Desde 2010 temos enfrentado esta demanda como árbitro e diretor de instituição de arbitragem. Neste resumido trabalho gostaria de esclarecer alguns pontos que entendo pertinentes à matéria.
O art. 3º, §1º do Código de Processo Civil afirma que é permitida a arbitragem na forma da lei; no caso, Lei Federal nº 9307/96. Já o art. 1021 do mesmo diploma legal, caput, traz a seguinte afirmação: “sem prejuízo da via jurisdicional”.
Gostaria de lembrar ao leitor que “jurisdição” é diferente de “judiciário”.
Levando em consideração primária os fundamentos da ação de usucapião, que seria, no caso, uma ação aquisitiva por prescrição, essa ação tem por objetivo aferir os parâmetros de prescrição legal que levam os detentores da posse a se tornarem proprietários, nos termos dos ditames legais.
Mas eis a pergunta que não quer calar: posso recorrer ao juízo arbitral para declarar por sentença, observados os fundamentos da ação de usucapião, se houve ou não prescrição da propriedade em favor do possuidor, este usucapiendo, observando no que couber as garantias previstas no Código de Processo Civil em seu art. 42 e seguintes?
A resposta não poderia ser outra, senão “sim”.
Primeiro, não existe óbice legal para que o instituto da arbitragem deixe de conhecer este tipo de ação. Temos ainda que observar que os envolvidos sejam maiores e capazes, requisito básico para o processamento de qualquer ação no ambiente arbitral. Temos ainda que o objeto da ação de usucapião é a questão da posse, para quem busca a propriedade, e a propriedade, para quem a perde em razão de dispositivo legal, do tempo e da forma como não utilizava o bem.
Concluímos no entanto que havendo as observações legais para que se garanta a segurança jurídica para quem participa do procedimento, não vemos porque tal ação não possa ser processada no ambiente arbitral; ao contrário, cremos que deva ser incentivada inclusive pelos órgãos públicos, em razão da grande importância da regularização de propriedade e das benesses que isto traz para a sociedade e para a administração pública, como também para o desenvolvimento socioeconômico, tendo em vista que uma propriedade regularizada esta dentro daquelas que podem gerar os mais variados negócios.
Vale lembrar que o próprio CPC de 2015 não exclui esta ação da seara arbitral quando no já citado artigo 1021 do referido diploma, tal ação não será excluída da apreciação jurisdicional, deixando à mercê do jurisdicionado a decisão de direcionar seu pedido tanto à jurisdição estatal (judiciário) como à jurisdição privada (arbitragem).
Temos, no entanto, que ficar atentos no caso da instituição especializada que promoverá o processamento da ação, e do árbitro nomeado para o feito, a especialidade no assunto, sem que com isso, difícil será alcançar a gestão dos requisitos próprios do procedimento arbitral para este tipo de ação.
Podemos concluir até agora que:
a. Não existe impedimento legal para a ação de usucapião ser processada e julgada no ambiente arbitral;
b. Que o Código de Processo Civil, no artigo próprio que disciplina o assunto, já deixa claro quando, de propósito, o legislador não escreve judicial, e sim jurisdicional.
c. Uma vez as pessoas envolvidas sendo maiores e capazes, o objeto da ação de usucapião é posse e propriedade; portanto, direitos reais disponíveis por sua própria natureza.
Há de se considerar ainda a flexibilização deste procedimento para ser operacionalizado em ambiente administrativo, ou seja, em cartório, lembrando que uma vez obedecidos os requisitos da lei de arbitragem e tendo o compromisso sendo assinado pelas partes que devem participar do processo, o árbitro é juiz de fato ou de direito, podendo o mesmo apreciar todos os aspectos do processo para os quais seria legítimo o juiz do Estado, este por nomeação estatal, aquele por nomeação das partes, não esquecendo que o objetivo do juiz togado e do árbitro é o mesmo, ou seja, aferir de forma fundamentada o tempo de posse, a qualidade da posse, a individualização dos requisitos legais exigidos por lei, a certeza de que o patrimônio não pertence às fazendas públicas, inclusive determinando a publicação de editais, a fim de que qualquer interessado possa comparecer ao compromisso arbitral, e a ele aderir se quiser, depois proferindo sentença declaratória de mérito de aquisição de propriedade, nos termos da legislação de regência, ou declarando inexistir tal direito, caso não observe os ditames da legalidade prevista para este tipo de ação.
Tem-se perguntado o seguinte: a sentença arbitral não é erga omnes, ou seja, só tem efeito entre as partes; e aí?
Daí a importância de tal sentença ser levada ao cartório de registro de títulos e documentos. Uma vez feito o assentamento, feitos os recolhimentos legais, feita então a publicidade, daí os efeitos se operam contra todos, podendo ainda, caso alguém que não participou do procedimento arbitral, reclamar em juízo estatal da sentença arbitral, a fim de requerer a sua nulidade, como terceiro interessado, caso a mesma venha a lhe causar algum prejuízo, e este seja legitimo para tal.