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Violência e cidades: o direito urbanístico como instrumento de pacificação social

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Resumo:


  • O Brasil possui altos índices de violência urbana, com significativos gastos em segurança pública e um grande número de mortes violentas intencionais, especialmente em centros urbanos.

  • Questões de segurança pública foram centrais nas eleições de 2018, com debates sobre o porte de armas e o decreto presidencial que facilitou a posse de armas de fogo.

  • Uma abordagem multidisciplinar é necessária para entender as complexas relações entre violência, segurança pública e espaço urbano, visando soluções efetivas para a promoção do bem-estar social e da economia.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O enfrentamento da violência não está somente nas armas. Entenda como a ordem urbana está diretamente relacionada à ocorrência de crimes.

1) INTRODUÇÃO:

A análise dos dados relativos à segurança pública do Brasil mostra números preocupantes. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública[1], em seu Anuário de 2018[2], aponta que o Brasil gastou 84.7 bilhões de reais em 2017 em despesas com a Segurança Pública. Trata-se de um valor muito elevado que reflete diretamente na economia do país.

Nesta toada, em 2017, o Brasil teve 63.880 mortes violentas intencionais. Em 2018, já são 34.305(trinta e quatro mil trezentas e cinco) vítimas registradas nos primeiros oito meses deste ano[3]. É nos centros urbanos que temos os maiores índices de violência pública[4]. Assim, o presente estudo é filho do seu tempo e busca analisar a realidade violenta que o país enfrenta e sua relação com o espaço urbano. 

Ao realizar uma análise superficial das estatísticas, podemos tirar uma conclusão imediata: presentemente, a sociedade brasileira está enfrentando uma guerra fragmentada que tem marcado a vida de milhares de pessoas direta e indiretamente.

No processo das eleições gerais de 2018, uma das principais demandas do povo brasileiro é no que tange à segurança pública e seus reflexos, por exemplo, o porte de arma, flexibilização do estatuto do desarmamento, dentre outros.

Recentemente, o Decreto presidencial 9.685/2019 alterou e facilitou a posse de armas de fogo ao presumir verdadeiros os fatos afirmados na declaração de efetiva necessidade da posse de arma de fogo. Anteriormente, a redação do modificado Decreto 5.123/2004 previa que a real necessidade da posse de arma seria examinada pela Polícia Federal segundo as orientações a serem expedidas pelo Ministério da Justiça. Com o novo decreto no Brasil, há presunção absoluta da necessidade da posse de arma de fogo.  

Um problema tão grande merece ser analisado sobre diversos enfoques, pois a violência gera marcas inéditas na vida do povo Brasileiro. Portanto, é preciso realizar uma abordagem multidisciplinar tentando lançar luzes sobre as trevas da violência que tem causado grave prejuízo a economia da nação.

Os gestores ao apresentar para os eleitores possíveis soluções, é natural que queiram levar ao povo uma panaceia, por exemplo, pondo fim aos problemas da segurança pública com uma política de tolerância zero. O risco é ficar restrito a imputar a pobres e moradores da periferia como os agentes da insegurança, sofrendo esses as sanções estatais.

Em 2017, o escritor e compositor Francisco Buarque de Holanda escreveu uma canção que muito retrata o imaginário brasileiro no tocante a segurança pública e imputação da insegurança a pobres e marginalizados, em sua canção “As Caravanas[5]” ao descrever a invasão da praia de Copacabana por moradores de favelas, deixando a população do bairro “Em polvorosa”. Esta cena, com pouco esforço, pode ser vista em todo o país, que apresenta quadros de uma completa segregação no que tange aos espaços coletivos e privados de ocupação.

Consoante podemos observar a relação entre a degradação urbana e a violência. As cidades precisam ter leis que busquem promover a segurança e o bem-estar social, pois a política urbana brasileira e a ordem urbanística positivadas em nosso ordenamento jurídico buscam regular e resguardar esses conceitos em harmonia.

Na vigência da Constituição Federal Brasileira de 1988, o Direito Urbanístico passa a ter a ser um ramo autônomo do direito. É direito, pois tem previsão constitucional e amplo conteúdo normativo. É urbanístico, assim, está totalmente relacionado as cidades.

O conceito de cidade para José Afonso da Silva[6] (2010, p.26), “é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativo, econômico não-agrícola, familiar e simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja sua população”.  Neste sentido, a cidade apresenta em toda a sua complexidade um local de múltiplas relações interdependentes que produzem riquezas e comodidade aos seus habitantes, tendo como característica marcante a de ser a sede do governo municipal.

Sobre o aspecto Urbanístico, recorremos novamente a doutrina de José Afonso da Silva[7] que elenca as principais características de uma cidade em dois elementos essenciais, sendo o primeiro elemento as “unidades edilícias, ou seja, o conjunto de edificações em que os membros da coletividade moram ou desenvolvem suas atividades produtivas, comerciais, industriais ou intelectuais”. O segundo elemento refere-se aos “b) os equipamentos públicos, ou seja, os bens públicos e sociais criados para servir às unidades edilícias e destinados à satisfação das necessidades de que os habitantes não podem prover-se diretamente e por sua própria conta.”

As unidades edilícias e os equipamentos públicos sãos as colunas basilares do meio ambiente urbano, deve estar em harmonia com a observância das leis municipais, principalmente as relacionadas a ordem urbana.

No Estatuto da Cidade, lei 10.257 de 2001, está plasmado no seu art. 1º, parágrafo único, que “Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. Assim, podemos concluir que toda a política municipal tem como escopo o interesse público.  

Portanto, resta evidenciado que a segurança e o bem-estar da população compõe um dos objetivos principais da supracitada legislação. Tal inteligência há muito se faz presente nas lições de José dos Santos Carvalho Filho[8] para quem “podemos definir política urbana como o conjunto de estratégias e ações do Poder Público, isoladamente ou em cooperação com o setor privado necessárias à constituição, preservação, melhoria e restauração da ordem urbanística em prol do bem-estar das comunidades.”

No que tange à ordem Urbanística, prossegue o autor[9], “Constitui ela o alvo de todas as estratégias integrantes da política urbana, de modo que todos os esforços públicos e privados devem objetivar a sua formação.”

Por fim, cumpre analisar a relação entre o direito urbanístico e a violência nas cidades, buscando encontrar soluções no ordenamento jurídico brasileiro que viabilizem políticas públicas eficientes na defesa da segurança pública e bem-estar social.

Embora esteja evidenciado que, no que tange ao ordenamento jurídico brasileiro, o problema da insegurança pública não está restrito ao direito penal, criminologia ou sociologia, o desafio desse trabalho é demonstrar que: i) A organização física das cidades exerce influência determinante sobre índices de criminalidade; ii)  A função “extra-regulatória” do direito urbanístico como controle social informal neutralizador da desordem social. Posto os desafios nesses termos passamos a detalha-los:


2) A Organização física das cidades como fator de influência determinante sobre os índices de criminalidade.

De início, é importante salientar que o processo de urbanização no Brasil, que causou concentração da população na chamada zona urbana, em muitos casos se deu de forma desordenada. Neste aspecto, as consequências sociais refletem diretamente da ordem citadina que por sua vez refletirá na segurança pública das cidades.  

Em que pese a legislação ter avançado com a nova lei nº13.465/2017[10], que teve um olhar específico para regularização fundiária brasileira, tendo como principal instrumento o mecanismo de legitimação que constitui uma forma originária de aquisição do direito real de propriedade conferido por ato do poder público, exclusivamente no âmbito da Reurb[11].

Desta feita, mesmo com todo o avanço da legislação sobredita, inovando em nosso ordenamento jurídico quando comparada a legislação anterior, qual seja a lei 11.977/2009[12], as diferentes realidades que a municipalidade apresenta constitui um grande desafio para a gestão urbana. Por exemplo, inexiste lei geral que discipline o fenômeno da Gentrificação[13] e seus efeitos sobre a ordem urbana.

Assim, com o descolamento da população para ocupar novos espaços urbanos estamos diante de um ciclo vicioso que não ajuda no desenvolvimento das cidades, ao contrário gera degradação ambiental nas novas áreas invadidas.

Neste passo, todos esses aspectos da relação entre o homem e o espaço que ocupa passa a ter reflexos em sua segurança. Ora, a desigualdade que propicia o surgimento da segregação entre ricos e pobres, nesse aspecto estrutural temos um fator de surgimento da violência.

A comunidade pobre que surge em novos aglomerados desorganizados urbanos é a primeira vítima da violência que lá se instala. Ante a completa ausência dos serviços públicos.

Segundo Paulo Afonso Cavichioli Carmona[14], a segregação socioespacial urbana gera violência, pois “nas regiões segregadas ou periféricas, a falta de infraestrutura urbana e a precariedade dos serviços públicos concorrem facilmente para a formação da delinquência.” Entende o autor que “A segregação urbana e seu impacto sobre a estrutura urbana serão mais fortes quanto maior for a desigualdade social, econômica e política. Trata-se, portanto, de um efeito do espacial sobre o social, e não ao contrário, como normalmente se sustenta.”  

Assim, resta clarividente que diante da degradação urbanísticas, “poderes” paralelos a atuação estatal passam a ocupar o espaço não preenchido pelo poder público. Neste sentido, o Boaventura Souza Santos[15] descreveu esse fenômeno como “pluralismo jurídico[16]” demonstrando, por meio de um estudo empírico, a existência de mais de uma ordem jurídica paralela a ordem oficial diretamente criada ante a questão habitacional.

Segue-se como corolário, quando o direito urbanístico se coloca como um direito regulador da ordem urbana aí se forma um instrumento que promove uma efetiva redução dos índices de violência nas cidades.

A lei 13. 465 de 2017 é uma norma geral que dá aos municípios brasileiros um papel central na regularização fundiária. No caso, é chegada a hora dos poderes públicos municipais assumirem seus postos de agente de promoção da ordem social, principalmente no que tange a edição de leis específicas ao novo diploma legal.

A ordem urbana municipal, no que tange à guarda e observância das leis de ordenamento das unidades edilícias e dos equipamentos públicos, não é respeitada pela grande maioria dos munícipes. Noutro ponto, inexiste uma preocupação por regular fenômenos já estudados pela doutrina, como a gentrificação e a própria relação entre a violência e o direito urbanístico.

Na presente hipótese, considerando as variáveis a serem apontadas, é fundamental que os gestores municipais, por meio da legislação específica e políticas públicas que busquem fomentar a efetividade de normas que disciplinem a ordem urbana municipal, o bem-estar do citadinos constituindo o direito urbanístico como um instrumento de paz social.


3) A função extraregulatória do direito urbanístico como controle social informal neutralizador da desordem social.

Na busca de enfrentar o problema da segurança pública com o auxílio do direito urbanístico, podemos encontrar na efetiva atuação estatal, dentro dos espaços urbanos, fomentando a criação de espaços de convivência social em um processo de pacificação de áreas outrora negligenciadas pelo Estado.

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Com efeito, a doutrina descreve a função psicológica na ordem urbana, José Afonso da Silva[17] leciona que “O traçado equilibrado da cidade concorre também para o equilíbrio psicológico de seus habitantes, visitantes e transeuntes.” Ora, o espaço urbano é construído pelo homem, consequentemente, o meio ambiente urbano influencia a psique dos munícipes.

As consequências desta relação, por sua vez são corporificadas na arquitetura das cidades, conforme aponta Daniela Campos Libório Di Sarno[18] “O medo produz alterações físicas que se revelam socialmente nos muros altos, cães ferozes, carros com vidros fechados, renúncia aos passeios a pé”. Assim, conclui a autora, apontando que “uma cidade violenta produz mais violência [...]. Certa parcela de homicídios, lesões corporais, corrupção, depredação, furtos, entre outros tipos penais, pode ser creditada ao estado caótico das cidades.”

Por essa investigação preliminar, constata-se uma forte influência do direito urbanístico sobre a segurança pública. Assim, desvela-se o cuidado ao descrever os instrumentos existentes no direito urbanístico, bem como novas possibilidades que busquem promover a segurança pública por meio da gestão municipal. 

A influência do meio ambiente urbano sobre os munícipes, pode ser exemplificada na doutrina de José Roberto Marques[19] que exemplifica na “falta de iluminação pública na periferia é umas das causas que mais concorrem para a prática de crimes. A iluminação apresenta-se como desestímulo para a prática de criminosa.” A hipótese é que o comportamento do homem é produto do meio ambiente urbano em que vive e que construiu.

 Os municípios, em sua função regulatória, devem buscar instrumentos de combate a segregação urbana. Para tanto, os instrumentos de atuação preventiva, e, quando diante da desordem, instrumentos de coercibilidade que podem variar do embargo a aplicação de multas. 

Portanto, é preciso estabelecer que cumpre ao direito urbanístico a busca por efetivar instrumentos que propicie uma cidade humanizada e pacífica, devendo assim em meio as variáveis a serem apontadas, estabelecer os instrumentos jurídicos, nas cidades, que propicie a segurança pública e bem-estar da população.


4) CONCLUSÃO

O presente trabalho tem como objetivo geral analisar os desafios do ordenamento jurídico brasileiro no que tange à regularização fundiária, bem como buscar instrumentos, dentro do direito urbanístico, que sirvam para regular o uso do espaço urbano servindo como agente fomentador da segurança pública.

Nesta toada, é preciso um esforço legislativo para formar instrumentos legais que permitam regular o uso do espaço urbano salientando os instrumentos do direito urbanístico que neutralizem o surgimento de ordens paralelas ao estado, buscando assim regular o espaço urbano em prol da segurança pública.

Foi evidenciada a relação entre a ordem urbana e sua direta relação com a insegurança pública que a população brasileira enfrenta diariamente nos municípios e capitais. Podemos alertar que existem fatores que não são enfrentados como merecem pelo ordenamento jurídico, como é o caso do fenômeno da gentrificação. Nesse caso, o ordenamento jurídico é completamente omisso, pois não enfrenta um fenômeno de desordem urbana e constante criação da degradação ambiental.

 É preciso pensar a cidade como um meio para formar cidadãos e não incentivar a criminalidade. Nesse ponto, o papel dos gestores públicos é efetivar os instrumentos previstos no direito das cidades buscando regular espaço urbano, promovendo com o objetivo de levar a segurança pública à população no que podemos chamar de função social na cidade.

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Sobre o autor
Gilmar Bruno Ribeiro de Carvalho

Advogado, Pós-graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho( Damásio Educacional), Especialista em Direito Tributário Pelo IBET, Metrando em Direito Pela Universidade Federal do Piauí , Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí(2013).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Gilmar Bruno Ribeiro. Violência e cidades: o direito urbanístico como instrumento de pacificação social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5742, 22 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71532. Acesso em: 22 dez. 2024.

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