EFETIVO ROMPIMENTO COM A DITADURA MILITAR
Rompendo com mais de 20 anos do regime ditatorial militar, a eleição indireta realizada pelo Colégio Eleitoral em 1985 elegeu Tancredo Neves para Presidente da República e José Sarney para Vice-presidente, sendo certo que acometido por uma grave doença, Tancredo Neves faleceu e não tomou posse, assumindo em seu lugar o vice, José Sarney. Em 1987, através da Emenda Constitucional 26, é convocada a Assembleia Nacional Constituinte, que, após exaustivos debates, votou, aprovou e promulgou a nova Constituição.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, conhecida como Constituição-cidadã, além de reestabelecer o regime Democrático, trouxe muitos avanços no que concerne aos direitos e garantias individuais, sociais e políticos, entretanto, manteve a forma de Estado (Federal), a forma de governo (República), o sistema de governo (Presidencialismo) e a forma de aquisição do Poder ou Regime (Democracia Representativa), concedendo ao povo o direito de escolher, livre e diretamente, por meio de eleições, os chefes dos Poderes Executivos e representantes para os Poderes Legislativos em suas três esferas, municipal, estadual e federal.
Na época de sua promulgação, apesar de originalmente constar que o sistema de governo aprovado seria o presidencialismo e a forma de governo seria republicana, deixou em aberto para decisão posterior através de plebiscito a possibilidade de alteração para o sistema parlamentarismo e a forma monárquica de governo. O plebiscito ocorreu em 21 de abril de 1993, optando o povo pela manutenção do Presidencialismo e da República[1].
Segundo o Professor Ives Gandra Martins[2], mesmo que o povo tivesse optado pela mudança, alterando o sistema e a forma de governo para parlamentarismo e monarquia, juridicamente seria inconstitucional, pois, tendo em vista que a Constituinte de 1987 haver sido convocada por uma Emenda Constitucional, a de número 26, a qual tinha amparo na Constituição de 1967 e na reformulação de 1969, não poderia, como constituinte derivado, alterar as “cláusulas pétreas” que permitissem mudanças na forma e no sistema de governo, ou seja, na Federação e/ou na República.
AS ALTERAÇÕES DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 NOS SEUS 30 ANOS DE VIGÊNCIA
A Carta Magna de 1988, nestes seus 30 anos de existência, sofreu, até dezembro de 2017, noventa e nove (99) Emendas, perfazendo uma média de 3,6 Emendas por ano, são muitas alterações para uma Constituição que, quanto a sua estabilidade, se diz rígida. Ressalte-se que não foram incluídas as seis (06) Emendas de Revisões ocorridas em 1994.
Ao compararmos a Constituição Federal quando de sua promulgação em 05 de outubro de 1988 em relação ao texto atual, é possível afirmar que, em tese, sob vários aspectos, o Poder Constituinte Derivado desfez quase tudo que o Poder Constituinte Originário de 1987 construiu no que diz respeito ao “Novo Estado Brasileiro”, tal afirmação é facilmente comprovada pelo número de Emendas Constitucionais apresentadas no decorrer destes 29 anos, a saber:
1992 - 2 Emendas Constitucionais;
1993 - 2 Emendas Constitucionais;
1994 - 6 Emendas Constitucionais de Revisão;
1995 - 5 Emendas Constitucionais;
1996 - 6 Emendas Constitucionais;
1997 - 2 Emendas Constitucionais;
1998 - 3 Emendas Constitucionais;
1999 - 4 Emendas Constitucionais;
2000 - 7 Emendas Constitucionais;
2001 - 4 Emendas Constitucionais;
2002 - 4 Emendas Constitucionais;
2003 - 3 Emendas Constitucionais;
2004 - 3 Emendas Constitucionais;
2005 - 3 Emendas Constitucionais;
2006 - 5 Emendas Constitucionais;
2007 - 3 Emendas Constitucionais;
2008 - 1 Emenda Constitucional;
2009 - 5 Emendas Constitucionais;
2010 - 5 Emendas Constitucionais;
2011 - 1 Emenda Constitucional;
2012 - 3 Emendas Constitucionais;
2013 - 5 Emendas Constitucionais;
2014 - 8 Emendas Constitucionais;
2015 - 6 Emendas Constitucionais;
2016 - 5 Emendas Constitucionais;
2017 - 4 Emendas Constitucionais;
Apesar de tanta mudança, tais alterações não interferiram no processo eleitoral no que diz respeito à liberdade de escolha, pelo povo, de seus governantes e representantes.
PARTICIPAÇÃO POPULAR NOS LIMITES DA CONSTITUIÇÃO
A democracia pressupõe a participação popular, seja de forma direta e/ou indireta, mas a atuação do povo é imperiosa para que as decisões sejam tomadas de forma equânime e com justiça, impondo-se, assim, limites aos governantes.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 1º, de cátedra, revela que no Brasil vigora a democracia, o que pressupõe a ampla liberdade de escolha quanto aos governantes e aos representantes para o Poder Legislativo.
Artigo 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (gn)
Revela ainda o mesmo artigo 1º, porém em seus incisos I e II que a República Federativa do Brasil, entre outros, tem como fundamento “a cidadania” e o “pluralismo político”, afirmando, assim, que cabe ao estado brasileiro determinar os direitos e deveres de seus cidadãos, forma de aquisição, permanência e destituição do poder, bem como, para que haja uma diversidade de opções para a escolha de governantes e/ou representantes, o Constituinte de 1987 deixou claro que a liberdade para pensamentos contraditórios dos diversos grupos sociais, com suas opiniões econômicas, culturais, ideológicas e de sociedade, é de rigor. Em uma sociedade pluralista é preponderante a construção e manutenção do equilíbrio entre as múltiplas facetas apresentadas.
Mas não é só isso, a Constituição Federal de 1988 foi mais além ao definir, claramente, que os políticos estão a serviço do povo, e para este devem governar e prestar contas de suas administrações, não deixando o parágrafo único do artigo 1º a menor dúvida e nem dá margem para interpretação diversa:
Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Depreende-se do texto contido no parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal que a democracia adotada pelo Brasil é a chamada semidireta, em que a participação popular se dá de duas maneiras, indiretamente através de seus representantes eleitos (forma mais comum, principalmente em razão da vasta extensão territorial e a grande massa populacional) e diretamente por meio do plebiscito, referendo e da iniciativa popular (forma pouco utilizada, já que para a adoção do plebiscito e do referendo é necessária que haja convocação mediante decreto legislativo, nos termos do artigo 3º da Lei 9.709/98; no que diz respeito a lei de iniciativa popular, o artigo 13 da mesma Lei 9.709/98 impõe tanta dificuldade que desestimula a população dela fazer uso)
A democracia, segundo o Professor José Afonso da Silva[3], se afirma em dois princípios fundamentais:
1 – o da soberania popular segundo o qual o povo é a única fonte do poder;
2 – a participação, direta ou indireta, do povo no poder, para que esta seja efetiva expressão da vontade popular.
Apesar de a Constituição Federal de 1988 ter colocado à disposição do cidadão os institutos de participação direta - plebiscito, referendo e a iniciativa popular – nos termos dos incisos I, II e III do artigo 14 da Carta Magna, pouco se utilizou destes mecanismos até o momento, apenas um plebiscito, um referendo e quatro leis de iniciativa popular ocorreram no Brasil.
Artigo 14 - A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
Por determinação do artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988, em 21 de abril de 1993 (a princípio seria no dia 7 de setembro de 1993), ocorreu o primeiro e único plebiscito até o momento, oportunidade em que o povo decidiu quanto à forma de governo (República ou Monarquia) e quanto aos sistemas de governo (Presidencialismo ou Parlamentarismo), vencendo a forma de governo republicana e o sistema presidencialismo.
Em 23 de outubro de 2005, os brasileiros foram às urnas para opinar, através do único referendo em 30 anos de vigência da Constituição, quanto à aprovação ou proibição do comércio de armas e munições no Brasil, pois já estava em vigor a Lei 10.826/2003, denominado Estatuto do Desarmamento, e que em seu artigo 35 já constava a proibição do comércio de armas e munições no país, mas condicionava sua entrada em vigor ou não ao resultado do referendo.
O instituto de participação direta na democracia brasileira mais utilizado desde o advento da Constituição de 1988 é a Iniciativa Popular, e mesmo assim, as dificuldades criadas pelo constituinte são tantas, que até o momento somente quatro (04) leis foram aprovadas no Brasil por este mecanismo.
Lei 8.930/1994 – Considera crime hediondo homicídios praticados por motivo fútil ou com crueldade;
Lei 11.124/2005 – Cria o Fundo Nacional de Habitação;
Lei Complementar - 9.840/1999 – Tipifica o crime de compra de votos; e
Lei Complementar - 135/2010 – Ficha Limpa
Os projetos de lei de iniciativa popular para que possam ser apresentados perante o Congresso Nacional, precisam do apoio de no mínimo 1% do eleitorado, além da adesão de 0,3% do eleitorado de pelo menos cinco estados da federação, dificuldades que para serem vencidas demandam tempo, articulação e até mesmo algum recurso financeiro, fatores que, sem dúvida alguma, desestimulam os brasileiros que queiram se aventurar nesta empreitada.
Atualmente, tramitam no Congresso Nacional alguns projetos que buscam facilitar a participação popular. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 03/2011 reduz para 0,5% do eleitorado o número de assinaturas necessárias para apresentação de projetos de lei e abre a possibilidade de os cidadãos apresentarem Propostas de Emendas à Constituição (PECs). A PEC 2/1999 também reduz de 1% para 0,5% o percentual do eleitorado necessário para a apresentação de lei de iniciativa popular. Os Projetos de Lei do Senado – PLSs 84/2011, 129/2010 e 267/2016 permitem a assinatura eletrônica aos projetos de iniciativa popular. O Projeto de Resolução do Senado - PRS 19/2013 facilita a apresentação, ao Senado, de propostas de fiscalização e de sugestões legislativas vindas da população[4]/[5].
Cumpre lembrar que as exigências e dificuldades impostas para a criação de um partido político no Brasil são bem maiores que as existentes para as leis de iniciativa popular, entretanto, não impediram a criação e o registro junto ao Tribunal Superior Eleitoral[6] de 28 partidos políticos após a promulgação da Constituição de 1988.
ALTERAÇÕES CONSTITUCIONAIS COM REFLEXOS NO PROCESSO ELEITORAL
A Constituição Federal de 1988, como já vimos, sofreu inúmeras mudanças através das chamadas Emendas Constitucionais, que até o final do ano de 2017 totalizavam 99 (noventa e nove), afetando, também, o processo político eleitoral. Dentre elas podemos destacar a Emenda Constitucional nº 4 de 1993 que alterou o Capítulo IV do Título II, que versa sobre os Direitos Políticos, deu nova redação ao § 9º do artigo 14, conferindo a possibilidade de Lei Complementar criar outros casos de inelegibilidade, bem como trouxe nova roupagem ao artigo 16 quanto à anualidade da lei eleitoral; em seguida veio Emenda Constitucional de Revisão nº 5, de 07 de junho de 1994, a qual reduziu o mandato presidencial de cinco para quatro anos, passando as eleições presidências a ocorrerem simultaneamente com as do Congresso Nacional, governadores e Assembleias Legislativas, buscando, assim, fortalecer o vínculo entre o partido do presidente e os partidos da base aliada na Câmara dos Deputados; já a Emenda Constitucional 16, de 04 de junho de 1997, deu nova redação ao § 5º do artigo 14, ao caput do art. 28, ao inciso II do artigo 29, ao caput do artigo 77 e ao artigo 82 da Constituição Federal, permitindo, a partir de então, a reeleição do chefe do Poder Executivo (presidente da república, governador e prefeito) para um mandato subsequente, fato que beneficiou Fernando Henrique Cardoso, que se tornou o primeiro presidente da história da República brasileira reeleito para um mandato subsequente.
CAPÍTULO IV
DOS DIREITOS POLÍTICOS
Artigo 14 - A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
(...)
§ 5º - O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16 de 1997)
(...)
§ 9º - Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)
(...)
Artigo 16 - A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 4, de 1993)
O Capítulo V do Título II, destinado aos Partidos Políticos, também sofreu duas alterações, sendo uma no ano de 2006, através da Emenda Constitucional nº 52, a qual alterou o parágrafo 1º do artigo 17, pondo fim a obrigatoriedade de vinculação para as coligações partidárias; e, mais recentemente, a Emenda Constitucional nº 97 de 2017 deu nova redação ao parágrafo 1º do mesmo artigo 17, visando, principalmente, a preservação das comissões e diretórios provisórios, já que o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, na sessão administrativa de 7 de junho de 2016, aprovou um pedido de alterações estatutárias solicitado pelo Partido Social Democrático. Porém, na ocasião, os ministros determinaram expressamente que o partido promovesse a adequação de seu estatuto, a fim de fixar prazo razoável para o exercício do mandato dos membros de suas comissões provisórias, com base nos artigos 39 e 61 da Resolução TSE nº 23.465/2015, que trata das instruções para fundação, organização, funcionamento e extinção de partidos políticos. O tema também está sendo debatido no Supremo Tribunal Federal (STF) em razão de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 5875, que foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República em razão da emenda constitucional nº 97 promulgada em outubro passado.
A Emenda Constitucional 97 de 2017 alterou também o parágrafo 3º do artigo 17 e acrescentou-lhe dois incisos a este parágrafo, e, em tese, criou uma espécie de cláusula de barreira para o acesso ao fundo partidário e ao horário de rádio e televisão. Esta mesma Emenda também incluiu o parágrafo 5º ao artigo 17, concedendo ao eleito trocar de partido sem perder o mandato quando este não conseguir vencer as cláusulas de barreira.
CAPÍTULO V
DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Artigo 17 - É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
(...)
§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 52, de 2006)
§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)
(...)
§ 3º Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)
I - obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)
II - tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)
(...)
§ 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)