No meio corporativo e no serviço público, as chefias constituem a ponta do controle. Representam olhos e ouvidos da direção; e, para além disso, são extensão dos braços dos administradores na resolução dos pequenos incidentes. Nas organizações privadas, isso acontece com naturalidade; na administração pública é exceção. A máquina burocrática complexa, engessada, fria, recheada de gráficos, instruções inúteis e memorandos sem sentido conduz as pessoas para um espaço que não estimula a inteligência; ou, de outro ponto, coloca-as em situação de temor diante da perspectiva de alguém lhes considerar coniventes. As duas bandas são desastrosas.
O chefe que não age, porque está preso a um emaranhado de regras sem fundamento, é apenas um intermediário entre o fato e uma autoridade superior. Nesse sentido, limita-se passar os incidentes adiante, sem examinar a possibilidade de resolução no próprio ambiente, a partir de recursos legais e eficazes que são reconhecidos pelas ciências do Direito e da Administração. E o outro, que age por impulso, para não parecer omisso, acaba por desencadear providências à margem da razoabilidade, aumentando a dimensão da ocorrência ou contribuindo para que dela sobrevenham desdobramentos danosos. Nenhuma dessas situações interessa ao Poder Público e, menos, à sociedade que paga a conta da destemperança.
Perde-se o cálculo do número de servidores que tiveram as carreiras arruinadas pela incorreta condução de um fato, seja por erro de interpretação, seja porque no ambiente da chefia ele ganhou contornos além do devido, desencadeando uma sequência de erros. Nesse particular, é relevante reconhecer que a rotina faz com que um agente público endosse o que o outro declara. Basta a leitura de processos administrativos, quando esses expedientes passam supostamente pelo crivo de diversos controles. O que se vê é um parecer adotando no relatório o mesmo relato feito no parecer precedente e, por conseguinte, chegando à mesma conclusão. É algo sem lógica, sem responsabilidade técnica, que só acontece onde a irracionalidade se hospeda.
Nesse rolo compressor, funcionários idôneos se veem envolvidos gratuitamente; ou situações de ínfima relevância são transformadas em incidentes de enorme repercussão. O certo é que quando por erro de avaliação da chefia é desencadeado um expediente repressor, tem-se doravante um trem desgovernado, cuja maior probabilidade é causar desgraça.
Necessidade de qualificação
O serviço público precisa investir na orientação de ocupantes de quaisquer cargos ou funções de chefias, bem como dos servidores no exercício de funções ou atividades de assessoria, cujas orientações possam embasar decisões administrativas de diretorias e presidências.
Esses funcionários que estão em contato direto com os incidentes necessitam, com efeito, do correto discernimento. Muitas soluções estão aos seus alcances e devem ser providenciadas no próprio ambiente, afastando o costume burocrático e inútil de se levar a conhecimento de autoridades superiores, envolvendo desnecessariamente outras pessoas. Por outro turno, há medidas de competência superior que, todavia, devem a elas chegarem devidamente mapeadas, sem informações imprecisas ou apontamento de providências que induzam ao erro.
Aquele que ocupa função de chefia, bem como quem tem a responsabilidade de assessorar, somente cumprirá corretamente o ofício se não for, ele próprio, um alargador de incidentes; Para tanto, é relevante que considere duas possibilidades: i) a viabilidade da solução por seu intermédio; ii) o encaminhamento da notícia com o sugestão técnica correspondente à providência a ser adotada.
A rotina do serviço público está abarrotada de memorandos sem utilidade. São episódios banais, ocorrências que não representam abalo à ordem interna, de fácil saneamento, que se transportam pela oficialidade para outros espaços onde, não raramente, dão consequências a processos administrativos, que passam por diversos agentes, recebem inúmeras análises, umas repetindo as outras, para ao fim nada produzirem de concreto e de proveito, além do impacto na vida de servidores que são envolvidos nesse turbilhão.
Este breve estudo tem o sentido de racionalizar esse sistema, simplificar a tomada de decisões, resguardar o erário do custo da burocracia dispensável e prevenir a responsabilidade de profissionais do serviço público pelo erro de conduta.
O papel das chefias
Todo chefe tem a obrigação, na prática, de conjugar três verbos na primeira pessoa do singular:
- Ordenar
- Controlar
- Corrigir
Trata-se, aqui, da figura da supervisão funcional, extraída da Ciência da Administração; ou da vigilância interna, proveniente do Direito espanhol. Não se deve confundir a gerência de uma casa ou da vida pessoal, que tem sua arte própria, porém empírica, com a administração de um setor, um departamento, uma repartição pública. Nestes, não há lugar para o improviso, nem para a omissão. Os servidores que ocupam cargos ou funções de chefias integram uma estrutura profissional do serviço público e precisam agir e reagir dentro de regulamentos. De um lado não podem ser omissos, de outro não podem desencadear medidas que não estejam agasalhadas pelas orientações oficiais. Esses comandos ou estão na lei, ou sobressaem de normas internas ou de outros espaços do controle.
Nesta linha, a chefia deve estar absolutamente atenta a tudo o que acontece ao seu redor, não sendo admissível que perca o controle da regularidade dos oficios ou o controle dos servidores sob a sua supervisão. Quem comanda não pode ser o último a conhecer; a quem dirige não se admite desatenção.
Por outro turno, não é correto o encaminhamento automático de notícias aos superiores, quando a solução estiver ao seu próprio alcance. O chefe moderno, comprometido com resultado, intervém nas situações possíveis para restabelecer a ordem interna. Entram aqui o comando de voz (a ordem verbal), o controle (pela averiguação de tudo o que parecer fora dos padrões) e a correção (pela ordem escrita).
Os servidores no exercício de chefias são a ponta inicial de toda a atividade de controle administrativo. Nesse cenário, devem zelar pela ordem interna, o que implica supervisionar permanentemente:
- O cumprimento das tarefas, com qualidade e tempestividade;
- A obediência às normas;
- O respeito à hierarquia;
- O correto atendimento à cidadania e às prerrogativas dos advogados.
A omissão pode colocar o profissional em linha de risco, mas a adoção de providências erradas também o expõe ao plano da responsabilidade, na medida em que causa desperdício de tempo de terceiros, gastos ao erário e, não raramente, prejuízo pessoal a subordinados tratados indevidamente nesse labirinto. Conhecer a dosagemn, a medida exata do remédio, é obrigação do ofício.
Pelo exercício irregular de suas atribuições, o servidor responde civil, penal e administrativamente. Essa regra vale para os subordinados e para os seus chefes. Portanto, a matéria deve ser observada sob as duas óticas: a responsabilidade de terceiros e a própria responsabilidade.
A lei estabelece, a principio, três níveis de responsabilidade: civil, penal e administrativa. Assim, por uma mesma conduta, o servidor pode responder a três processos, cada qual com mérito próprio e perante uma autoridade específica. Modernamente está assentada a ideia de um quarto nível, o ético. Os códigos de ética no serviço público tiveram surgimento no ano de 1994 e ganharam abrangência a partir de 2003. Na atualidade, quase todas as entidades, incluindo autarquias, sociedades de economia mista e empresas públicas possuem normativos nesse sentido. Os tribunais também cuidaram do regramento da ética.
Responsabilidade civil
A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros. Isso transfere ao servidor, em qualquer nível de hierarquia, o dever de reparar, nos termos da legislação civil. É a clássica indenização.
Também no ambiente civil está a Lei da Improbidade Administrativa – Lei nº 8.429/92 – que relaciona uma série de sanções que, não sendo de natureza tecnicamente penal, na prática impõe elevados encargos pecuniários, incluindo pesadas multas aos agentes infratores, além de outras consequências como o perdimento do cargo público e uma lista de inabilitações. Esse caminho geralmente é percorrido por meio das chamadas ações civis públicas, movidas pelo Ministério Público.
A referida lei não limita essa ocorrência às situações de enriquecimento ilícito ou dano ao erário, mas a estende àqueles que, tendo por ofício que adotar providências relevantes, retardam ou deixam de fazê-lo injustificadamente. É o comando do art. 11:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
(...)
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
Responsabilidade penal
O servidor pode ser demitido como consequência de prática de crime contra a Administração Pública. Neste particular, as chefias precisam estar atentas acerca das seguintes previsões extraídas do Código Penal:
Prevaricação
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Condescendência criminosa
Art. 320 - Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente:
Situações de abuso
Se por um lado a omissão é incompatível com o interesse público e coloca as chefias ao ambiente da responsabiliade pessoal, por outro lado a adoção de providências indevidas, ou feitas além da medida, podem também expor o agente público às consequências legais.
O art. 11 da Lei nº 8.429/92 considera improbidade administrativa a prática de “ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência” (inciso I).
O crime de prevaricação (art. 319 do Código Penal) também pode ser examinado sob a ótica da ação indevida e abusiva, quando o agente pratica o ato “contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
O funcionário pode, ainda, incorrer no crime de abuso de autoridade, previsto na Lei nº 4.898/65:
Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;
(...)
Art. 5º Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.
Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa, civil e penal.
No plano da responsabilidade civil em relação a terceiros, declara o Código Civil:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Assim como o exercício abusivo de um direito representa ato ilícito, gerando a obrigação da reparação cível, a doutrina tem entendido que o mesmo se aplica ao abuso de dever. Portanto, quando o agente público extrapola aquilo que a lei autoriza, e, ao fazê-lo, causa dano a terceiro, ainda que moral, atrai para si o dever de reparar.
Linhas de conhecimento
Os chefes, no serviço público, devem deter conhecimentos razoáveis de relacionamento humano, de direção de equipes, de processos administrativos nas diversas espécies; é dever ter o domínio dos meios de controle da disciplina e saber, com precisão, como resolver no seu próprio ambiente ou, se for o caso, como encaminhar para o conhecimento superior, com as informações indispensáveis para a avaliação em outro nível de direção. No mesmo cenário, compete-lhe o discernimento das formas de reparação de danos ao erário ou ao patrimônio e a maneira legal e eficaz de tratamento dos episódios.
Nos apontamentos de Recursos Humanos, há algo que todos os chefes devem ter em comum: a liderança. Desta forma, ocupar a posição de chefia não é apenas ter um cargo ou função de relevo. Trata-se de assumir a responsabilidade pelo desempenho do grupo sob a sua supervisão, ter o controle de absolutamente tudo ao seu redor e estar apto a responder aos questionamentos dos seus superiores. Para isso, precisa usar a liderança como ferramenta para alcançar os próprios objetivos da chefia. A grande habilidade do chefe consiste em atingir o resultado através de pessoas.
Por exemplo, quando alguém que tem uma formação na área de TI (tecnologia da informação) e assume um posto de chefia, precisa levar em conta que não está mais gerindo redes, mas pessoas. E pessoas precisam ser incentivadas, estimuladas. Pessoas são diferentes de máquinas. Possuem qualidades e defeitos próprios; têm personalidades diferentes; têm histórias de vida que as fazem singulares.
Além da liderança, os profissionais em ambiente de chefia devem adotar uma postura profissional diferenciada. Obviamente, não passa pela arrogância, pela atração de privilégios, pelo culto ao ego; mas pela forma ainda mais polida no tratamento, pela apresentação pessoal compatível, pela capacidade de ouvir, pela objetividade no falar.
CONCLUSÃO
Ter em mente esses apontamentos constitui meio de prevenção de responsabilidades e, ao mesmo tempo, desperta para a obrigação de bem conhecer os procedimentos que devem ser adotados nos casos concretos. Tanto a omissão quanto a adoção equivocada ou desmedida de reações podem ser desastrosas para o interesse público e danosas para a carreira e a vida de subordinados.