Do direito à concessão do salário maternidade à segurada empregada em caso de nascimento antes da 23ª semana de gravidez

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2 REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO SALÁRIO MATERNIDADE

Os requisitos para concessão do salário maternidade estão estabelecidos na legislação previdenciária.

Também trata do assunto a Instrução Normativa do INSS nº 45, na Seção IV - Subseção VIII.

Os documentos para comprovar o requerimento do salário maternidade da segurada são: atestado médico, quando mãe biológica e certidão de nascimento do filho; certidão de nascimento da criança ou termo de guarda, devendo constar o nome da segurada adotante ou guardiã, quando se tratar de adoção ou guarda a fins de adoção (Art. 295 § 2º da IN INSS 45).

Conforme os artigos 25 e 26 da Lei 8.213/91, as seguradas contribuintes individuais, seguradas especiais e seguradas facultativas tem que cumprir carência de dez contribuições mensais. Destaca Miguel Horvath Junior (2011, p. 72) que “no salário maternidade biológico, diante das situações de parto antecipado o número de contribuições será reduzido proporcionalmente ao número de meses em que houve a antecipação do parto”. Já as seguradas empregadas, empregadas domésticas e trabalhadoras avulsas estão dispensadas de cumprimento de carência, visando a proteção do emprego, pois “sem tal tratamento diferenciado, os empregadores só contratariam as empregadas após o cumprimento da carência para evitar o risco de arcar com o ônus.” (HORVATA JUNIOR, 2011, p. 72)

O Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) também estabeleceu na IN 45 um dos requisitos para concessão do salário maternidade, considerando parto o evento ocorrido a partir da vigésima terceira semana da gestação, inclusive natimorto[5].

2.1 FATO GERADOR DO SALÁRIO MATERNIDADE

O fato gerador do salário maternidade é o parto bem como a adoção ou guarda judicial para fins de adoção.

O Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) estabeleceu na sua Instrução Normativa nº 45, art. 294, § 3º que:

Art. 294 [...]

[...]

§ 3º Para fins de concessão do salário-maternidade, considera-se parto o evento ocorrido a partir da vigésima terceira semana (sexto mês) de gestação, inclusive em caso de natimorto.

Importante lembrar que se a segurada sofre aborto não criminoso, comprovado mediante atestado médico, terá direito a repouso remunerado de duas semanas, bem como o direito de retornar à função que ocupava antes de seu afastamento, conforme art. 395 CLT.

Durante esse período de afastamento a segurada receberá o benefício do salário-maternidade correspondente a duas semanas, conforme previsão no art. 93, § 5º do Decreto 3.048, de 06 de maio de 1999.

E se o bebê nascer com vida antes da 23ª semana, ou seja, antes do período estabelecido pelo INSS como sendo definidor do parto? É considerado parto ou aborto para fins previdenciários?

1.1.1 O QUE É PARTO? O QUE É ABORTO?

Para maior aprofundamento na pesquisa é necessário definir o que é parto e o que é aborto, com o fim de esclarecer acerca do que a medicina adota.

Definimos parto normal como de início espontâneo, baixo risco no início do trabalho de parto, permanecendo assim durante todo o processo, até o nascimento. O bebê nasce espontaneamente, em posição cefálica de vértice, entre 37 e 42 semanas completas de gestação. Após o nascimento, mãe e filho em boas condições[6].

Apresenta-se também uma definição médica de parto:

Podemos definir parto como sendo um conjunto de fenômenos fisiológicos e mecânicos que têm por finalidade e expulsão do feto. Em medicina-legal, o parto começa com a rotura da bolsa d’água e termina com a expulsão do feto e da placenta.[7]

Quanto ao aborto, pode ser conceituado como: “é a expulsão ou extração de um embrião ou feto pesando menos de 500g (aproximadamente 20-22 semanas de gestação), independentemente ou não da presença de sinais vitais.”[8]

 O Art. 29 da Resolução 01/88 do Conselho Nacional de Saúde dispõe:

Art. 29 — Além dos requisitos éticos genéricos para pesquisa em seres humanos, as pesquisas em indivíduos abrangidos por este capítulo conforme as definições que se seguem, devem obedecer as normas contidas no mesmo.

1.   Mulheres em idade fértil — do início da puberdade ao inicio da menopausa;

2.   Gravidez — período compreendido desde a fecundação do óvulo até a expulsão ou extração do feto e seus anexos;

3.   Embrião — produto da concepção desde a fecundação do óvulo até o final da12a semana de gestação;

4.   Feto — produto da concepção desde o início da 13a semana de gestação até a expulsão ou extração;

5.   Óbito fetal — morte do feto no útero;

6.   Nascimento vivo — é a expulsão ou extração completa do produto da concepção quando, após a separação, respire e tenha batimentos cardíacos, tendo sido ou não cortado o cordão, esteja ou não desprendida a placenta;

7.   Nascimento morto — é a expulsão ou extração completa do produto da concepção quando, após a separação, não respire nem tenha batimentos cardíacos, tendo sido ou não cortado o cordão, esteja ou não desprendida a placenta;

8.   Trabalho de parto — período compreendido entre o início das contrações e a expulsão ou extração do feto e seus anexos;

9.   Puerpério — período que se inicia com a expulsão ou extração do feto e seus anexos até ocorrer a involução das alterações gestacionais (aproximadamente 42 dias);

10.Lactação — fenômeno fisiológico da ocorrência de secreção láctea a partir da extração do feto e de seus anexos;[9]

Nesse sentido, cita-se Parecer do Conselheiro Dr. Roberto Magliano de Morais nº 14/2004:

[...] Em Obstetrícia, distinguem-se os termos abortamento e prematuridade. O primeiro é definido pela interrupção da gravidez com idade igual ou inferior a 20-22 semanas completas, levando-se em conta respectivamente a data da última menstruação ou da ovulação da mulher. Quando não for possível estabelecer com precisão a idade da gestação, considerar-se-á aborto aos produtos de concepção que pesarem 500g ou menos. [...] O conceito atual de Prematuridade ainda é o da Organização Mundial de Saúde (OMS), que em 1972 considerou prematuras as crianças nascidas com menos de 37 semanas completas ou 259 dias, contados a partir do primeiro dia do último ciclo menstrual regular. Estas definições visam uniformizar as condutas éticas e médicas vez que, com a evolução e aperfeiçoamento dos métodos diagnósticos e de assistência neonatal, cada vez mais recém nascidos têm conseguido se beneficiar destes avanços e sobrevividos mais precocemente. As discussões sobre os limites da prematuridade ainda existem, dados os resultados diferentes de sobrevivência observados de acordo com a realidade de cada região. Em sua definição, a OMS se respaldou no fato de que os indicadores de morbidade e de mortalidade perinatal, para crianças nascidas após a 37ª semana, são muito favoráveis e semelhantes. [...] Aos que pesam menos de 500 gramas, infelizmente, as chances de sobrevida praticamente inexistem e por este motivo, não são considerados para fins de estatísticas perinatais.Ressalte-se, a título de controvérsia, que este é um argumento puramente biológico. Não se pode esquecer que um nascituro extremamente imaturo, que pesa menos de 500 gramas, mesmo que ainda em fase precoce de desenvolvimento é um ser humano.[10](grifo nosso)

Desta forma, podemos perceber que ao analisar a definição da obstetrícia, o abortamento seria a interrupção da gravidez com idade igual ou inferior a 20-22 semanas completas, levando-se em conta respectivamente a data da última menstruação ou da ovulação da mulher. Assim, percebemos que o INSS adota o critério da obstetrícia ao definir que parto é o nascimento a partir da 23ª semana de gestação, já que antes disso, na obstetrícia e no posicionamento do INSS o evento seria abortamento.

Assim, para fins do presente estudo, visa-se garantir à segurada que venha a ter seu filho antes do prazo previsto em lei para parto, ou seja, nascimento com vida antes da 23ª semana, todas as garantias dadas à maternidade, como a licença e o salário maternidade.

Ou seja, ao direito cabe a defesa da vida, saúde e integridade da mãe e do seu bebê, ainda que, num conceito estritamente ligado à medicina e obstetrícia, a situação pudesse ser caracterizada como abortamento.


3 NASCIMENTO COM VIDA ANTERIOR À 23ª SEMANA: ANÁLISE DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO SALÁRIO MATERNIDADE

O objetivo é esclarecer acerca da proteção à maternidade nos casos de nascimento com vida anterior à 23ª semana. O tema pouco tratado e com insuficiente material disponível é importante ser esclarecido mesmo que sejam raros os casos em que o bebê nasça com vida antes da 23ª semana ou sexto mês, pois mesmo sendo raros podem acontecer, e se ocorrer o parto nesse período quais são os direitos da segurada?

Uma mãe que teve o parto prematuro requer além dos cuidados essenciais, um cuidado excessivamente maior, devido a sua fragilidade física e psicológica, além das necessidades do bebê, já que nasceu antes do tempo normal de gestação. O salário maternidade recebe neste momento uma inegável importância para a segurada, visto o objetivo de prover sua segurança financeira e emocional em um momento de desgaste e de muita responsabilidade.

A discussão abordada é simples: se o parto ocorrer antes da 23ª semana a segurada terá o salário maternidade referente à 120 dias ou 2 semanas? Vemos que se para a concessão do salário maternidade considera-se parto o evento ocorrido após a 23ª semana, antes disso seria considerado um aborto?

Para Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari (2013, p.824) “ainda que em casos de parto antecipado ou não, ainda que ocorra parto de natimorto, este último comprovado mediante certidão específica, a segurada terá direito aos cento e vinte dias previstos em lei”.

Já Fábio Zambitte Ibrahim (2014, p. 668) diz que “a interrupção da gestação após este período, desde que não criminosa, dará direito à licença integral. Antes disso, a segurada terá direito ao salário maternidade correspondente a duas semanas”.

Dessa forma, percebe-se que não há consenso na doutrina acerca da interpretação, gerando dúvidas quanto a sua aplicação, uns defendem que a segurada terá direito a 120 dias e outros a apenas 2 semanas, caso o parto ocorra antes da 23ª semana.

3.1 PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE DE COBERTURA E ATENDIMENTO E A PROTEÇÃO AO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER

Com fundamento legal no Artigo 194, parágrafo único, I, CF/88 o princípio da universalidade está relacionado com o princípio fundamental da isonomia e com o da solidariedade compondo, juntamente com outros princípios, a base da Seguridade Social. Compreende-se a universalidade como a proteção integral de todos os atores sociais. Em caso de necessidade da sociedade, é dever do Estado, por meio de seus órgãos públicos, proporcionar a devida cobertura.

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Esse princípio consiste em dois aspectos: o objetivo e o subjetivo. Este implica à proteção dos indivíduos que se encontram no estado de necessidade, com riscos referentes ao meio social, devendo o Estado dar proteção a essas pessoas indistintamente e aquele está relacionado com a cobertura dos riscos sociais, como forma de proporcionar vida digna para o indivíduo quando este se encontrar impossibilitado de prover sua subsistência ou de seus dependentes.

      Portanto, todas as trabalhadoras em estado de gravidez encontram-se na mesma contingência: o nascimento do filho. O tratamento diferenciado caso o bebê venha a nascer antes ou após o tempo definido como parto para a legislação previdenciária contraria o princípio da universalidade de cobertura e atendimento, já que faz um tratamento diferenciado e desigual.

O artigo 201, III da CF/88, estabeleceu que:

Art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a:

[...]

III - proteção à maternidade, especialmente à gestante;

Desta forma, a Constituição, ao elencar a proteção à maternidade como contingência social a ser coberta pela Previdência, não apresenta limitação, não devendo uma norma administrativa do INSS fazê-lo. Logo, desde que ocorra o nascimento com vida, mesmo que anterior à 23ª semana, a gestante teria a proteção previdenciária integral: salário maternidade por 120 dias, bem como a proteção trabalhista: licença maternidade por 120 dias. Ressaltando que, em caso de nascimento sem vida anterior à 23ª semana, justifica-se a limitação, ou seja, justifica-se o pagamento de apenas duas semanas de salário maternidade, posto que não haveria vida a ser protegida. E, claro que se a mulher, por motivo de saúde, não puder retomar seu contrato de trabalho após as duas semanas de afastamento, poderia ser afastada do emprego (primeiros 15 dias pela empresa) 16º dia em diante a cargo do INSS: auxílio-doença.

      3.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A dignidade da pessoa humana para Ingo Wolfgang Sarlet (2001, apud FÁVERO FILHO 2010, p. 246) se define como:

a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venha a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Estabelecido como fundamento da República Federativa do Brasil no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, o princípio da dignidade da pessoa humana trata que todas as pessoas merecem ser tratadas de forma igualmente digna pela lei, independentemente de sua situação econômica, social ou intelectual, visto que todos nascem iguais em direitos. Como um dos principais fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana é um princípio basilar no qual a pessoa humana é centro, fundamento e fim das sociedades contemporâneas.

Nesse sentido, o referido princípio foi consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10-12-1948, como essencial a todos os membros da família, com fundamento na liberdade, justiça e paz no mundo.

Também é um princípio importantemente lembrado quando se fala em valorização e proteção do trabalho, quando trata no Art. 170 que “ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna [...]” (grifo nosso).

Assim, quando a dignidade da pessoa é lesada e a pessoa se encontra em uma situação de privação de direitos, quando a norma faz uma definição para o conceito de parto, tendeu-se a desigualar as seguradas e ferir o princípio da dignidade da gestante, assim deve-se primar pelo mandamento constitucional da isonomia.

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Sobre as autoras
Maria Inês de Assis Romanholo

Mestranda na Universidade Presidente Antônio Carlos – Juiz de Fora, Hermenêutica e Direitos Fundamentais, Pós-graduada em Direito do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes, Graduada em Direito pela Universidade Federal de Viçosa, Professora na Faculdade Presidente Antônio Carlos de Ubá – Disciplinas: Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

Samara Ribeiro de Oliveira Tonholo

Advogada, inscrita na OAB/MG 177.497, Pós graduanda em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário.

Lais Queiroz Freitas

Advogada, inscrita na OAB/MG 178.960, Pós graduanda em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo científico apresentado ao Curso de Pós Graduação Lato Sensu de Direito do Trabalho e Previdenciário, da UNIVIÇOSA, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista.Orientadora: Maria Inês de Assis Romanholo

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