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A chamada atividade penosa como adicional no trabalho docente

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11/12/2018 às 11:10
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3. METODOLOGIA

O presente artigo é uma síntese da pesquisa desenvolvida pela autora na sua tese de doutorado, realizada através de uma revisão de literatura a partir de obras jurídicas, jurisprudências e artigos científicos que tratam do tema.


4. DISCUSSÃO

O entendimento jurisprudencial é no sentido de que o trabalho como professor, previsto no ítem 2.1.4 do quadro anexo do Decreto 53.831/64, deve ser enquadrado como tempo especial.

Neste sentido, a jurisprudência advinda do TRF da 4ª Região:

Previdenciário.  Mandado de  segurança.  Magistério.  Atividade especial. Se o segurado comprova, mediante formulário DSS 8030, que exerce o magistério quando em vigor o Decreto 53.831/64, que arrolava, dentre as categorias  profissionais,  a  atividade  de professor  como  penosa  e, portanto, especial, tem direito líquido e certo à conversão desse tempo de serviço, com aplicação do multiplicador 1.4, e sua soma ao período de atividade comum, na forma do § 5º do art. 57 da lei 8.213/91, para fins de aposentação. (AMS 200072000080178/SC – 5ª T. – Rel. Juiz A. A. Ramos de Oliveira – TRF – 4ª Reg. – DJU 30.10.2002 p. 1148).

No mesmo sentido:

Previdenciário. Mandado de segurança. Prova pré-constituída. Conversão do tempo de serviço exercido na função de professor. Atividade penosa. Aplicabilidade  das  normas  pertinentes  a aposentadoria  especial.  Lei 8.213/91,  art.  57.  Decreto 53.831/64. 1. Uma vez que o formulário SB-40 é apto a demonstrar o desempenho das tarefas nele descritas, configura-se a liquidez e a certeza do direito, sendo desnecessária a realização de laudo pericial, visto que a controvérsia não é o exercício da atividade, mas a insalubridade e  o enquadramento  das  funções  exercidas  pelo impetrante na  legislação  vigente.  2.  Embora regulada por regra específica, a aposentadoria de professor é historicamente oriunda da aposentadoria especial, visto que o DEC-53831/64 arrola a função como penosa. Enquanto não foi editado o DEC-2172/97, que revogou os regulamentos anteriores, permaneceram aplicáveis as normas relativas à conversão de tempo de serviço laborado em condições especiais, no exercício  de magistério,  porquanto  a natureza  do  benefício  não  foi  transmudada”.  (AMS 9604539230 – 6ª T. – Rel. Juiz Carlos Sobrinho – TRF – 4ª Reg. – DJ 05.05.1999, p. 562)

Em sentido contrário:

Administrativo. Mandado de segurança. Professor. Pedido de aposentadoria. Utilização do tempo de serviço com os acréscimos previstos na legislação previdenciária. Incabimento. Hipótese em que o apelante, professor submetido ao regime celetista, busca a concessão de aposentadoria por tempo de serviço, computando-se os acréscimos da legislação  previdenciária,  referente  ao  tempo de serviço  prestado, compreendido  entre  o período  de  01.03.74  a 26.04.99,  com  fundamento nos  Decretos  53.831/64  e  83.080/79, que consideravam como penosa a atividade desempenhada pelo impetrante (magistério), e sujeita a aposentadoria  após  25  (vinte  e cinco)  anos  de  trabalho;  e,  nos Decretos  611/92,  2.172/97 3.048/99, que tratam da conversão do tempo de serviço especial para o comum. A aposentadoria do professor, que se submete a regime especial próprio, é devida após 30 anos, para os homens, e 25  anos,  para  as  mulheres,  de  efetivo  exercício  nas  funções  de magistério,  por  determinação constitucional. Incompatível, pois, com a regra de conversão que prevê a utilização do adicional de 40% na contagem do tempo de serviço exercido em atividade penosa, perigosa ou insalubre para o tempo de atividade comum sujeita a 35 anos de serviço” . (MAS 200005000136880/PB – 1ª T. – Rel. Des. Federal Castro Meira – TRF – 5ª Reg. – DJ 22.12.2000, p. 96)

De acordo com a referida Emenda Constitucional, o docente (homem) não mais faria jus à aposentadoria aos 25 anos, conforme previsto anteriormente na legislação previdenciária, e sua aposentadoria seria concedida após 30 (trinta) anos de efetivo exercício em funções de magistério, com salário integral.

Não obstante ter afetado o direito do professor, passando a lhe conceder a aposentadoria somente após 30 anos de trabalho no magistério, o que deve ser compreendido é que a aposentadoria do professor, segurado do RGPS, aos 30 anos de efetivo exercício na mesma função, continuou a ser-lhe assegurada com proventos integrais, não se aplicando, então, as regras de cálculo dos demais benefícios previdenciários.

Promulgada a Constituição Federal de 1988, a aposentadoria do professor foi também prevista no art. 201, § 8º; in verbis:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

...............................................................................................................

§ 8º. Os requisitos a que se refere o inc. I do parágrafo anterior serão reduzidos em cinco anos para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

Somente a partir da Emenda Constitucional 20/98 passou a ser exigido o tempo exclusivo na função de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio para a concessão da aposentadoria aos trinta anos para o docente (homem) e vinte e cinco para a docente (mulher). Por sua vez, o art. 90 § 2º  dispôs:

§ 2º O professor que, até a data da publicação desta Emenda, tenha exercido atividade de magistério e que opte por aposentar-se na forma do disposto no caput, terá o tempo de serviço exercido até a publicação desta Emenda contado com o acréscimo de dezessete por cento, se homem, e de vinte por cento, se mulher, desde que se aposente, exclusivamente, com tempo de efetivo exercício de atividade de magistério.

A atividade penosa, diferentemente da insalubre e periculosa, não apresenta riscos imediatos à saúde física ou psíquica ao trabalhador, mas, pelas suas condições adversas ao físico, ou ao psique, ao longo do tempo, acaba minando as forças e a autoestima do trabalhador, produzindo efeitos semelhante ao assédio moral.

Dentre as condições adversas a que estão submetidos os professores do ensino infantil, fundamental e médio, no Brasil, podemos citar:

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Superlotação das salas de aula, ultrapassando o número máximo de alunos recomendado por metro quadrado.

Inclusão de alunos, nas turmas normais, portadores de deficiência, sem que os professores tenham a qualificação para superar as limitações dos mesmos e sem nenhum acompanhamento de especialistas.

Violência verbal e até mesmo física, praticada com frequência por alguns alunos.

Assédio moral praticado constantemente por gestores.

Falta ou carência de recursos didáticos.

Em algumas cidades brasileiras a temperatura nas salas de aula ultrapassa os 40o e não existe ou não funciona um sistema de ventilação ou condicionador de ar.

Em razão dos baixos salários e a necessidade de garantir uma vida digna, os professores necessitam frequentemente, trabalhar os três turnos, muitas vezes em diferentes instituições.

Nos subúrbios das grandes cidades brasileiras as escolas ficam situadas em locais controlados pelo tráfico de drogas, onde existe extrema violência, estando o professor em constante estado de estresse e apreensão, visto que, está submetido constantemente ao risco de morte.

Frequentemente os professores são obrigados a lecionar disciplinas que não possuem habilitação, tendo que de forma autodidata e com muito esforço se preparar adequadamente para as aulas.

Mesmo os professores que tentam trabalhar os conteúdos de forma dinâmica, interativa, criativa e até mesmo lúdica, têm sérias dificuldades, devido à falta de interesse de muitos alunos. A cultura brasileira não valoriza o ensino e nem atribui à educação a importância que ela tem, como atividade libertadora e transformadora da sociedade. Os professores que têm consciência de tal fato, vivem em constante depressão. Alguns chegam a abandonar a profissão.

Em diversas unidades de ensino a inexistência de funcionários responsáveis pela limpeza é frequente, impossibilitando muitas vezes a continuidade das atividades pedagógicas.

Outro problema enfrentado pelos professores é o patrulhamento ideológico, em razão da militância político-partidária no âmbito das unidades de ensino, na tentativa de doutrinar os alunos.

Com todo o respeito às demais atividades profissionais, são raras as atividades em que encontramos tantas condições adversas quanto na atividade docente.


5. CONCLUSÃO

O trabalho, tido como a mais nobre e sublime atividade que o ser humano pode desempenhar, remédio para tantos males e terapia para tantos dissabores, carece, todavia, de se acercar de cuidados e proteção.

Os adicionais salariais, em sendo mecanismos de compensação pelo desgaste e esforço extraordinários exigidos do trabalhador, hão que ser reconhecidos e aplicados regularmente para que mitiguem os efeitos avassaladores provocados pelas condições diárias adversas a que está submetido o professor.

Atuar como professor no ensino infantil, fundamental e médio no Brasil requer não apenas o conhecimento científico e pedagógico, mas suportar diariamente um altíssimo desgaste físico e psicológico, levando muitos profissionais a se afastarem das suas atividades durante longos períodos, em virtude de sérios problemas de saúde, físicos e mentais, muitas vezes irreversíveis.

O Decreto 53.831/64 possibilitava aos profissionais da atividade docente receber o adicional de penosidade, no entanto, hodiernamente, com a revogação desse Decreto, não mais existe essa possibilidade. Todavia, as condições para o desempenho de uma atividade primordial para a sociedade não se modificaram, possibilitando o exercício da docência com condições dignas, pelo contrário, as condições ao longo dos anos sofreram uma crescente degradação. Portanto, se as condições se modificaram para pior, hoje mais do que nunca o professor faz jus ao recebimento desse adicional! Ser professor no Brasil, especialmente nas escolas públicas, é um constante “padecer no inferno de Dante”.

O mundo globalizado tem tentado minimizar os salários para favorecer a concorrência e aumentar os lucros da atividade empreendedora, e desta forma há quem tenha ousado apregoar a necessidade de extinção radical e permanente dos adicionais salariais, sob a única justificativa de que estar-se-ia eliminando obstáculos para o pleno desenvolvimento da atividade empreendedora.

Ora, as relações humanas não podem ser reguladas em função da aparente vantagem ou maior ou menor lucro para A ou B. Fatores mais relevantes a serem considerados são a saúde dos trabalhadores, a permanência na atividade por longo prazo e de forma continuada e ininterrupta. Dessa forma poderemos ter a harmonia e a pacificação social nesse assunto, que tantos clamores levanta e tanta ansiedade desperta.

A atividade docente, sendo a mais altaneira e a mais indispensável em qualquer sociedade do mundo, carece de ser tida em alta consideração, respeito e homenagem, para que seja possível a construção de uma sociedade justa, includente, plural e democrática.

Que o adicional salarial de penosidade seja regulamentado, com o reconhecimento da atividade docente como penosa, possibilitando aos professores a sua percepção, como instrumento de reparação de danos sofridos e como símbolo de justiça e valorização profissional.

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Sobre a autora
Arminda Ursula P. Baqueiro

Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA, Especialista em Docência do Ensino Superior pela UFRJ, Graduada em Direito pela UCSAL, Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAQUEIRO, Arminda Ursula P.. A chamada atividade penosa como adicional no trabalho docente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5641, 11 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70287. Acesso em: 25 abr. 2024.

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