horizonte: D'Plácido, 2018. p. 79 – 99.
[6] Aury Lopes Jr. Explica que “a superioridade do acusador público, acrescida do poder de transigir, faz com que as pressões psicológicas e as coações (a prisão cautelar virou o principal instrumento de coação) sejam uma prática normal, para compelir o acusado a aceitar o acordo e também a “segurança” do mal menor de admitir uma culpa, ainda que inexistente. Os acusados que se recusam a aceitar a delação ou acordo sobre a pena são considerados incômodos e nocivos, e sobre eles pesarão todo o rigor do Direito Penal “tradicional”, em que qualquer pena acima de quatro anos impede a substituição e, acima de oito anos, impõe o regime fechado”. LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do processo penal: Introdução crítica. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 177.
[7] ROSA, Alexandre Moraes da. Uma proposta das etapas da cooperação premiada diante da ausência de regras claras. In: Luiz Flávio Gomes; Marcelo Rodrigues da Silva; Renan Posella Mandarino. (Org.). Colaboração premiada: novas perspectivas para o sistema jurídico-penal. 1ed.Belo Horizonte: D'Plácido, 2018. p. 79 – 99.
[8] As informações podem valer muito mais do que o preço [prêmio] oferecido, uma vez que “os negociadores fixam, antecipadamente, os preços do objeto da delação, mas não expõem ao adversário, porque se o fizerem podem gerar problemas [...] por isso, nem sempre o jogo às claras pode ser produtivo”. ROSA, Alexandre Moraes da. Uma proposta das etapas da cooperação premiada diante da ausência de regras claras. In: Luiz Flávio Gomes; Marcelo Rodrigues da Silva; Renan Posella Mandarino. (Org.). Colaboração premiada: novas perspectivas para o sistema jurídico-penal. 1ed.Belo Horizonte: D'Plácido, 2018. p. 79 – 99.
[9] Advogado denunciou esquema de propina na Sefaz-MT por medo de ser investigado, diz polícia. Disponível em: https://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/advogado-denunciou-esquema-de-propina-na-sefaz-mt-por-medo-de-ser-investigado-diz-policia.ghtml. Acesso em: 16 set. 2018.
[10] Nota-se que, no atual contexto, a falta transparência gera prejuízos não só às partes, mas, sobretudo, ao próprio instituto da colaboração.
[11] ROSA, Alexandre Moraes da. Uma proposta das etapas da cooperação premiada diante da ausência de regras claras. In: Luiz Flávio Gomes; Marcelo Rodrigues da Silva; Renan Posella Mandarino. (Org.). Colaboração premiada: novas perspectivas para o sistema jurídico-penal. 1ed.Belo Horizonte: D'Plácido, 2018. p. 79 – 99.
[12] ROSA, Alexandre Moraes da. Uma proposta das etapas da cooperação premiada diante da ausência de regras claras. In: Luiz Flávio Gomes; Marcelo Rodrigues da Silva; Renan Posella Mandarino. (Org.). Colaboração premiada: novas perspectivas para o sistema jurídico-penal. 1ed.Belo Horizonte: D'Plácido, 2018. p. 79 – 99.
[13] ROSA, Alexandre Moraes da. Uma proposta das etapas da cooperação premiada diante da ausência de regras claras. In: Luiz Flávio Gomes; Marcelo Rodrigues da Silva; Renan Posella Mandarino. (Org.). Colaboração premiada: novas perspectivas para o sistema jurídico-penal. 1ed.Belo Horizonte: D'Plácido, 2018. p. 79 – 99.
[14] Essa realidade precisa ser modificada. É isso, a propósito, que se pretende evidenciar no presente texto.
[15] Júlio Cesar S. Santos explica que, “de acordo com Adam Smith, o auto-interesse de uma sociedade livre proporcionaria a forma mais rápida de uma nação alcançar o progresso e o crescimento econômico. Na sua liberal opinião o maior obstáculo a esse progresso econômico seria o intervencionismo do Estado na Economia; pois, para ele, existiria uma "mão invisível" que auto-regularia o mercado. Ou seja, para Adam Smith, se o mercado fosse deixado em paz pelos governos ele se manteria sempre em equilíbrio. Isso ele denominou de ‘Laissez-Faire’”. SANTOS, Júlio Cesar S. Adam Smith e a mão invisível do mercado na economia. Disponível em: http://www.administradores.com.br/artigos/economia-e-financas/adam-smith-e-a-mao-invisivel-do-mercado-na-economia/48780/ Acesso em: 11 set. 2018. [grifou-se]
[16] ROSA, Alexandre Moraes da. Uma proposta das etapas da cooperação premiada diante da ausência de regras claras. In: Luiz Flávio Gomes; Marcelo Rodrigues da Silva; Renan Posella Mandarino. (Org.). Colaboração premiada: novas perspectivas para o sistema jurídico-penal. 1ed.Belo Horizonte: D'Plácido, 2018. p. 79 – 99.
[17] ROSA, Alexandre Moraes da. Uma proposta das etapas da cooperação premiada diante da ausência de regras claras. In: Luiz Flávio Gomes; Marcelo Rodrigues da Silva; Renan Posella Mandarino. (Org.). Colaboração premiada: novas perspectivas para o sistema jurídico-penal. 1ed.Belo Horizonte: D'Plácido, 2018. p. 79 – 99.
[18] MELO, Valber; NUNES, Filipe Maia Broeto. Colaboração premiada: aspectos controvertidos. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2018. p. 142.
[19] MARIGHETTO, Andrea. Aspectos patológicos dos acordos de colaboração premiada. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jul-05/andrea-marighetto-aspectos-patologicos-acordos-delacao>. Acesso em: 10 set. 18.
[20] RODAS, Sérgio. Advocacia deve criar regras para atuação em delações premiadas, diz Geraldo Prado. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-ago-31/advocacia-criar-regras-atuacao-delacoes-professor. Acesso em 11 set. 2018.
[21] Ibidem.