O presente texto objetiva debater os aspectos processuais da prestação alimentar sob a seguinte perspectiva: é possível cumular o pedido de alimentos com outro(s) relacionado(s) às ações de família numa mesma demanda judicial ou deve haver fracionamento de ações?
Caminhando entre o rito especial e o rito comum (com pedidos cumulativos), o artigo seguirá seu rumo.
As ações de família ganharam capítulo próprio (X) no Código de Processo Civil (CPC) de 2015 como procedimentos especiais de jurisdição contenciosa (Título III), consoante artigos 693 a 699, abordando a fase inicial autocompositiva, após a qual incidirão as normas do rito comum (arts. 318, caput e parágrafo único, 335, 697, todos do CPC), no caso de não realização de acordo.
Esse procedimento especial reforçou o comprometimento com a solução judicial consensual (arts. 3.°, §§ 2.° e 3.°, 139, inc. V, 334 e 694, do CPC), como já era previsto como função institucional prioritária da Defensoria Pública, de modo extrajudicial (art. 4.°, inc. II, da LC n. 80/94 – LONDP –, c/c LC n. 132/2009).
Também, previu que o mandado de citação e intimação para audiência de conciliação/mediação (ou outro método adequado de solução do conflito) deverá estar desacompanhado de cópia da petição inicial (contrafé), “assegurado ao réu o direito de examinar seu conteúdo a qualquer tempo” (frase final do § 1.° do art. 695 do CPC), privilegiando-se a desconstrução do conflito, a reconstrução do diálogo e a coconstrução da solução, sem o agravamento das disputas e acirramento do estado de emoções.
Ademais, para a busca da solução autocompositiva o julgador poderá se municiar de apoio de especialistas e de profissionais de outras áreas de conhecimento, como Centros de Apoio Psicossociais (CPAs), Equipes Multidisciplinares, CRAS, CREAS, psicólogos e assistentes sociais, visando à busca do acordo e do diálogo, bem como à identificação de conflitos familiares, tais como abuso/alienação parental (art. 699, CPC), abandono de incapaz (material, moral, escolar), situações de vulnerabilidade e demais temas que orbitam essa seara jurídica.
Nos processos de família, por via de regra, não mais se discute afeto e amor, senão os resquícios deles, quiçá a monetarização/patrimonialização do afeto, cabendo aos profissionais do direito a contenção positiva e funcional de discursos de ódio, ignominiosos, inflamados e apaixonados[1], com o escopo de evitar o agravamento da situação que chega até as portas do Judiciário e do Sistema de Justiça, pois “a paixão nubla a racionalidade” (PACHÁ, 2014, pág. 90)[2], impedindo-se uma solução consensual, sempre mais favorável aos interesses das partes e dos envolvidos, direta ou indiretamente.
O procedimento especial das ações de família tem como objetivo, pois, a efetivação do princípio da adequação do processo, devendo as formas rituais ajustar-se às necessidades do objeto material, das partes e dos fins perseguidos.
Os alimentos estão previstos, a princípio, na Lei n. 5.478/68, editada à época da Constituição brasileira de 1967, isto é, durante a ditadura militar (1964-1985) e vinte (20) anos antes da promulgação da Constituição Democrática (CRFB) de 1988 (05/10/88), prevendo rito especial simplificado e desburocratizado para as ações de alimentos, sem necessidade de prévia distribuição e de anterior concessão de gratuidade judiciária (Lei n. 1.060/50 e CPC/2015), com audiência una e contínua, e com avaliação judicial automática dos alimentos provisórios (arts. 4.° e 13, parágrafos).
Calha registrar que o art. 27 da Lei de Alimentos determina a aplicação supletiva do Código de Processo Civil aos processos regulados pela legislação especial (à semelhança do art. 15, do CPC).[3]
Logo, quando uma demanda judicial versar tão somente sobre prestação alimentar em favor de pessoa capaz ou incapaz, oriunda de parentesco, poder ou entidade familiar, deverá tramitar sob o rito especial da Lei de Alimentos, com suas facilidades, praxe desburocratizante e celeridade (duração processual razoável – art. 5.°, inc. LXXVIII, da CRFB, c/c EC n. 45/2004).
Entrementes, se o pedido de prestação alimentar estiver cumulado com outro (s) em ações de família, qual deverá ser o rito aplicável?
Aqui entra o foco do debate em razão das posturas judiciais habituais de não aceitação do rito comum para os pedidos cumulativos próprios (simples ou sucessivos) ou impróprios (eventuais/subsidiários ou alternativos) envolvendo alimentos e outros (divórcio/separação, reconhecimento e extinção de união estável, em vida ou pós-morte, guarda/convivência, investigação/reconhecimento de parentalidade etc.).
O parágrafo único do art. 693 do CPC, com redação dada pela Lei n. 13.105 (novo CPC/2015), prevê que “a ação de alimentos e a que versar sobre interesse de criança ou de adolescente observarão o procedimento previsto em legislação específica, aplicando-se, no que couber, as disposições deste Capítulo”.
Como dito anteriormente, em se tratando de pedido único de prestação alimentar, naturalmente que o procedimento aplicável será o especial da Lei de Alimentos, dada a adequação processual às particularidades das relações familiares e de parentesco, tendo aplicação supletiva do CPC naquilo que não for incompatível (art. 27 da Lei n. 5.478/68).
Ocorre que não é incomum que a prestação alimentar orbite outras demandas familiares, tais como as previstas no caput do art. 693 do CPC e outras, já que o rol é meramente exemplificativo (Enunciado n. 72 do FPPC[4]), cabendo aplicação do procedimento especial de jurisdição contenciosa a outras ações envolvendo o Direito das Famílias.
Então será cabível a cumulação dos pedidos com aplicação de rito mais amplo?
A resposta, naturalmente, é positiva, mormente com a vigência do CPC de 2015, o qual reformulou o sistema processual com o artigo 327, § 2.°, prevendo que “quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum”.
Ou seja, mesmo os pedidos indicando tipos diversos de procedimento (especial e comum), se a parte autora empregar o rito comum (art. 318, CPC), mais amplo por natureza, não mais dividido em ordinário e sumário (como faziam os arts. 274 e 275 do CPC de 1973), será possível cumular os pedidos de alimentos com outras demandas familiares, bem como empregar as técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais, desde que haja compatibilidade com as disposições do rito comum, isto é, adequação de todos os pedidos com o procedimento comum, conforme art. 327, inc. III, do CPC, mesmo não havendo conexão entre eles (frase final do caput do art. 327 do CPC).
Nesse sentido defende Rafael Calmon (2017, págs. 80-1) que “...caso haja necessidade de se cumularem pedidos que se processam pelo rito das ações de família com outros para os quais a lei prevê determinado rito especial ou o próprio rito comum, este último deve ser empregado, mas sem impedir que técnicas diferenciadas eventualmente contempladas por aquele sejam utilizadas”[5].
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), nos autos da Apelação Cível n. 70072416100, 8.ª Câmara Cível, DJ 29/03/2017, assegurou o rito comum numa demanda de conversão de separação judicial em divórcio com pedido de revisão de alimentos e regulamentação de visitas, apontando a previsão do art. 327, §§ 1.° e 2.°, do CPC, como base argumentativa e normativa.
Antes até do CPC/2015, o próprio TJ-RS entendia nesse mesmo sentido, como assegurou nos autos da Apelação n. 70060348760, 7.ª Câmara Cível, DJ 17/07/14, num caso de extinção de união estável e divórcio, bem como de guarda e alimentos.
Seguiu o mesmo rumo o TJDFT nos autos do Agravo de Instrumento (AI) n. 1084692, 8.ª Turma Cível, DJe 03/04/2018, garantindo a possibilidade de cumulação de prestação alimentar em favor de filho comum das partes numa demanda de reconhecimento e extinção de união estável.
Assegurando os princípios da economia processual, da instrumentalidade, da rápida solução dos litígios e da celeridade, sem necessidade de ingresso com duas demandas judiciais, e desde que haja a mesma competência jurisdicional, o TJ-SP julgou o AI autuado sob o n. 2224494-52.2016.8.26.0000, 4.ª Câmara de Direito Privado, DJe 07/12/2017, permitindo a cumulação de prestação alimentar em demanda de reconhecimento/extinção de união estável com fixação de guarda de filhos menores.
Um argumento comum no sentido da necessidade do fracionamento das ações, com rito especial para alimentos e rito especial/comum aos demais pedidos familiares, é no sentido do comprometimento da rápida solução do litígio ou prejuízo à defesa da parte contrária.
O rito comum, dada sua amplitude, permite uma maior defesa da parte demandada, com audiência de autocomposição, prazo para defesa/resposta, especificação de provas e amplitude de produção probatória, alegações finais orais ou por memoriais, atividade recursal plena etc., não havendo qualquer mácula ao devido processo legal, sobretudo ao contraditório e à ampla defesa (art. 5.°, incs. LIV e LV, da CRFB).
A rápida solução do litígio não é comprometida, notadamente em razão de pedidos de urgência, como alimentos provisórios, os quais poderão ser apreciados de ofício e de imediato pelo julgador (art. 4.° da Lei n. 5.478/68), independentemente de comprovação do requisito da urgência previsto nos artigos 294 a 310 do CPC, dada a aplicabilidade das “técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais” (art. 327, § 2.°, CPC), como também é o caso de julgamento imediato/antecipado parcial do mérito no caso de divórcio e outros pedidos familiares (art. 356, CPC).
Não resta dúvida, portanto, acerca da possibilidade da cumulação dos pedidos de prestação alimentar e demais pretensões familiares (art. 693, CPC) numa mesma demanda, mesmo sem conexão (art. 327, caput, CPC), mas desde que adequados ao rito comum e compatíveis com este, empregando-se, ainda, as técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais (como a Lei de Alimentos – Lei n. 5.478/68), assegurados os direitos e interesses da parte demandante e protegida a ampla defesa da parte demandada, respeitando-se o novo sistema processual civil brasileiro.
Notas
[1] Para Leandro Karnal, as palavras “ferem, palavras são armas, são o prenúncio de violências maiores” (Todos contra todos: o ódio nosso de cada dia. Rio de Janeiro: LeYa, 2017, pág. 49), por isso a necessidade de contenção, não autoritária, das palavras em sessões e audiências de autocomposição, evitando a frustração do acordo mediante irrupções apaixonadas e não contidas a tempo e a modo.
[2] PACHÁ, Andréa Maciel. Segredos de justiça: disputas, amores e desejos nos processos de família narrados com emoção e delicadeza por uma juíza. Rio de Janeiro: Agir, 2014.
[3] CPC, Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.
[4] Enunc. n. 72 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “O rol do art. 693 não é exaustivo, sendo aplicáveis os dispositivos previstos no Capítulo X a outras ações de caráter contencioso envolvendo o Direito de família”.
[5] CALMON, Rafael. Direito das famílias e processo civil: interação, técnicas e procedimentos sob o enfoque no Novo CPC. São Paulo: Saraiva, 2017.