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Armas de fogo: o que muda com o Decreto n. 9.685, de 15 de janeiro de 2019?

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O QUE MUDA COM O DECRETO Nº 9.685, DE 15 DE JANEIRO DE 2019?

O Decreto nº 9.685, que passa a vigorar a partir de hoje (15 de janeiro de 2019), altera alguns dispositivos do Decreto anterior, nº 5.123, de 1º de julho de 2004, que regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento).

Inicialmente é possível constatar que não há qualquer mudança em relação ao porte de arma de fogo. Contudo, há algumas alterações em relação à aquisição/renovação de registro que merecem atenção.

Importante referir que o Decreto nº 8.935, de 19 de dezembro de 2016, já havia apresentado algumas pequenas alterações em relação aos procedimentos para concessão ou renovação de registro de armas de fogo.

As mudanças trazidas pelo novo Decreto se dão essencialmente no sentido de reduzir a discricionariedade da Polícia Federal na concessão ou renovação do registro de arma de fogo. Antes dessa norma, a Autoridade Policial Federal poderia indeferir o requerimento sob a fundamentação de que o requerente não justificou a sua efetiva necessidade para possuir a arma.

A partir da presente data (15 de janeiro de 2019) a Autoridade deverá deferir os requerimentos tomando por base critérios mais claros sobre a justificação da necessidade para a aquisição da arma de fogo ou renovação do registro.

O parágrafo primeiro do artigo 12 do Decreto de 2004 é alterado pelo Decreto de 2019 acrescentando a presunção de veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade, que será examinada pela Polícia Federal. Ou seja, entende-se que, caso não haja qualquer circunstância que demonstre que o requerente não preenche os requisitos legais, bastará a sua declaração de necessidade, preenchidos os demais requisitos, para que seja concedida a aquisição ou renovação.

O parágrafo sétimo, também acrescido pela norma em comento, aduz que se considera presente a efetiva necessidade quando o requerente for agente público, ativo ou inativo, da área de segurança pública, da Agência Brasileira de Inteligência, da administração penitenciária, do sistema socioeducativo, envolvido no exercício de atividades de poder de polícia administrativa ou de correição em caráter permanente, militares ativos e inativos, colecionadores, atiradores e caçadores devidamente registrados no Comando do Exército.

O Decreto ainda apresenta outras três possibilidades devidamente expressas, sendo elas: “os titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais”, os “residentes em área rural” e os “residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública”.

O dispositivo supramencionado sana certa “lacuna” existente até então sobre o que seria considerada efetiva necessidade, arrolando situações específicas onde ela estará devidamente demonstrada.

O número de armas de fogo de calibre permitido que cada cidadão pode possuir, antes definido por meio de portarias, também ficou definido no parágrafo oitavo como quatro, sem excluir a caracterização da efetiva necessidade se presentes outros fatos e circunstâncias que a justifiquem, inclusive para a aquisição de armas de fogo de uso permitido em quantidade superior a esse limite, conforme legislação vigente.

O parágrafo nono informa que constituem razões para o indeferimento do pedido ou para o cancelamento do registro: a ausência dos requisitos anteriormente referidos; a comprovação de que o requerente prestou a declaração de efetiva necessidade com afirmações falsas ou que mantém vínculo com grupos criminosos ou que age como pessoa interposta de quem não preenche os requisitos. Da mesma forma como o Decreto em comento deixa um pouco mais claro um direito que já era previsto em Lei, também procura deixar mais claras as circunstâncias que poderão resultar no indeferimento.

Também foi alterado o artigo 12 do Decreto nº 5.123/2004, acrescentando o inciso VII que prevê que no caso do requerente residir em local habitado por criança, adolescente ou pessoa com deficiência mental, deverá apresentar uma declaração de que possui cofre ou local seguro com tranca para armazenamento da arma.

O parágrafo décimo ainda refere que a inobservância da cautela em relação ao armamento fará com que o possuidor da arma incida no delito de omissão de cautela, previsto no artigo 13, do “Estatuto do Desarmamento”, com pena cominada de detenção de 1 a 2 anos e multa.

O parágrafo segundo do artigo 16 também aumenta para 10 anos o período de validade dos registros de arma de fogo, ainda sendo necessária nova comprovação dos requisitos legais para a renovação.

O parágrafo quarto do artigo 18 autoriza as entidades de tiro desportivo e as empresas de instrução de tiro a fornecer munições recarregadas para uso exclusivo nas dependências da instituição em provas, cursos ou treinamentos, para seus associados e clientes. Essa é uma previsão relevante, considerando que durante certo período ocorreu o entendimento de que essas instituições somente poderiam fornecer munições para caçadores, colecionadores ou atiradores desportistas com registro no SIGMA do Exército Brasileiro, restando aos proprietários de armas de fogo para defesa pessoal com registro no SINARM da Polícia Federal a autorização para aquisição de apenas 50 cartuchos por ano, número ínfimo para quem deve se manter sempre treinado.

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Ainda, informa o Decreto, no seu artigo 2º que os certificados de registro de armas de fogo expedidos antes da data de publicação dessa norma estarão automaticamente renovados por 10 anos. Importante referir que isso é válido apenas para as armas que já possuiam registro na Polícia Federal. Para aquelas armas que possuíam registro estadual, há a informação de que poderá ser publicada uma medida provisória sobre o assunto abrindo novo período de cadastramento. Mas por enquanto essas armas sem o registro no SINARM ou SIGMA seguem irregulares.

Finalmente, o referido Decreto também apresenta algumas disposições específicas em relação aos integrantes da Agência brasileira de Inteligência que adquiram armas de fogo que, por fugir do escopo do presente texto, não serão analisadas.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após analisar o Decreto nº 9.685, de 15 de janeiro de 2019, é possível perceber que a norma não objetiva instituir novos direitos ao cidadão, mas assegurar direitos que já estão previstos na legislação em vigor.

O que deverá ocorrer com o novo Decreto em vigor e com as possíveis consequentes portarias que surgirão é apenas certo aumento da segurança jurídica, reduzindo o poder discricionário da Polícia Federal ao deferir ou indeferir os requerimentos em razão da justificativa de necessidade. Nos locais onde a Polícia Federal já costumava deferir boa parte dos requerimentos de aquisição ou renovação de registro (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Roraima, Mato Grosso, dentre outros), não deverão ser perceptíveis grandes alterações, mas em regiões onde existia um maior rigor na concessão possivelmente passará a existir certa uniformidade. Também é possível que a ampla divulgação do Decreto em comento pela imprensa faça com que aumente a procura pelas armas de fogo por aquelas pessoas que até então sequer tinham conhecimento de que poderiam adquirir.

A inclusão de proprietários de estabelecimentos comerciais ou industriais e de residentes em áreas rurais ou urbanas com muita violência entre as justificativas para aquisição também confere mais clareza ao processo.

Também é relevante a alteração de 5 anos para 10 anos para a renovação dos registros, considerando os registros vigentes já renovados pelos mesmos 10 anos. Ainda, também é válida a expressa permissão para os clubes de tiros fornecerem munições aos seus clientes para uso exclusivo no local durante treinamentos ou competições.

Por fim, é possível constatar que a referida norma poderia ter contado com o auxilio de mais juristas, criminólogos e especialistas em segurança pública experientes, para a elaboração do texto, de forma que ficasse ainda mais clara e preenchesse outras tantas lacunas existentes na legislação em vigor sobre o tema.

Ao contrário do que foi referido em alguns órgãos da imprensa, o Decreto em comento não alterou absolutamente nada em relação ao porte de arma (direito de portar a arma fora de casa ou da empresa), apresentando apenas algumas pequenas alterações em relação à aquisição e renovação do registro (direito já previsto em lei de possuir a arma em casa ou empresa), com a finalidade de sanar algumas obscuridades existentes no “Estatuto do Desarmamento” e no Decreto anterior que o regulamenta.


REFERÊNCIAS:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9685.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5123.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826compilado.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3665.htm

http://www.pf.gov.br/servicos-pf/armas

https://jus.com.br/artigos/32055

https://jus.com.br/artigos/36458

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Sobre o autor
Ivan Pareta de Oliveira Júnior

Advogado; Presidente da Associação das Advogadas e dos Advogados Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul - ACRIERGS - www.acriergs.com.br (2019 - 2022); Sócio do Escritório Pareta & Advogados Associados - www.pareta.adv.br; Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Especialista em Direito Penal e Política Criminal: sistema constitucional e direitos humanos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Especialista em Direito Público pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis; Membro de Comissões da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Estado do Rio Grande do Sul; Pesquisador e autor de livros e artigos nas áreas do Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Segurança Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA JÚNIOR, Ivan Pareta. Armas de fogo: o que muda com o Decreto n. 9.685, de 15 de janeiro de 2019?: Considerações legais e administrativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5679, 18 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71436. Acesso em: 28 mar. 2024.

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