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Parcelamento judicial do crédito exequendo à luz do novo Código de Processo Civil

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24/10/2018 às 14:10
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3 NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DO EXECUTADO AO PARCELAMENTO

Como visto no item precedente, não há no dispositivo legal em estudo qualquer exigência quanto à necessidade da obtenção da anuência do credor para que o parcelamento seja concedido ao devedor.

Com a apresentação da proposta de parcelamento, o exequente será intimado apenas para manifestar-se sobre o preenchimento dos pressupostos do legais, ou seja, sobre a comprovação do depósito prévio de, no mínimo, 30% (trinta por cento) do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado; sobre a tempestividade do pleito, que deverá ter sido formulado no prazo dos embargos; e sobre a forma de parcelamento do restante do débito, que deverá ter sido feita em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês.

Nesse contexto, cumpre reiterar que o art. 916, § 1º, foi expresso ao estabelecer que o exequente será intimado para manifestar-se sobre o preenchimento dos pressupostos do caput, não para dizer se concorda, ou não com o pedido de parcelamento da dívida.

Diante disso, questionam os estudiosos do direito se a aceitação do credor em receber parceladamente seu crédito é, ou não, requisito para a concessão dos benefícios do art. 916 do CPC ao executado.

Para que se possa ter uma reposta satisfatória a esse questionamento, é necessário compreender, em primeiro lugar, qual a natureza jurídica do direito do devedor ao parcelamento judicial do art. 916 do CPC.

Para uma corrente doutrinária[27], o parcelamento do débito constitui um direito potestativo do devedor, caso o seu requerimento atenda aos requisitos previstos no art. 916 do CPC, de sorte que, ainda que haja discordância do credor, não poderá o juiz indeferi-lo.

Além disso, sendo o parcelamento judicial do crédito exequendo um direito potestativo do devedor, também não há espaço para que o juiz atue de forma discricionária.

O papel do juiz, nesse caso, restringe-se a averiguar o preenchimento dos requisitos legais, devendo conceder o parcelamento, se tais pressupostos estiverem presentes, ou denegá-lo, caso contrário.

Nesse contexto, é oportuno consignar a lição proferida por Cássio Scarpinela Bueno sobre o artigo correspondente do CPC revogado[28]:

Em função do que escrevi até agora é que me parece a melhor interpretação para o art. 745-A a de entender a iniciativa do executado como vinculante para o exequente e para o próprio juízo, é dizer: desde que sejam observados os pressupostos da lei, não há como o exequente não aceitar a moratória que não poderá ser recusada pelo juízo, que deverá ser deferida.

Destaque-se, ainda, a exposição feita por Rodrigo Barioni após a publicação da Lei n.º 13.105, de 16.03.2015[29]: “percebe-se que o CPC de 2015 optou por considerar o parcelamento direito potestativo do executado, isto é, impõe a sujeição do exequente, quando preenchidos os requisitos legais.”

Para outra corrente[30], porém, é imprescindível a concordância do credor quanto ao pedido de parcelamento da dívida, já que a cobrança do débito integral constitui um direito subjetivo do credor, nos termos dos artigos 313 e 314 do Código Civil que estabelecem, respectivamente, que “O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa” e que “ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou”.

Uma terceira corrente[31] defende que há discricionariedade do magistrado para conceder, ou não, o parcelamento.

Os defensores dessa teoria baseiam-se na literalidade da redação do parágrafo primeiro do artigo 916, que prevê que a proposta de parcelamento poderá ser “deferida” ou “indeferida” pelo juiz.

Para essa última corrente doutrinária, a recusa do devedor poderá ser levada em conta pelo juiz em sua decisão, mas ela não representa necessariamente um óbice à concessão do parcelamento, já que a anuência do credor não constitui um pré-requisito para que o devedor tenha seu pleito deferido.

Nessa linha, Ricardo Schneider Rodrigues[32] assevera que:

Da redação do dispositivo legal se extrai que cumpre ao magistrado analisar o requerimento e deferir o benefício, se for o caso. É possível concluir que o legislador conferiu ao magistrado o poder-dever de avaliar se, nas circunstâncias concretas, o parcelamento atende ao interesse das partes e a necessidade de resolver a lide rapidamente.

(...)

Ao magistrado, diante do pedido do devedor e das informações do credor, caberá decidir, sem se vincular à manifestação de vontade do exequente, que tem direito apenas a ser ouvido previamente.

Como se vê, há bons argumentos em cada uma das teses acima explicadas, mas a que deve prevalecer é a teoria que defende que a natureza jurídica do direito do devedor ao parcelamento do art. 916 do CPC é a de direito potestativo.

Essa é a melhor interpretação que se pode extrair da leitura do art. 916, pois, como o instituto em apreço representa um incentivo para que o devedor, ao invés de apresentar embargos à execução, reconheça a existência da dívida e efetue o depósito de 30% (trinta por cento) do seu valor total, não é admissível que ele tenha de se submeter a um ato discricionário do juiz ou à vontade do exequente, que poderá imotivadamente negar-se a aceitar o seu requerimento.

Em outras palavras, deve-se ter em conta que não se pode querer que o executado abdique do seu direito de apresentar embargos e reconheça a existência do débito se ele não tiver a mínima garantia de que o seu pleito será deferido, caso ele cumpra todos os requisitos legais.

É certo que o Código Civil prevê expressamente que o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida ou de modo diferente do que foi previamente avençado (artigos 313 e 314).

No entanto, tais dispositivos não devem ser interpretados isoladamente, mas sim em consonância com as normas e princípios que regem o processo executivo, visto que é nessa esfera que o parcelamento será efetuado.

Assim, diante do princípio de que a execução deve ser conduzida pelo modo menos gravoso para o devedor (art. 805 do CPC), é imperioso concluir que a referida regra do Direito Civil deve ser mitigada quando aplicada no âmbito do processo executivo.

Ademais, como bem lembra Athos Gusmão Carneiro, o Código Civil e o Código de Processo Civil são normas de mesma hierarquia, de sorte que a regra geral de que o credor não é obrigado a receber por partes se assim não se ajustou é excepcionada nos casos e sob as condições previstas no art. 916, que é lei posterior[33].

Frise-se, ainda, que o requerimento de parcelamento em estudo destina-se à obtenção da celeridade e efetividade processual, que interessa, não apenas ao credor, mas também ao executado e ao próprio Poder Judiciário.

Não se pode admitir, então, que a recusa infundada do credor possa ser motivo para o juiz indeferir o pedido de parcelamento ou que o pleito do executado seja submetido a um ato discricionário do magistrado.

Entender de forma diferente significa transformar em letra morta o art. 916 do CPC, que não passará de uma simples “sugestão” legal de um acordo a ser celebrado entre as partes litigantes.

Dessa forma, se o dispositivo legal em estudo representasse apenas a possibilidade de o executado apresentar uma “proposta” de parcelamento, como sustenta Alberto Caminã Moreira[34], não teria sentido algum a sua existência, pois tal requerimento pode ser formulado em qualquer fase processual, sem a necessidade de renúncia aos embargos e sem a necessidade do cumprimento dos demais requisitos previstos no art. 916 do CPC, bastando para a sua concessão a concordância do credor.

Por tais considerações, é que se defende que a natureza jurídica do direito do devedor ao parcelamento do art. 916 do CPC é a de direito potestativo, que, como tal, pode ser exercido independentemente da concordância do credor e a sua concessão não constitui um ato discricionário do magistrado, mas sim um ato vinculado.

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4 LIMITES AO EXERCÍCIO DO DIREITO POTESTATIVO DO DEVEDOR DE PROPOR O PARCELAMENTO JUDICIAL

Como se tem defendido neste trabalho, o executado possui um direito potestativo ao parcelamento judicial da dívida, caso preencha os requisitos previstos em lei.

Dessa forma, é possível que o devedor possa sujeitar o exequente a receber o seu crédito de forma parcelada, ainda que não haja prévio ajuste nesse sentido.

Todavia, há de se ressaltar que, como todo direito, a proposta de parcelamento judicial do débito deve ser exercida em consonância com limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, sob pena de se configurar abuso do direito, nos termos previstos pelo art. 187 do Código Civil[35].

Frise-se, ainda, que, pelo Novo Código de Processo Civil, todo aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé (art. 5º), ou seja, deve agir com correção e lealdade, em todas as fases processuais e até mesmo na etapa pré-processual.

Nesse contexto, é importante considerar-se que o instituto do parcelamento judicial do débito foi instituído com o propósito de agilizar a satisfação do exequente, de criar condições de pagamento interessantes ao executado, facilitando o cumprimento da obrigação, e de reduzir a litigiosidade própria dos embargos à execução, como salienta Rodrigo Barioni.[36]

Pode-se, ainda, dizer que o parcelamento do débito foi pensado para favorecer aqueles devedores que possuem o animus de quitar a dívida, mas não possuem meios para liquidá-la de imediato e integralmente, não abarcando, portanto, os devedores que possuem capacidade econômica mais que suficiente para efetuar a quitação da dívida de forma imediata[37].

Diante disso, há de se concluir que atuam no exercício irregular do direito, por exemplo, aqueles devedores que, mesmo tendo evidentes condições financeiras de pagar a dívida de forma integral e imediata, apresentam a proposta de parcelamento do débito, com claro intuito de procrastinar o cumprimento imediato da obrigação.

Tal comportamento deve ser veementemente rechaçado pelo direito, já que ele é contrário aos postulados da boa-fé e da dignidade da justiça.

Nesse caso, é possível ao juiz, não somente indeferir a proposta de parcelamento, mas também aplicar ao devedor as penalidades previstas em lei para a hipótese de litigância de má-fé.

Sendo assim, é evidente que, mesmo não sendo considerado um requisito para a concessão do parcelamento, a capacidade econômica do devedor pode constituir um fator limitador para o exercício desse direito potestativo do devedor.

Nessa mesma linha, está o entendimento de Rodrigo Barioni[38], que adiante passo a transcrever:

É preciso lembrar, porém, que o fato de se tratar de direito potestativo não significa que possa ser exercitado de maneira ilimitada e arbitrária. No direito civil, a teoria dos direitos absolutos há muito está superada, para reconhecer a necessidade de que o direito seja exercitado dento de determinados limites de maneira a guardar obediência aos fins sociais e econômicos perseguidos. Daí reputar-se ilícito o exercício excessivo de um direito, quando destinado a servir de modo exclusivo ao interesse de seu titular, em detrimento da finalidade.

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Sobre a autora
Mágila Maria Agostinho

Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN (2005), Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp (2011) e pela Escola da Assembleia Legislativa do RN (2018).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGOSTINHO, Mágila Maria. Parcelamento judicial do crédito exequendo à luz do novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5593, 24 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69780. Acesso em: 22 nov. 2024.

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