I. Introdução.
Ainda pendem diversas dúvidas e divergências sobre os exatos contornos das chamadas Fundações Públicas de Direito Privado, vulgo “Estatais” ou “Governamentais”, notadamente as criadas para atuar no Sistema Único de Saúde (SUS).
Neste breve ensaio serão distinguidas das demais entidades da administração indireta e da livre iniciativa do ramo hospitalar, e descritas as características de um modelo de gestão que, já há alguns anos implementado em diversos Municípios e Estados brasileiros, vem se notabilizando por apresentar bons resultados e evitar problemas sistêmicos de outras roupagens.
Não será avaliada a EBSERH, pois embora também se utilize da contratação celetista de pessoal e a assunção do serviço se dê por intermédio de um contrato de gestão, encontra-se vinculada ao Ministério da Educação e não da Saúde, atuando paralelamente às Universidades Federais, na administração dos hospitais universitários e outras unidades integralmente orçamentadas pela União.
II. Origem. Natureza jurídica. Velamento. Composição orçamentária.
No Brasil as Fundações Estatais surgiram com o Decreto-Lei Federal n.º 200/67 (arts. 4º, inc. II, “d” e 5º). São entidades públicas, porque total ou principalmente subvencionadas por recursos de origem fiscal, transferidos pelos entes políticos centrais afetadores – União, Estados, Municípios ou o Distrito Federal. Inserem-se na administração indireta, e daí deriva a exigência de concurso de provas ou provas e títulos para a admissão de seu pessoal, o dever de prestar contas ao Tribunal respectivo, e a exigência de licitar contratos com fornecedores.
As disposições de natureza administrativa, combinadas à modalidades privadas de escrituração contábil, contratação funcional e recolhimento tributário, formam o que se conhece por regime jurídico híbrido, vocacionado à equilibrar transparência e eficiência no complexo emaranhado de normas e competências interfederativas do sistema único, garantindo a atenção básica municipal; hospitalar-referencial, laboratorial e hemocentral estaduais.
Os serviços passam a ser avaliados principalmente no aspecto qualitativo, mediante emprego de indicadores periodicamente auditados por um Conselho Curador, e certificações oferecidas no mercado, aptas a atestar o atingimento de metas padronizadas por segmento, inclusive referenciadas internacionalmente.
Persiste o velamento do Ministério Público pela correta aplicação dos recursos de derivação orçamentária e repressão à improbidade administrativa, inobstante a designação da personalidade jurídica privada decorrente do ato registral, na forma dos arts. 64 do Código Civil e 164, I da Lei de Registros Públicos.
Somente os dinheiros obtidos de contratações essencialmente particulares não se sujeitarão ao controle externo, sendo designados pela rúbrica de receitas próprias. Estariam aí abrangidos, por exemplo, convênios ou contratos de concessão de espaço de estágio e residência profissional, regulamentados por leis especiais, cuja contraprestação financeira de entidades de ensino resta autorizada, escapando da imposição de gratuidade dos serviços dirigidos aos usuários. As fundações também podem precificar comodidades extras oferecidas a pacientes e acompanhantes do sistema único, como estacionamento, alimentação e serviço de traslado não ambulatorial; e perceber rendas sobre parte do faturamento de terceirizados, para além do aluguel, em troca da exclusividade pela exploração comercial, em unidades tradicionalmente caracterizadas pela alta circulação de pessoas e garantia de demanda, algo muito semelhante à cobrança de ponto e direito de luvas.
Há impropriedade técnica em designar as fundações constituídas pelo poder público de empresas estatais, como as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, pois diferentemente destas, não exploram atividade econômica no mercado de consumo e não detém capital derivado de composição acionista ou cobrança tarifária. As receitas próprias são modestas, incapazes de fazer frente ao custeio, contornando timidamente o núcleo de repasse assistencial propriamente dito.
Também diferem as fundações dos órgãos da administração direta, criados por decreto e até portarias, absolutamente subordinados às Secretarias de Governo. Há maior independência por efeito da técnica de descentralização, o que as vezes acaba mitigado, é verdade, pela estrutura de subordinação vertical dos cargos e funções comissionados postos à disposição do Poder Executivo. Sem embargo, isto pode ser amenizado por algumas medidas institucionais que aproximem a conformação autárquica, sem desnaturar as singularidades da fatispécie, o que será visto a seguir.
III. Fundações Estatais e Fundações Autárquicas. Prerrogativas Fazendárias.
As Fundações Estatais têm criação autorizada por Lei Ordinária do Poder Legislativo do Estado ou Município. O Poder Executivo correspondente a personifica pela averbação do ato constitutivo de escritura pública no registro de títulos e documentos. Seguindo a tradição doutrinária que conceitua fundações sobretudo como destaques patrimoniais em favor de outrem, a lei autorizativa e o estatuto normalmente garantem “autonomia administrativa e financeira”, bem como a possibilidade de aferir “receitas próprias derivadas de contratos e convênios que celebrar”.
A autonomia financeira deve ser vista com reservas, especialmente em se tratando da iminência de condenações judiciais de valores mais expressivos, que devem ser pagos à conta de precatórios do orçamento geral (art.100, CF), sob risco de descontinuidade de serviços na hipótese de penhoras eletrônicas sobre depósitos.
A fim de manter um parâmetro objetivo de débitos passíveis de execução em dinheiro -- lembrando que as Fundações Estatais não se sujeitam à legalidade estrita, mas ampla --, pode-se regulamentar com as Secretarias de Saúde um teto de dívidas trabalhistas e cíveis, atrelado a contingenciamento. A providência é particularmente importante para permitir a celebração de acordos ou parcelamentos que evitem condenações de maior monta, em causas com pouca ou nenhuma probabilidade de êxito.
Os bens destinados à finalidade hospitalar encontram-se imunes de constrições judiciais trabalhistas, sem embargo à personalidade jurídica privada das entidades empregadoras [TST: RR 38.540.12.1995.5.04.0017], antes mesmo do recurso às prerrogativas fazendárias. Por conta destas, as FESTs fazem jus à duplicação de prazos, isenções de custas e depósito recursal, juros de 0,5%/ano, limitação ao teto pelo subsídio do Chefe Maior do Executivo, entre outras.
As Fundações Públicas de Direito Público ou Autárquicas, por sua vez, são criadas por Leis Ordinárias que exaustivamente esgotam os pressupostos de criação, estabelecem rígida repartição de competências e regime jurídico-funcional estatutário, à exceção dos Conselhos de Fiscalização Profissional e OAB que, embora autarquias, se utilizam de regime celetista ou empregatício público da Lei Federal n. 9.962/2000, também incidente sobre as Fundações Estatais de Estados e Municípios devido à competência privativa da União para legislar sobre Direito do Trabalho (art. 22, inc. I, CF).
As autarquias gozam do mais elevado grau de autonomia descentralizada, atuando em atividades regulatórias de caráter estritamente técnico ou corporativo. Para bem desempenharem suas atribuições, tanto quanto possível livres de interferências de governo que desafiem sua esfera de competência, se lhes é conferida dotação orçamentária, uma não coincidência de mandatos entre seu Diretor-Geral e o Chefe Maior do Executivo (no caso das Agências Reguladoras), e poder de polícia para fiscalização e cobrança de contribuições ou tarifas de serviço, entre outros atributos. No SUS o poder de polícia é exercido pela Vigilância Sanitária, geralmente integrada à pasta das Secretarias de Saúde.
No princípio dos processos de descentralização do Estado brasileiro, as autarquias serviram para principalmente descongestionar o fluxo dos serviços confiados à administração direta. Foi o caso do INSS, que assumiu a competência do INAMPS e do IAPAS para a avaliação e concessão de auxílios e benefícios assistenciais e previdenciários do Regime Geral. As autarquias dos setores de petróleo e energias renováveis (ANP), telefonia (ANATEL), aviação civil (ANAC), entre outras, foram qualificadas como Agências Executivas, surgindo daí a figura dos contratos de gestão (art. 37, par. 8º, CF), celebrados com Ministérios e Secretarias para ampliar o rol de competências e repasses, restringindo o poder político central ao papel de fomentador e fiscalizador das áreas afins.
Todos os Conselhos de Fiscalização Profissional são autarquias. A natureza da OAB foi reconhecida como um tertium gentium sui generis de autarquia pelo STF na ADIN 3026-4/DF, não integrando a administração pública da União, o que dispensou-lhe da apresentação de contas ao TCU, exigência de concurso e licitações. Um dos principais argumentos para a diferenciação foi o de que não exerceria apenas missão corporativa mas institucional e cidadã, podendo p.ex., propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade.
IV. Notas autárquicas nas Fundações Estatais.
Algumas prerrogativas autárquicas podem integrar as leis autorizativas das Fundações Estatais, sem que isto descaracterize sua ágil dinâmica de serviço, semelhante à do setor privado.
A não concomitância de mandatos entre diretores e governadores ou prefeitos pode tornar mais amena as transições de governo, favorecendo a continuidade de projetos de longo prazo e o aproveitamento de experiências ou projetos bem sucedidos.
A dotação orçamentária sobre o custeio, indicada no contrato de gestão, atende ao princípio da previsão orçamentária e pode amenizar interferências de governo muito incisivas que prejudiquem o desenvolvimento equilibrado das operações financeiras.
À semelhança do poder de polícia exercido pelas autoridades de vigilância sanitária, as fundações podem criar sistemas de auditoria de ponto e jornada, a fim de fiscalizar, recomendar providências político-administrativas, e eventualmente sancionar desconformidades nas rotinas diárias médicas, de enfermagem e apoio diagnóstico, acelerando respostas de cunho logístico e perante usuários. A providência também seria eficaz para obtenção de contraprovas passíveis de utilização em juízo, tão difíceis sob o tônus corporativista que ronda algumas categorias profissionais.
V. Contratos de gestão nas Fundações Estatais e Organizações Sociais. Pressupostos de privatização no SUS e problemas relacionados.
Conforme Carlos Ary Sundfeld e Rodrigo Pagani em A superação da Condição de Empresa Estatal Dependente [Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. P.p.793/ss.], a vantagem do sistema de contratualização sobre a tradicional delegação de serviço público estaria radicada na estipulação de um valor de tarifa subvencionada pelo ente político central, em troca da desoneração das obrigações trabalhistas, fiscais, técnico-administrativas e previdenciárias. A tarifa do contrato de gestão possuiria, como de fato possui, saudável finalidade atrelada ao aprimoramento qualitativo do serviço descentralizado.
Na verdade, somente a desoneração fiscal e previdenciária de Estados e Municípios serão integrais quando se orçamenta entidade descentralizada (ou privatizada) por contrato de gestão, pois as obrigações trabalhistas (salários, contribuições previdenciárias, FGTS, adiantamento de férias+1/3, adicionais de horas extras, noturno, insalubridade e etc.), e insumos para pagamento de fornecedores, estarão necessariamente abrangidos pelos repasses de custeio, sob pena de inviabilização.
Além da despesa com encargos empregatícios similar ao das fundações, as empresas que assumem serviços públicos de saúde costumam exigir repactuações e reajustes periódicos em face dos contratantes, sem a obrigatoriedade do reinvestimento de excedentes e rendas próprias, bem como uma tarifa administrativa, revelando a elevação do ônus financeiro imposto ao contribuinte no contrato-contrato de gestão terceirizada, em comparação ao contrato-convênio da gestão fundacional, o que enaltece a excepcionalidade do art. 199, par. 1º, da CF, que prevê a coparticipação subsidiária de particulares no SUS.
O Acórdão n. 680/06 do Tribunal de Contas do Paraná retratou bem a experiência da privatização indiscriminada na saúde pública brasileira:
“Nos termos da Lei Federal n.º 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde – LOS), a participação complementar da iniciativa privada só é admitida quando as disponibilidades do SUS forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população (art. 24, LOS) [...] seria adequado estabelecer, em rápidas pinceladas, os principais problemas apurados na adoção desses modelos de contratação de serviços complementares [...] aponta-se, em primeiro lugar, a inexistência de comprovação da necessidade de atuação complementar e, na mesma ordem de grandeza, a denominada precarização da gestão do trabalho do SUS, com o estabelecimento de vínculos laborais que não asseguram os direitos trabalhistas e sociais do trabalhador na área da saúde [...] utilização desregrada dos termos de parcerias e contratos de gestão [...] inexistência de fixação de metas e resultados [...] práticas em desacordo com os modelos estabelecidos para tais vinculações, podendo-se citar como exemplos a gestão total de unidades ou serviços de saúde pública, a locação de mão de obra e a ausência quase total de controles [...]
Estudo emblemático [...] o trabalho do Procurador da República Wagner Gonçalves, sobre Terceirização e Parcerias na Saúde Pública: ‘O que está acontecendo, na prática, com a terceirização dos Serviços de Saúde Pública? Não há aumento da capacidade instalada, pelo contrário. O Estado transfere suas unidades hospitalares, prédios, móveis, equipamentos, recursos públicos e muitas vezes pessoal para a iniciativa privada, que passa a dispor dos mesmos como se seus fossem, recebendo, em contrapartida, recursos públicos, gerindo-os como se particulares fossem. Não efetua sequer licitação para compra de material? Ora, no âmbito do SUS, quis a Constituição e a Lei nº 8080/90, que a iniciativa privada (com ou sem fins lucrativos) ocupasse o papel de simples coadjuvante do Poder Público. Por isso, só excepcionalmente, quando patenteada a insuficiência das disponibilidades estatais, admite-se a participação de entidades privadas na prestação de serviços de saúde no âmbito do SUS, e, mesmo assim, somente para, com sua capacidade instalada, complementar a atividade estatal, nunca para substituí-la completamente, como vem ocorrendo por intermédio das chamadas terceirizações [...] Sendo um serviço público, as ações e a execução da prestação dos serviços de saúde, dentro do âmbito do SUS, estão sujeitas às regras dos arts. 37 e 175 da Constituição Federal, no que se referem à necessidade de prévia licitação, ao recrutamento de pessoal mediante concurso público e ao respeito ao princípio da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. A não ser assim, os tradicionais instrumentos de fiscalização concebidos para evitar o desvio de recursos públicos deixarão de ser aplicados, ficando a União desguarnecida de mecanismos que possibilitem o controle sobre o uso das verbas do SUS.”
A tipagem fundacional se revela mais transparente que a privatizada devido à prestação de contas periódica ao controle externo, inclusive sobre atos de pessoal, independente das partes envolvidas no contrato de gestão e portanto imparcial.
Aliás, a avaliação de qualidade do serviço terceirizado é bastante limitada na privatização, consistindo geralmente na mera faturação do universo de atendimentos. É dizer, existem boas referências no sistema único gerido por empresas em diversas especialidades e regiões brasileiras, mas esta qualidade dependerá de variáveis mais difíceis de mensurar pelo poder público, demandando pesquisas periódicas sobre a satisfação de usuários e marcadores de eficiência gerencial diversos dos empregados na avaliação de atendimentos particulares. É o caso dos protocolos de medicamentos autorizados à prescrição no sistema único, referendados pela ANVISA, e as diretrizes do sistema de regulação de leitos, entre outros os quais os servidores estarão naturalmente mais familiarizados do que os empregados da iniciativa privada.
A autorização do art. 197 e 199, par. 1º da Constituição Federal, para a transferência do SUS à gestão privatizada ou terceirizada, constitui exceção condicionada à fundamento técnico circunstanciado, como a impossibilidade, insuficiência ou baixa eficiência da prestação realizada pela administração direta ou indireta (i). Um breve olhar sobre a legislação sobre concessões, permissões e parcerias públicos-privadas sugere ainda que a busca deste apoio deva estar atrelada à captação de investimentos (ii), reversão futura de bens do particular ao Estado (iii), e/ou conveniências fruíveis pelos usuários que, de outro modo, não seriam alcançadas pelo poder público (iv), inclusive ampliando estes espectros para atender à vantajosidade, a cada termo de inexigibilidade de licitação eventualmente pactuado com um mesmo prestador (v). A carência de pelo menos um destes fundamentos em termo de referência indicia a ausência de interesse público na privatização.
Desde os anos noventa tem sido observadas inúmeras dessas operações em moldes muito genéricos e até duvidosos no seu pressuposto delegatório, maquiando financiamentos públicos de empresas descapitalizadas e direcionadas sem licitação, desrespeitando disposições da Lei Federal n.º 8.666/93 e da Constituição, lembrando que o fomento estatal só se justifica provisoriamente, e para atividades econômicas que possam galgar autonomia própria. As suspeitas também recaem sobre a dilatação “ad aeternum” de cargos de indicação política, criação de postos de trabalho para utilização como moeda eleitoral, propinas por contratos em essência administrativos, obstrução de concursos e de convocações de candidatos aprovados, entre outros ilícitos constatados por órgãos ministeriais e Tribunais de Contas.
Há quem diga que os Municípios e Estados com melhor condição sócio-econômica e maior demanda por atendimentos médico-ambulatórios jamais deveriam limitar-se a um único modelo gerencial, devendo reparti-lo entre a administração direta, indireta fundacional e privada, a fim de estimular trocas de experiência e defender a soberania governamental de pressões corporativas indevidas, eventualmente orquestradas por servidores ou delegatários do serviço público.
Ocorre que a concomitância de regimes de emprego público e emprego privado em unidades de saúde similares, diferentemente do entendimento anti-equiparatório consagrado para com os estatutários [TST: OJ 297 SDI-1; RR-1210-58.2012.5.04.0025], apresenta séria iminência condenatória. Mesmo ofensas salariais anti-isonômicas com fundamento direto na Constituição, sem recorrer à equiparação regulamentada na CLT, já foram objeto de inúmeros inquéritos e ações bem sucedidas de Procuradoria Regionais do Trabalho contra Municípios e Estados nas últimas duas décadas, provando-se falho o esquema.
Outro argumento usualmente sustentado para privatizações do SUS refere-se à (necessidade de) concorrência, mas diferentemente dos hospitais privados que de fato competem entre si pelos pacientes de planos de saúde ou pelos que podem pagar por atendimentos, a competição por usuários do sistema único é intrinsicamente inviável. Os pacientes são direcionados aos prestadores por região, nível de complexidade e especialidade, numa rede ampla e regionalizada de atendimento integrada, desmistificando a receita de múltiplos atores como intrinsicamente geradora de eficiência.
Muitas das empresas de gestão hospitalar, fornecimento de mão-de-obra e insumos hospitalares, apresentam um elemento comum de faturamento restrito à contratação com a administração pública, as vezes mantendo apenas um ou poucos contratos com Municípios, sem atuar no mercado de consumo. Isto se revela inadequado para o ente federativo, num contexto em que seja necessário rescindir unilateralmente a avença e executá-la por inadimplemento, pois exige-se solvência do particular e bens desembaraçados, o que não parece o caso de alguns escritórios gerenciando equipamentos públicos afetados de Municípios “clientes”.
Um alto grau de cartelização, com poucos fornecedores, recomenda que o edital de seleção de propostas sempre procure estabelecer uma exigência de declaração sobre contratos com particulares firmados pelos licitantes, aptos à comprovação de capital de giro próprio e atuação no mercado de consumo, para além da integralização das participações societárias no contrato social. Cláusulas de seguro e garantias reais também auxiliam a evitar fraudes e prejuízos neste sentido.
Ainda sob a perspectiva subsidiária dos arts. 197 e 199 par 1º da Constituição, há que se atentar para os riscos de incrementar a transferência do SUS à empresas, -- mesmo as bem estruturadas e intencionadas --, para além do desejável, comprometendo a composição privada de seu capital, o que a médio e longo prazo tende a provocar indevida dependência e mascarar problemas que o Estado não terá poder de ingerência para resolver, devido à autonomia absoluta do particular e a feição essencialmente contratual da relação jurídica com ele estabelecida, inclusive prevendo multas. Em situações mais graves, pode levar à insolvência do negócio por retração do fluxo de atendimentos e aporte de recursos. Há casos bem conhecidos de falências hospitalares Brasil afora com este retrospecto.
Na descentralização do SUS às fundações, além da desoneração do pagamento de aposentadorias do regime próprio, há possibilidade de Estados e Municípios faturarem com tarifas de planos de previdência complementar de servidores celetistas. Outrossim, podem amealhar integralmente o produto da arrecadação do Imposto de Renda recolhido na fonte sobre salários dos empregados públicos e estatutários cedidos com ônus para a entidade de destino, nos termos do art. 158, inciso I da Constituição Federal, o que não ocorre com as empresas hospitalares, qualificadas ou não como Organizações Sociais, em que o IRPF sobre a folha deve ser recolhido à Receita Federal da União.
VI. Imunidade contributiva.
As Fundações Estatais estão aptas a obter o reconhecimento da imunidade das contribuições sociais para o sistema ‘S’, PIS e cota patronal das contribuições previdenciárias, a partir de certificação (CEBAS) obtida perante o Ministério do Desenvolvimento Social, declarando a finalidade “de assistência social sem fins lucrativos”. Como se trata de entidades orçamentariamente dependentes, a economia gerada acaba sendo fruída pelo ente instituidor.
O art. 195, par.7º da Constituição prevê a imunidade das entidades “beneficentes de assistência social”. Apesar da lucidez do dispositivo, sugerindo que bastaria a comprovação do objeto social sem finalidade lucrativa, mais por política fiscal repressiva contra sonegadores em fraude e menos por tecnicidade jurídica, decidiu o governo federal editar lei regulamentando o preceito imunizante, como se isenção fosse. A Lei Federal n. 12.101/2009 criou uma série de exigências burocráticas para a instrução do processo administrativo que culmina na publicação da portaria de concessão.
O STF veio se manifestando pela constitucionalidade de sobredita “regulamentação” da imunidade, pelo menos até que o julgamento do Recurso Extraordinário n. 566.622, afetado em repercussão geral, e das ADIns 2028, 2038, 2228 e 2621, afirmassem a tese de que esta imunidade teria que ser regulamentada por lei complementar, portando entendendo a inconstitucionalidade formal da lei ordinária do CEBAS.
A partir de tal cenário, bastaria preencher os requisitos do art. 14 do Código Tributário Nacional, quais sejam, comprovar a ausência de distribuição de lucros ou patrimônio (I); aplicar rendas no país e nos objetivos institucionais (II); cumprir obrigações acessórias e manter a contabilidade regular (III). Isto estaria manifesto nos atos constitutivos das Fundações Estatais, afetadas perpetuamente ao SUS municipal ou estadual, declaradas de assistência social e utilidade pública, vedada a percepção de lucro e imposto o reinvestimento das receitas geradas.
VII. O regime jurídico de emprego público. Instrumentos Coletivos. Processo Disciplinar. Estabilidade e perspectivas.
Já se nota que os pressupostos elementares para a reengenharia do aparato estatal brasileiro a partir de fórmulas de Direito Privado teve mais a ver com a desburocratização, economia e eficiência de gestão. A área de saúde, por envolver emergências e urgências médicas, sempre demandou maior agilidade nas compras de medicamentos, dietas e equipamentos hospitalares. A estrutura orgânica tradicionalmente mais complexa da administração direta, influindo em demasia sobre o tempo de trâmite dos processos de licitação, contratações e rescisões de fornecedores e servidores, provou-se inadequada. Por outro lado, a crescente necessidade de reduzir o impacto de pessoal nas contas públicas (ou quadros de remuneração muito superiores à inflação e elevação do PIB), a rotatividade e multiplicidade de vínculos de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, reforçaram a formalidade moderada do vínculo trabalhista como uma boa opção para o SUS – talvez, como será pontuado mais adiante, para todo o serviço público.
A celebração de Acordos Coletivos e aderência à Convenções Coletivas de Trabalho intersindicais permitem às Fundações Estatais estabular regras ágeis e afinadas às demandas técnicas das escalas de plantões, sobreavisos, jornadas noturna e extraordinária (vulgo cláusulas sociais), além de compatibilizar pretensões salariais diretas e indiretas (econômicas) aos processos de inflação e deflação monetária e arrecadação tributária, evitando progressões do custo-pessoal desvinculadas das realidades financeiras regional e nacional.
A exigência de concurso público e motivação para a rescisão do contrato de emprego público [STF: RExt 58998; TST: Súmula n.º 390], não desnaturam a incidência das disposições da CLT, parcialmente derrogada.
A jurisprudência majoritária tem assinalado a importância de instituir processos de sindicância e disciplinar para a apuração e imputação de faltas disciplinares passíveis de suspensão e rescisão por justa causa (art. 482, CLT), a fim de garantir o contraditório, a ampla defesa, e um sancionamento tanto quanto possível isento e proporcional. A rescisão sem justa causa será aplicada na avaliação insatisfatória de desempenho; multiplicidade não autorizada de vínculos públicos; e redução de despesas.
Curioso observar a semelhança das hipóteses de exclusão dos empregados públicos do serviço na Lei Federal n. 9.962/2000, às dos servidores estatutários da Lei Federal n. 8.112/90 e simulacros regionais, a indicar que tanto o discurso generalizado de “impossibilidade de demissão” quanto o de “ausência de estabilidade” dos empregados públicos ignoram a legislação vigente.
As dificuldades de desligamento em algumas repartições usualmente têm relação direta com sobrecargas de serviço das Comissões de Apuração e Imputação, o que pode ser resolvido por descentralização e multiplicação. Uma proposta ideal estaria aproximadamente em torno de uma Comissão de três servidores para cada mil funcionários. Nos menores Municípios, problemas de imputação (e reintegração) devem estar mais ligados à ausência de treinamento e adoção da tese que generaliza a desnecessidade de processamento.
Há que se refletir o conceito de estabilidade por algumas nuances definidas doutrinária e jurisprudencialmente. Há dois tipos de estabilidade, uma por prazo indeterminado afeta ao cargo ou contrato de emprego público, e outra orgânica e provisória, como a dos membros de Comissões Internas de Previsões de Acidentes (CIPAs), a dos empregados em gozo de licença-maternidade ou auxílio-doença.
Quanto à modalidade estabilitária permanente, considerando o atual estágio da matéria julgada em diversas instâncias, trata-se do direito adquirido, após o transcurso de três anos no serviço público, de só ser demitido (no caso do servidor estatutário), ou dispensado (no caso do empregado público), mediante demissão a bem do serviço, ou justa causa apurada em processo administrativo disciplinar, respectivamente; ou sem justa causa, por avaliação insatisfatória de desempenho, em ambos os casos devendo ser concedida a ampla defesa e o contraditório. A terceira hipótese consiste na sentença judicial transitada em julgado.
Desnecessário reproduzir o formalismo exagerado dos processos judiciais, bastando um rito de sindicância, um de PAD sumário que se baste na prova documental e outro que comporte e dependa de prova oral, com oportunização de defesa prévia pós-imputação (a fim de revelar álibis inexoráveis ou demandar correções de tipificação e indicar provas); razões finais e um recurso, já considerando todo o conglomerado probatório produzido. As Comissões de PAD emitem Pareceres que poderão ser ratificados, ou retificados pela autoridade máxima (Diretoria-Geral) na hipótese de manifesta contrariedade às provas produzidas.
Objetivamente, a estabilidade busca conferir transparência às decisões de gestores com poder subordinante, lembrando que, diferentemente de empresários, não são detentores dos recursos disponíveis e devem agir desapaixonadamente, desvinculados de preferências ou desafetos pessoais, a bem do interesse público. A instituição de Comissões Processantes de caráter opinativo e previamente instituída à conduta imputada é marca desta tentativa de tornar impessoal o ato de processamento, o que absolutamente se perde na edição de um ato unilateral da própria autoridade decisória.
Parece consistente o entendimento de que inexistiria ato administrativo funcional sem processo, após a Constituição de 1988, pois só ele garantiria defesa e transparência de uma decisão sindicável externamente.
Também se estrutura a estabilidade sobre uma outra concepção objetiva de que o serviço público deve ser imunizado de oscilações e transições muito bruscas, evitando ao máximo o turn over de pessoal e a consequente perda de experiências herdáveis institucionalmente. O princípio da continuidade do serviço público também estaria amparado no contexto estabilitário.
Sob o aspecto subjetivo, convém observar que nem sempre uma ordem judicial de reintegração será capaz de reconstituir o meio ambiente psicológico do trabalho irrompido por uma traumática decisão administrativa ilegal ou imoderada. O tempo de trâmite de uma ação na justiça, a inibir o sustento de um servidor, somado à presunção de legitimidade de um ato unilateral de dispensa sem retratação numérica, podem provocar repulsa às noções mais elementares de justiça sobre quem se sujeitou à hoje tão árdua espátula do concurso de provas ou provas e títulos, inibindo o estado de ânimo para o retorno ao posto, além de provocar impressões equivocadas de colegas de trabalho, de difícil reversão.
Alguns imaginam que haveria desvantagem competitiva das estatais, em relação à iniciativa privada, por conta desta limitação qualificada da dispensa arbitrária no regime de emprego público, para além do FGTS. Esquecem que a cúpula das estatais, com muito maior vigor que as empresas, estruturam – infelizmente ainda estruturam -- sua administração por comissionamento, para muito além das restritas hipóteses autorizativas de direção, chefia e assessoramento, abusando do critério de empatia pessoal e afinidade política para transformá-las em sinais de qualidade ou defecção.
Evidentemente, quanto bem utilizados, os cargos comissionados são capazes de atrair mão-de-obra experiente de alta especificidade técnica, dificilmente selecionável pela via de um concurso.
A Súmula n. 390 do TST consolidou jurisprudência uniforme no sentido de que o exercício do serviço público (na administração direta, em autarquias e fundações), conferiria o direito à estabilidade do art. 41 da Constituição ao empregado público concursado, pendendo divergências se só seria aplicável ao servidor contratado até a EC19/98. Já o empregado contratado para o exercício de atividade econômica (em sociedades de economia mista e empresas públicas), ainda que provido mediante concurso, não deteria estabilidade, podendo ser dispensado sem justa causa e sem necessidade de motivação.
No entanto, por ocasião do Recurso Extraordinário n. 58998-PI, afetado em repercussão geral, o STF consignou o entendimento meridiano de que a dispensa dos empregados dos Correios, que é empresa pública, deveria ser motivada, a fim de atender ao princípio da impessoalidade, ainda que consubstanciada num ato (administrativo) unilateral do empregador, haja vista a menção expressa da desnecessidade de processo disciplinar.
Por hora, como a jurisprudência de primeiro e segundo graus majoritárias enxergam que o ato administrativo funcional demanda contraditório e ampla defesa mediante processo administrativo, a maioria das estatais acaba regulamentando sindicância e processo disciplinar para a dispensa de empregados públicos concursados.
Por certo o tema ainda sofrerá desdobramentos, tendendo o Supremo a reiterar a necessidade de motivação expressa, ou até mesmo recomendar ao Congresso ou definir de uma vez, possivelmente resolvendo distorções sobre o regime dos advogados concursados das Fundações Estatais e de Conselhos de Fiscalização Profissional, quais seriam as funções de Estado passíveis de inequívoca estabilidade.
Uma decisão de tal jaez poderia, na linha de abolição do regime único e convivência harmônica entre regimes funcionais existentes numa mesma entidade ou órgão (o que na prática já ocorre), influenciar futuras restrições de utilização do regime estatutário, revertendo a amplitude exagerada que hoje tanto compromete a capacidade de investimentos da União, Estados e Municípios. Legar à categorias profissionais que não exerçam funções de Estado o regime celetista não estabilitário, inclusive na própria administração direta. Na área de saúde estariam aí abrangidos médicos em geral, engenheiros, dentistas, assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e demais empregos não administrativos de nível superior, e todos os empregos de nível técnico.
Aparentemente, só constituem funções/carreiras de Estado aquelas cuja atribuição ordinária seja a de emitir opiniões técnicas que eventualmente contrariem interesses governamentais e estejam objetivamente sujeitas à tentativas de ameaça, inculcação, cooptação ou corrupção (Juízes, Membros do Ministério Público e da Advocacia Pública, Administradores Públicos lotados em cargos sujeitos à pressões do poder político interno ou econômico externo, Controladores, Pregoeiros, Auditores, Fiscais, Policiais Civis e Militares, integrantes das Forças Armadas), e alguns outros providos mediante concurso que exijam formação e exercício a longo prazo, na representação externa do Brasil no exterior, p. ex., Cônsules e Diplomatas.
Atualmente, sob regime celetista nas Fundações Estatais, podem ser apontadas como funções de Estado as carreiras concursadas de Médico Regulador, Médico do Trabalho e Engenheiro do Trabalho, Controlador Interno, Contador, Auditor (de escala e ponto), Pregoeiro e Advogado.
Tanto a avaliação de desempenho quanto o processo de redução de despesas também precisam observar a impessoalidade, sendo pertinente que a administração informe os critérios de avaliação com antecedência, e atenda previamente aos ditames de amortização previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Antes que seja preciso apelar para mecanismos extremos da LRF e rescisões voltadas à redução de gastos, convém que os entes federativos mapeiem adequadamente os quantitativos de pessoal por órgão e entidade, utilizando-se da Lei de Diretrizes Orçamentárias para limitar tetos específicos e localizados de gastos com pessoal, o que certamente permitirá identificar e resolver excessos de cargos e vencimentos em diversos órgãos, e carências em outros.
VIII. Dotação e reinvestimento no contrato de gestão das FEST.
Há quem acredite que a previsão de dotação orçamentária possa desestimular o cumprimento das metas de desempenho pelas Fundações Estatais, o que é inverídico. É que as metas precisam ser discriminadas, precificadas e destacadas do repasse dirigido ao custeio, este integrado pelos insumos e folha de pagamento de pessoal no contrato de gestão. Só assim é possível identificar e estimular o atingimento dos graus e modos de eficiência pretendidos. Tanto o aperfeiçoamento dos métodos de trabalho quanto a demarcação de déficits a corrigir dependem disto, materializando um controle finalístico eficaz e objetivo das Secretarias de Saúde.
No ponto, aliás, os contratos de gestão das Fundações Estatais se diferem positivamente dos contratos de gestão das Organizações Sociais, pois as primeiras são obrigadas a reinvestir toda a receita gerada pelo atingimento das metas de desempenho no próprio serviço público, enquanto as últimas podem direcioná-la ao incremento de lucros não formalizados, remunerações extravagantes de diretores, e outros apelos internos.
O reinvestimento decorrente da realização das metas de desempenho deve ser regulamentado, vinculando-se preferencialmente à compra ou reparação de equipamentos de saúde (i); estipulação de prêmios por projetos de capacitação ou soluções setoriais, incluindo a participação de servidores (ii); contratação de produtos financeiros aptos a gerar receita e servir de lastros redutores de juros de financiamento (iii); e formação de reservas técnicas emergenciais (iv), sob pena de absorção orçamentária desvinculada de efeito propagador e catalizador de boas práticas assistenciais – finalidade última da descentralização.
IX. Dispensa de inclusão dos gastos com pessoal das Fundações Estatais nos limites prudenciais globais do orçamento do Poder Executivo, por pré-fixação setorial de órgãos e entidades na LDO.
Não se têm pronunciamentos homogêneos definitivos de Tribunais de Contas regionais a respeito da inserção dos gastos com pessoal das FEST na rubrica correspondente do orçamento geral, embora mereçam avaliação o Parecer do Tribunal de Contas da União no TC 023.410/2016-7, em resposta à consulta formulada pelo Congresso Nacional; e o Acórdão proferido na ADIn n. 1.923, pelo Supremo Tribunal Federal, ambos envolvendo análise de sujeição de gastos com pessoal das Organizações Sociais que atuam no SUS, nos limites prudenciais da LRF.
Uma primeira ressalva refere-se à interpretação de que o serviço público transferido às OSs não seria terceirizado, escapando ao par. 1º do art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que impõe o cômputo como “outras despesas de pessoal”, quando a mão-de-obra a contratar se refira à substituição de servidores e empregados públicos. O argumento condensado na Ementa/item 8., foi o de que, verbis,
“nem todo gasto com terceirização de mão de obra o legislador elegeu para fazer parte do cálculo do limite de despesa com pessoal. Se a norma restringe os casos de contabilização dos gastos com terceirização, com maior razão conclui-se que as despesas com contratação de organizações sociais não devem ser computadas para finalidade do art. 19 da LRF."
É óbvio que a norma legal esteve calcada na subsidiariedade prevista nos arts. 197 e 199, par. 1º da Constituição, e que procurou evitar que a exceção da privatização se tornasse regra, figurando como requisito implícito a insuficiência dos quadros existentes de servidores para a contratação de empresas gerenciadoras de mão-de-obra, por definição, terceirizadas, ou melhor, terceirizadoras ou interpostas pessoas entre tomador e empregados – a melhor doutrina observa a impropriedade terminológica.
Neste sentido a Decisão 2753/2015 do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), e a Decisão 13/12/2006, do Tribunal de Contas do Mato Grosso, citadas no próprio corpo do opinativo do TCU, concluindo que a terceirização de serviços envolvendo o componente de mão de obra que caracterize substituição de servidor e empregado público deva ser contabilizado como Outras Despesas de Pessoal e portanto inserido no limite de despesas respectivo do Poder ou órgão contratante, seguindo os termos do §1º do art. 18 da LRF.
A ilação é intuitiva, sequer precisando apelar ao interesse do funcionalismo protegido pela norma, pois não seria concebível supor que tantos controles impostos à administração direta e indireta, a fim de dar cabo da transparência/publicidade do gasto público, pudesse simplesmente ser dizimada quando estes recursos fossem transferidos a uma empresa qualquer. Chame-se esta transferência de “terceirização”, “privatização” ou seja lá o que for ...
Um aspecto comumente valorado negativamente na dotação orçamentária de entidades descentralizadas diz respeito justamente à inserção do custo de pessoal no cômputo da limitação prudencial dirigida ao ente federativo correspondente. O tema é polêmico, mas ainda que se considere que os quadros das fundações deva somar-se ao dos Estados ou Municípios, o limite a observar seria o global de 54% sobre a receita corrente líquida dirigido ao respectivo Poder Executivo (o Legislativo 6%), conforme art. 20, III, “b” da Lei de Responsabilidade Fiscal, não havendo tetos específicos “por” entidade descentralizada, embora possam ser instituídos nas Leis de Diretrizes Orçamentárias locais [V. SP-TC-002019/026/13; Também O Tribunal (de Contas de São Paulo) e as entidades da administração indireta municipal. 2006. Disponível em <www.tce.sp.gov.br> ].
Vale a pena repisar que a falta de uma tal diretriz de limitação de gastos com pessoal por Poder, entidades e órgãos, incluindo a administração direta -- e nada jamais o impediu -- pela sucessiva legislação sobre responsabilidade fiscal que foi sendo editada (LCs 82/95, 96/99 ...), continua sendo um componente importante, senão o principal, da explosão da dívida pública brasileira nas últimas décadas. Só a transparência evita abusos e desequilíbrios. Acaso acompanhada de avaliações mais minuciosas das demandas técnicas de pessoal, por comissões horizontais independentes de pressões corporativas, o discrimen resolveria as tradicionais hipertrofias e carências de mão-de-obra ligadas à empatia ou proximidade burocrática de governo.
Mais que isto, uma limitação de gastos com pessoal específica para as Fundações Estatais, pré-fixada na LDO de Estados e Municípios, poderia tranquilamente subsidiar a desnecessidade de que os seus quadros precisem estar inseridos nas outras despesas com pessoal do ente político afetador, já que o propósito da norma não é outro que não o de evitar evoluções desmedidas no número de servidores e o comprometimento orçamentário com vencimentos e salários --- e estaria atendido. Estratagemas contábeis como inserir fundações e privatizadas como prestadores de serviço obscurecem as já mencionadas distorções, e não se sustentam.
Além disso, convém registrar que a Diretoria-Geral e Executiva das Fundações Estatais não possuem autonomia para deliberar aumento de despesas, dependendo de aprovação do Conselho Curador cuja composição costuma observar interesses do Prefeito ou Governador, havendo de fato pouco risco de excedentes.
X. Controles internos e externos.
O Sistema Único de Saúde administrado pelas Fundações Estatais é fiscalizado por diversas instâncias. Há ouvidorias internas instaladas nas redes de saúde, captando impressões de usuários. Existe um controle interno transversal por imposição legal, em tempo real, conectado com o controle externo do Tribunal de Contas, estabelecendo um marco de adaptações jurídico-econômicas pretérito à própria apresentação das contas, portanto mais próximo da dinâmica do serviço e da execução orçamentária, permitindo correções que previnem desajustes.
Os Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde, e as Secretarias de Saúde, exercem o controle finalista (concomitante e a posteriori), por intermédio de um Conselho Curador responsável pela aprovação das despesas, exceto as de pequena monta ou urgentes que possam materializar-se ad hoc. A supervisão das finalidades estatutárias também é aferida pelo Conselho Curador, cuja composição heterogênea – integram-no o Secretário de Saúde, representantes de usuários, empregados, do Conselho Municipal de Saúde e Diretoria-Executiva – garante um tônus democrático às deliberações.
Por fim, o Poder Judiciário estabelece a pauta de decisões que terão que ser observadas e recomendarão alteração de posturas.
Sem considerar as pequenas variações entre as Fundações Estatais que atuam no território nacional, este é o desenho que essencialmente lhes caracteriza ou deve caracterizar. As opiniões e impressões externadas são fruto de estudos e reflexões pessoais e não representam manifestação de cunho institucional.