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Feminicídio: a omissão e a violência de gênero

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15/06/2019 às 11:00
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3 ANÁLISE DAS ESTATÍSTICAS SOBRE O FEMINICÍDIO 

3.1 Dados versus realidade

As estatísticas oficiais sobre o feminicídio revelam um quadro pernicioso que coexiste em meio à sociedade, cabendo destacar que a realidade tende a ser mais drástica considerando-se, dentre outros fatores, a subnotificação dos casos, bem como o grande número de casos de homicídios de mulheres que não são enquadrados por parte das autoridades legais nesta categoria.  

Neste contexto, dados do Portal G1 publicados no dia 07/03/2018 revelam que embora tenha ocorrido um aumento no índice de mulheres vítimas de homicídio no Brasil, quando comparado aos números de ocorrência entre os anos de 2016 e 2017, a falta de padronização e de registros acabam por inviabilizar o monitoramento real do número de feminicídios ocorridos em todo o país.

O levantamento realizado pelo Portal G1 tomou por base os dados oficiais apresentados pelos Estados da Federação, salientando-se, no entanto, o fato de que alguns Estados não fecharam as estatísticas de homicídios ocorridos ao longo do ano de 2017, sendo possível afirmar, de acordo com os dados apresentados, que doze mulheres têm suas vidas ceifadas em média por dia no Brasil, tendo ocorrido neste período 4.473 (quatro mil, quatrocentos e setenta e três) homicídios dolosos contra mulheres, dos quais 946 (novecentos e quarenta e seis) casos foram marcados por ódio em razão da questão de gênero.   

Dentre os Estados brasileiros, o Estado do Rio Grande do Norte é o que apresenta maior índice de homicídios contra mulheres (casos diante dos quais não se reconheceu de forma específica a prática do feminicídio), na proporção de 8,4 casos a cada 100 mil mulheres, enquanto que especificamente falando, o Estado do Mato Grosso desponta como o Estado com maior taxa de feminicídio, na proporção de 4,6 a cada 100 mil mulheres.   

Passa-se, posteriormente, a tecer um comparativo entre os dados brasileiros e os dados que retratam a prática do feminicídio em diferentes países ao redor do globo, em especial, quanto aos países latino-americanos.

3.2 Comparativo entre os dados brasileiros e os dados internacionais  

Como ressaltado anteriormente, o feminicídio não se apresenta como um fenômeno exclusivamente brasileiro, mas sim, como retrato da discriminação e preconceito praticados contra a mulher ao redor do mundo, embora as estatísticas situem o Brasil dentre os principais países marcados pela violência contra a pessoa da mulher, inclusive, a de gênero. 

Assim sendo, a Organização das Nações Unidas – ONU, ao lançar mão das diretrizes nacionais sobre feminicídio (2018), situa a taxa de feminicídios brasileira como uma das maiores do mundo, cenário que se mostra preocupante. 

De acordo com dados da ONU (2017), a cada duas horas, uma mulher é assassinada no país, a maioria por homens com os quais têm relações afetivas — o que coloca o Brasil na 5ª (quinta) posição em um ranking de feminicídio que avaliou a incidência do crime em 83 países.

Quando comparadas as estatísticas brasileiras com as de outros países, é possível evidenciar que o feminicídio tem atingido proporções assustadoras em países como o México. Consoante dados da Agência Brasil publicados em 28/05/2018, de janeiro a abril de 2018, 258 (duzentos e cinquenta e oito) mulheres foram assassinadas no México, sendo que 70 (setenta) destes casos ocorreram no mês de abril.

Consta ainda desta publicação, informações da organização não governamental (ONG) Observatório Nacional Cidadão, segundo as quais, em estudo recente sobre os casos de homicídio contra mulheres no México, constatou-se, que a cada 16 minutos uma mulher é vítima de homicídio doloso ou feminicídio no país, cujos instrumentos lesivos mais utilizados são armas de fogo e armas brancas.  

Quanto aos países latino-americanos, denota-se que os índices de feminicídio ainda continuam alarmantes, em que pese sua tipificação normativa em inúmeros países, dentre os quais o Brasil.

Deste modo, consoante matéria publicada na Carta Capital em 27/06/2018, é inegável reconhecer que mesmo com o avanço da legislação em alguns países latino-americanos como Argentina, Brasil, Colômbia e Equador, doze mulheres são assassinadas por dia nestes países em referência. O mais alarmante é que, conforme o panorama descrito na matéria em referência, dos 25 (vinte e cinco) países do mundo com as taxas mais altas de feminicídio, 14 (catorze) estão na América Latina e Caribe. 


CONCLUSÃO 

A violência contra a pessoa da mulher não se apresenta como um fenômeno recente, mas sim, como um mecanismo que ainda continua a se propagar em meio à sociedade, baseada em concepções discriminatórias que historicamente relegavam à mulher a uma posição de inferioridade em relação ao homem.

De tal modo, em que pesem os avanços alcançados pela mulher em diferentes contextos sociais, esta ainda continua sendo uma das principais vítimas da violência no Brasil, assim como ao redor do mundo, mesmo em nações consideradas altamente desenvolvidas.

No caso brasileiro, embora a igualdade ao menos no plano formal constitua um preceito consagrado constitucionalmente, as estatísticas revelam que a mulher apresenta-se amplamente vitimada, constituindo-se os agressores em sua maioria ex-companheiros e ex-maridos, que transformam suas frustrações em atos brutais que, muitas vezes, resultam na morte das vítimas.

Insere-se neste contexto o feminicídio como a face mais perversa da violência praticada contra a mulher, enquanto fenômeno específico e particularizado do homicídio quando as razões que o motivaram estiverem intrinsicamente relacionadas ao gênero feminino, configurando sua previsão expressa no ordenamento jurídico pátrio o resultado do reconhecimento a nível internacional de que a violência de gênero comporta elevada complexidade, merecendo para seu enfrentamento medidas específicas.  

Partindo deste pressuposto, torna-se possível afirmar que a Lei nº 13.104, de 09 de março de 2015, não trouxe apenas uma “inovação” no tocante ao tratamento legal de crimes violentos cometidos em razões de gênero, mas sim, veio conferir visibilidade a um fenômeno que ao longo da história tem se perpetuado na conjuntura social brasileira, embora nem sempre devidamente reconhecido e enfrentado.

Daí a razão pela qual se conclui que as elevadas taxas de feminicídio decorrem de uma omissão por parte da própria sociedade, que ainda insiste em tratar a violência contra a mulher como um “tabu”. Cabe às autoridades legalmente constituídas diligenciar esforços para que a violência de gênero, quando presente, seja devidamente reconhecida, com a adequada punição dos agentes por ela responsáveis. Não se pode deixar de frisar que o histórico de violência contra a mulher tende a repetir-se até que a sociedade mude seus valores e conceitos, contexto que remete ao feminicídio e às temáticas que precisam ser enfrentadas por toda a sociedade mundial.


REFERÊNCIAS 

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Sobre a autora
Laís Macorin Pantolfi

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista - FADAP; Pós-Graduada em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina - UEL; Advogada; Membro da Comissão de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos OAB - Tupã e Presidente da Comissão de Proteção a Criança e Adolescente OAB-Tupã. "Tem fé no Direito, como o melhor instrumento para a convivência humana; na Justiça, como destino normal do Direito; na Paz, como substituto bondoso da Justiça; e, sobretudo, tem fé na Liberdade, sem a qual não há Direito, nem Justiça, nem Paz." - Eduardo Couture

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PANTOLFI, Laís Macorin. Feminicídio: a omissão e a violência de gênero. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5827, 15 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71773. Acesso em: 29 mar. 2024.

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