A Constituição e seus 30 anos

06/12/2018 às 18:25
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Nossa CF completou, em outubro, 30 anos de existência desde sua promulgação. Hora de refletirmos: será que depois de tanto tempo devemos fazer uma nova constituição, ou ela ainda pode ser vista como moderna?

A nossa Constituição completou, em outubro, 30 anos desde a sua promulgação. Será que temos motivo para comemorar? Será que depois de tanto tempo devemos fazer uma nova Constituição? A nossa Constituição ainda é moderna?

Bom, vamos lá. Primeiro vamos a uma breve história das nossas Constituições. A nossa primeira Constituição surgiu logo após a Independência do Brasil, quando Dom Pedro I convocou uma Assembleia Geral Constituinte em 1823, mas que foi logo após dissolvida de forma arbitrária, pois divergia de seus ideais e de suas pretensões autoritárias. Em substituição, o Monarca criou um Conselho de Estado, voltado a elaborar um projeto de acordo com a vontade de “Sua Majestade Imperial”. Essa Constituição foi outorgada em 25 de Março de 1824, e foi a nossa Constituição de maior longevidade, 65 anos. Essa Constituição teve forte influência da Constituição da França de 1814, marcada pelo absolutismo e por um centralismo político e administrativo devido ao Poder Moderador, que assegurou a estabilidade do trono do Imperador durante o reinado. Algumas de suas características: Outorgada, semirrígida, Confessional (Religião Oficial Católica), 4 poderes e voto censitário.

 A partir de 1860, a Monarquia começou a enfraquecer devido ao grande descontentamento de Militares, culminando com a Proclamação da República pelo Marechal Deodoro da Fonseca, em 15 de Novembro 1889. Em 1890, foi eleita a Assembleia Constituinte e, em 24 de Fevereiro de 1891, foi promulgada a primeira Constituição da República que teve por Relator o Senador Rui Barbosa. Essa Constituição teve forte influência da Constituição norte-americana de 1787. Essa foi a Constituição com a segunda maior longevidade de nossas Constituições, 39 anos. Algumas de suas características: Promulgada, rígida, Estado Laico, 3 poderes e voto universal (ainda com exceções).

Com o fim da República Velha e com o advento da Revolução de 1930, instituiu-se um o Governo Provisório através do Decreto 19.398, levando Getúlio Vargas ao Poder. Em 16 de Julho de 1934, foi promulgada uma nova Constituição. Essa Constituição sofreu forte influência da Constituição de Weimar da Alemanha de 1919, trazendo Direito Humanos de 2ª Dimensão. Foi a Constituição de menor duração, apenas 3 anos. Algumas de suas características: Promulgada, rígida, Estado Laico, 3 poderes e voto universal (instituído voto secreto e voto feminino).

Em 10 de novembro de 1937, sob o que Vargas chamava de “nascer da nova era”, foi outorgada uma nova Constituição, que foi elaborada por Francisco Campos, apelidada de “Polaca”, pois foi influenciada pela Constituição Polonesa de 1935, com características marcadamente autoritárias e fascistas. Segundo Barroso, em sua obra O direito constitucional e a efetividade de suas normas (2006, p.24): ”...a Constituição não desempenhou papel algum... sem submissão sequer formal à Lei maior, que não teve vigência efetiva, salvo quanto aos dispositivos que outorgavam ao chefe do Executivo poderes excepcionais”. Algumas de suas características: Outorgada, Inspiração fascista, intervenção do estado na economia, mandato do Presidente 6 anos, abolidos os partidos políticos e a liberdade de imprensa, Estado Laico.

Vários fatos fizeram com que Vargas fosse deposto pelas Forças Armadas em 1945, onde o Executivo foi assumido pelo então Presidente do STF Ministro José Linhares. Em 1 de Fevereiro de 1946 foi instalada uma Assembleia Constituinte que promulgou a Constituição em 18 de Setembro de 1946, e que viria a durar 20 anos. Essa Constituição procurou resgatar os ideais liberais da Constituição de 1891 e com os ideais sociais da Constituição de 1934, houve notadamente um avanço da democracia e das liberdades individuais do cidadão. Durante a vigência da Constituição de 1946, ocorreu o Golpe militar de 1964, quando governava o presidente João Goulart. A partir de então, a Constituição passou a receber uma série de emendas, que a descaracterizaram. Algumas de suas características: Promulgada, rígida, Estado Laico, 3 poderes e voto universal.

De forma semelhante à Constituição de 1937, a de Carta de 1967 concentrou o poder no Executivo Federal, esvaziando estado e Municípios. Essa Constituição surgiu na passagem do governo Castelo Branco para o Costa e Silva, em um período que predominou o autoritarismo. A Constituição foi outorgada em 24 de janeiro de 1967 e só entrou em vigor no dia 15 de março de 1967. A constituição de 1967 foi largamente emendada em 1969, absorvendo instrumentos ditatoriais como os do AI-5 (ato institucional n 5) de 1968.

Aqui nasce uma grande polêmica: seria a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de Outubro de 1969, uma nova Constituição? Alguns autores consideram como uma oitava Constituição a Emenda nº 1, outorgada pela junta militar, à Constituição Federal de 1967, que teria sido a Constituição de 1969. No entanto, a história oficial considera apenas sete. Como o tema é muito polêmico e fugiria em muito o escopo do artigo, fico devendo um aprofundamento digno do tema em questão. Mas confesso que daria um bom artigo, e estou até considerando em fazê-lo futuramente.

A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, “nada mais é do que uma Carta imposta autoritariamente por um triunvirato militar, na ausência do presidente da República, que havia falecido – o presidente Costa e Silva”, diz Celso de Mello. Segundo ele, a Emenda Constitucional nº 1 “é uma Carta Constitucional envergonhada de si própria, imposta de maneira não democrática e representando a expressão da vontade autoritária dos curadores do regime”. Segundo o STF: “A Emenda , de 1969, equivale a uma nova Constituição pela sua estrutura e pela determinação de quais dispositivos anteriores continuariam em vigor. Formalmente, porém, continuava em vigor a Constituição de 1967, com as manutenções e alterações da Emenda 1 vigoraram no período os atos institucionais.”

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Em Junho de 1978, sob a Presidência de João Figueiredo, cujo mandado era de 6 anos, por força da EC 8/77, começaria o início de uma redemocratização, onde sua missão era por fim ao governo militar. Em 1983, o Deputado Federal Dante de Oliveira apresentou a PEC 5/83 propondo a eleição direta para Presidente, que gerou importante movimento, que ficou conhecido como “Diretas Já”. Mesmo a PEC não tendo sido aprovada, pelo voto indireto, o Colégio Eleitoral elegeu após 20 anos de ditadura em 15 de Janeiro de 1985, um civil, Tancredo Neves.  Com o subsequente falecimento de Tancredo na véspera da posse o Vice José Sarney assumindo a Presidência.

Em 1º de fevereiro de 1987, foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte, resultante da Emenda Constitucional nº 26, de 1985, com a finalidade de elaborar uma Constituição democrática para o Brasil, após 21 anos sob regime militar, com a presidência do ministro José Carlos Moreira Alves, presidente do Supremo Tribunal Federal. A Assembleia era formada por 559 constituintes distribuídos em 13 partidos, sendo que seu presidente era o Deputado Ulisses Guimarães (PMDB-SP), eleito com 425 votos. Em sessão solene, realizada no dia 5 de outubro de 1988, e com a participação das maiores autoridades do país e de convidados do exterior, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil. O texto final ficou composto por 315 artigos, dos quais 245 distribuídos por oito títulos das disposições permanentes e 70 nas disposições transitórias.

A Constituição de 1988, apelidada por Ulisses como Constituição Cidadã, assim chamada por ser considerada - até hoje - por alguns doutrinadores uma das mais avançadas e democráticas, no que diz respeito aos direitos e garantias individuais do cidadão. Seu preâmbulo sintetiza muito bem seu conteúdo e deve ser de pleno conhecimento pelos brasileiros, onde está expresso ipsis litteris: "Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte, para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da Republica Federativa do Brasil".

De cunho fortemente democrático e liberal, foi a que apresentou maior legitimidade popular entre todas as outras constituições anteriores. A Constituição Portuguesa de 1976 é apontada como uma das influências para o texto brasileiro de 1988. É a nossa terceira mais longeva Constituição, e já sofreu 105 emendas, sendo 99 emendas ordinárias e 6 Emendas constitucionais de revisão. A título de comparação a Constituição Americana escrita em 1787 e até hoje em vigor, tem 27 emendas, e é considerada uma das mais curtas e das mais longevas. Algumas das principais características da Constituição 1988: Promulgada, rígida, Estado Laico, 3 poderes, ideológica, humanista, principiológica, Analítica e igualitária.

Quanto às respostas do início do texto: será que temos motivo para comemorar? Será que depois de tanto tempo devemos fazer uma nova Constituição? A nossa Constituição ainda é “moderna”?

Será que temos motivo para comemorar? No meu entendimento sim, apesar da nossa Constituição ser Analítica - o constituinte foi conscientemente pleonástico e repetitivo - é uma constituição extremamente protecionista, com cunho garantista e fortemente humanitário. Em entrevista à TV Senado, o Ministro Ayres Britto afirma que o texto é um dos melhores do mundo. Segundo suas palavras: “Essa Constituição nos torna um país juridicamente primeiro-mundista.”

Será que depois de tanto tempo devemos fazer uma nova Constituição? Nessas eleições ouvimos como proposta de candidato à presidência sua pretensão de convocação de uma Assembleia Constituinte e a ideia acabou sendo abandonada. Como vimos, nossa Constituição está entre as mais garantistas e humanistas do Mundo. Eu, particularmente, comungo com esse entendimento. O que falta em alguns casos é a regulamentação de normas de eficácia limitada, que vem deixando várias lacunas normativas. O que, de certa forma, responde à próxima questão: nossa Constituição ainda é “moderna”? Se novamente compararmos com a Constituição dos EUA, que tem mais de 200 anos, a nossa é ainda uma Constituição recém-nascida. Além do mais, nossa Constituição vem sofrendo forte mutação constitucional, segundo essa teoria de origem alemã que afirmaria que as normas constitucionais necessitam ser (re)lidas à luz do tempo presente.


Referências:

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

Themístocles Brandão Cavalcanti, Luiz Navarro de Brito, Aliomar Baleeiro. ─ 3. ed. ─ Brasília : Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012. 206 p. ─ (Coleção Constituições brasileiras ; v. 6)

Guia de Direito Constitucional, Constituições Brasileiras Anteriores a 1988. Acessado em: (1 de Dezembro de 2016); Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaGuiaDC&pagina=constituicaoanterior1988 

Publicado originalmente em: http://direitoechatosqn.blog.br/?p=144

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Sobre o autor
Ernesto Portella

Advogado atuante no Direito Digital e Professor. Profissional Liberal. DPO as a service e Consultor LGPD. Membro da ANADD - Associação Nacional de Advogados do Direito Digital, Membro da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas (CDAP) da OAB/RJ. Atuou como Consultor autônomo e Profissional da área de TI durante 20 (Vinte) anos e na área de redes de computadores e segurança da informação, por 10(Dez)anos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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