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Fake news, ameaça à democracia humanística:

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A EXPLORAÇÃO DO MEDO. A GÊNESE DO TOTALITARISMO

Hannah Arendt defrontou-se com os acontecimentos bárbaros do nazismo.

Hannah Arendt, A Banalidade do Mal. Julgamento de Eichmann.

"Entendam, que a tradição Ocidental parte do pressuposto de que os piores atos que o homem pode cometer resultam de seu egocentrismo. Mas, nesse século (XX) em que vivemos, o mal se revelou de uma forma muito mais radical do que se podia prever.

Sabemos agora, que o pior mal, o mal radical, nada tem a ver com motivos humanamente compreensíveis e imorais como o egocentrismo. Pelo contrário, está ligado principalmente ao seguinte fenômeno: o de tornar o homem suplérfluo.

O sistema reinante nos campos de concentração visava a convencer os prisioneiros de que eles eram supérfluos antes de serem mortos. Nos campos (de concentração) as pessoas tinham que aprender que a punição aplicada a elas não se devia a um delito. Que a exploração não se dava para trazer vantagem a ninguém, e que o trabalho não servia para gerar lucro.

O campo é um lugar onde cada fato, cada gesto, por definição, despojava-se de qualquer sentido. Em outras palavras, cria-se o absurdo. Se for verdade que na fase final do totalitarismo surge um mal absoluto, absoluto porque não pode ser imputado à razão humana, logo é igualmente verdade que sem ele, sem o totalitarismo, nunca se teria conhecido a natureza do mal radical."

As notícias falsas exploram medos, superstições, crendices, ideologias sejam elas religiosas, políticas. O "efeito manada" (instinto de grupo) é estimulado, atua no psiquismo humano, em cada comunidade. As "verdades" seculares, fixadas no inconsciente coletivo de cada grupo, causam "menoridade". 

"A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria, se a sua causa não residir na carência de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo, sem a guia de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento!

A preguiça e a cobardia são as causas de os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio (naturaliter maiorennes), continuarem, todavia, de bom grado menores durante toda a vida; e também de a outros se tornar tão fácil assumir-se como seus tutores. É tão cômodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um diretor espiritual que em vez de mim tem consciência moral, um médico que por mim decide da dieta, etc., então não preciso de eu próprio me esforçar. Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida.

(...)

Semear preconceitos é muito danoso, porque acabam por se vingar dos que pessoalmente, ou os seus predecessores, foram os seus autores. Por conseguinte, um público só muito lentamente consegue chegar à ilustração. Por meio de uma revolução talvez se possa levar a cabo a queda do despotismo pessoal e da opressão gananciosa ou dominadora, mas nunca uma verdadeira reforma do modo de pensar. Novos preconceitos, justamente como os antigos, servirão de rédeas à grande massa destituída de pensamento.

(...)

Diz o oficial: não raciocines, mas faz exercícios! Diz o funcionário de Finanças: não raciocines, paga! E o clérigo: não raciocines, acredita! (Apenas um único senhor no mundo diz: raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre o que quiserdes, mas obedecei!) Por toda a parte se depara com a restrição da liberdade." (Immanuel Kant, O que é o Iluminismo?)

Pensar por si, ir além das "verdades", o medo; medo de não fazer mais parte do grupo. A "menoridade" é visível entre os adolescentes, o tênis de grife distingue, ou qualquer outro simbolismo identificador de grupo. A "menoridade" não cessa na idade adulta, ela continua. Pós-guerra, a Segunda Guerra Mundial. Aflições, dores, angústias, ódios, raivas, desejos de vinganças. No entanto, pelos escombros, pela dor agonizante, vontade de recomeço; e os direitos humanos se consolidaram como uma "nova possibilidade de vida existencial", um "novo mundo". No início, entre as trevas, a luz da reconstrução. O que deu errado com o desenvolvimento das leis aos direitos humanos? Arrisco-me, o ativismo judicial, a interferência do judiciário nas políticas públicas, realizações de "mutações constitucionais" e, principalmente, decisões contramajoritárias. Ajuda do Estado para erguer novos pilares residenciais, indústrias; porém mudar o tipo de utilitarismo, pelo ativismo judicial, jamais. Nos EUA, nos anos de 1950, o ativismo judicial garantiu os negros frequentarem instituições públicas com brancos, gays terem os seus direitos civis e políticos, assim como negros e mulheres. No Brasil, com a vigente CRFB de 1988, o ativismo judicial garantiu as ações afirmativas, como as cotas. As "interferências" externas, através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, garantiram proteção às mulheres (Lei Maria da Penha), aos jornalistas, aos defensores dos direitos humanos, aos povos indígenas, aos LGBTI+. No Capitalismo e Liberdade, de Milton Friedman, possível encontra uma defesa utilitária para a autonomia da vontade dos cidadãos. Ou seja, libertários utilitaristas. Nada de o Estado interferir na livre escolha dos empresários, das comunidades. Se no bairro não se aceita negros, que o Estado, pelo ativismo judicial, não imponha tal "coação". Ora, será coação? Ou será um meio de quebrar as correntes ideológicas do racismo?

Vídeo com o professor Michael J. Sandel sobre racismo: https://youtu.be/CyNG1gxi_18

Milton Friedman, em um vídeo, dizia que não importava para ele como era feito um lápis, de quais países são extraídos os materiais para fazer o lápis. Livre Mercado. Entretanto, é possível pensar em negociações humanísticas em áreas miseráveis? Se tais miseráveis soubessem do valor de seus trabalhos, como os trabalhadores protegidos por leis trabalhistas, a negociação iria ser fácil ou difícil para os empresários? Não se trata, aqui, de considerar qualquer empresário como mostro, trata-se de uma ética moral kantiana, de que o outro ser humano não é um meio, principalmente para enriquecimento de outro ser humano. Adam Smith deu conhecimento de que qualquer economia controlada, por famílias ou corporações agindo através do Estado, não garante desenvolvimento, dignidade. Karl Marx deu conhecimento sobre a exploração da mão de obra miserável; o outro ser humano era tão somente um meio para outro ser humano enriquecer. Cada qual, claro, conforme os seus momentos históricos. Sim, o poder do conhecimento em mudar posturas, confirmações, "menoridade". Alguma mulher, ciente dos perigos dos agrotóxicos ao seu organismo e ao feto, iria trabalhar em tais condições? Talvez, pelo instinto de sobrevivência imediata, a dor estomacal pela falta de alimento. Faria uma intelectualização, um dos mecanismos de defesa do ego, entre os prós, alimentar-se e parar com a dor, e contras, agrotóxicos e possíveis complicações. Poderia, também, usar a negação, outro mecanismo de defesa do ego, diante de sua situação, o perigo ao agrotóxico. Possivelmente, a mulher agiria como o filósofo grego Pirro, tudo é improvável; ceticismo extremo. Não importa os meandros da mente, os sentimentos, a vida psíquica dos outros, importa o contrato. É possível o retorno do Estado liberal após os acontecimentos da Primeira Guerra Mundial?

Relativizações dos acontecimentos pretéritos, coisificação da dignidade humana pelo prisma "melhor ter algo do que nada", a oportunidade da vida boa pelo sofrimento alheio, o controle da liberdade de expressão pelo pavor e medo. Sim, notícias falsas têm essas capacidades. Não é possível justificar desenvolvimentos dos direitos humanos com corrupção; muito menos defesa do utilitarismo, do crescimento econômico não sustentável ao meio ambiente e coisificar o trabalhador.


MOBILIZAÇÕES E ATUAÇÕES DO ESTADO BRASILEIRO

Defensoria Pública (DP), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Tribunal Superior Eleitoral (TSE), enfim, o Estado brasileiro tem agido contra os "fake news". No Facebook, as páginas oficiais dos órgãos esclarecem sobre postagens, sejam por textos ou vídeos, de informações falsas. Quando há "fake news" como sendo dos órgãos públicos, estes órgãos democráticos perdem credibilidade diante dos soberanos (art. 1º, parágrafo único, do CRFB de 1988). Estado de Direito pode se transformar em estado de guerra. Existe, sim, um estado de guerra quando se analisa os confrontos entre policiais e narcotraficantes, entre policiais e milicianos, entre os próprios narcotraficantes e os próprios milicianos. Também existe o estado de guerra, com menor intensidade, nos hospitais públicos, pacientes e profissionais de saúde cometem vias de fato; os pacientes querem atendimento eficiente, os profissionais, na maioria dos casos, não prestam serviços eficientes pelos caos na saúde, caos este por crimes contra a administração pública, pelas péssimas atuações dos gestores públicos. Existe estado de guerra ideológico sejam elas religiosas, políticas, filosóficas. Se a vida não está nada fácil, imaginem sem os órgãos públicos em defesa dos direitos humanos, ou os órgãos ficassem omissos diante dos "fake news"; o "verniz civilizatório" não existiria mais, a barbárie seria o novo modo de vida: vingança de sangue, estupros, o poder econômico dos seres humanos abastados sobre os miseráveis, o Estado violando os direitos humanos dos cidadãos.


NOTAS:

(1) — Mentir, trapaças e evolução humana:

1.1 — MEGACURIOSO. A mentira e a desonestidade fazem parte do desenvolvimento humano. Disponível em: https://www.megacurioso.com.br/ciencia/104104-a-mentira-e-a-desonestidade-fazem-parte-do-desenvolvim...

1.2 — NYBOOK. A verdadeira história das notícias falsas. Disponível em: https://www.nybooks.com/daily/2017/02/13/the-true-history-of-fake-news/

1.3 — REVISTA GALILEU. Desonestidade faz parte da construção do ser humano. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/Comportamento/noticia/2017/06/desonestidade-faz-parte-da-...nstrucao-do-ser-humano.html

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1.4 — SUPERINTERESSANTE. Como a evolução explica a mentira? Disponível em: https://super.abril.com.br/comportamento/como-a-evolucao-explica-a-mentira/

(2) — Casos: Watergate, Acusação, Escola Base, Lava Jato. E a liberdade de expressão e de pensamento contemporânea? Disponível em: https://sergiohenriquepereira.jusbrasil.com.br/artigos/304283248/casos-watergate-acusacao-escola-bas...

(3) — Jornalismo: sensacionalismo ou falta de conhecimento sobre Direitos Humanos? Disponível em: https://sergiohenriquepereira.jusbrasil.com.br/artigos/236648559/jornalismo-sensacionalismo-ou-falta...

(4) — BRASIL — Instituto Nacional do Seguro Nacional. Auxílio-reclusão. Disponível em: https://www.inss.gov.br/beneficios/auxilio-reclusao/

(5) — BRASIL — STF. Fuga de Preso. http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp

(6) — ANDREUCCI, Ricardo Antonio. anual de direito penal / Ricardo Antonio Andreucci. – 10. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2014.

(7) — FACEBOOK. Carla Zambelli. Disponível em: https://www.facebook.com/198620036895177/posts/2048713111885851/?app=fbl

(8) — REVISTA ÉPOCA. A história de Lulu Kamayurá, a índia criada como filha pela ministra Damares Alves. Disponível em: https://epoca.globo.com/a-historia-de-lulu-kamayura-india-criada-como-filha-pela-ministra-damares-al...

(9) — TWITTER. Natália Portinari. Disponível em: https://twitter.com/ntlportinari/status/1090895336879595520?s=17

(10) — Memória da Ditadura. Indígenas. Disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br/indigenas/index.html

(10.1) O GLOBO. A história de resistência e morte dos povos indígenas na ditadura militar. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/livros/a-historia-de-resistencia-morte-dos-povos-indigenas-na-ditad...

(10.2) — Isto é. Massacre de índios pela ditadura militar. Disponível em: https://istoe.com.br/massacre-de-indios-pela-ditadura-militar/

(11) — BRASIL — ABIN. Disponível em: https://www.facebook.com/abin.oficial/photos/nota-de-esclarecimentoa-ag%C3%AAncia-brasileira-de-inte...


REFERÊNCIAS:

Acervo O Globo.Juruna, índio eleito para o Congresso Nacional, gravava promessas de políticos. Disponível em: https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/juruna-indio-eleito-para-congresso-nacional-gravava-prom...

BRASIL — FUNAI. Modalidades de Terras Indígenas. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas

FAPERJ. Mão Branca teria sido obra de ficção da imprensa. Disponível em: http://www.faperj.br/?id=663.2.3

Instituto Socioambiental. O que muda (ou sobra) para os índios com a reforma de Bolsonaro? Disponível em: https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/o-que-muda-ou-sobra-para-os-indios-com...

JUSBrasil. Agronegócio brasileiro. O benefício do câncer para o desenvolvimento econômico brasileiro. Disponível em: https://sergiohenriquepereira.jusbrasil.com.br/artigos/421887416/agronegocio-brasileiro-o-beneficio-...

JUSBrasil. Consumismo versus direitos humanos: O caso das castanhas de caju no RN e o trabalho escravo. Disponível em: https://sergiohenriquepereira.jusbrasil.com.br/artigos/367334537/consumismo-versus-direitos-humanos-...

JUSBrasil. Karl Marx e John Locke conversam sobre manipulação política. Disponível em: https://sergiohenriquepereira.jusbrasil.com.br/artigos/382855484/karl-marx-e-john-locke-conversam-so...

The Intercept. “Fake news” já influenciavam eleições brasileiras em 1945. Disponível em: https://theintercept.com/2018/02/07/fake-news-ja-influenciava-eleicoes-brasileiras-desde-1945/

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HENRIQUE, Sérgio Silva Pereira. Fake news, ameaça à democracia humanística:: Trinta anos da Carta Política Humanística de 1988, trinta anos sob ameaças. O verniz civilizatório se dilui, a barbárie é a normose. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5697, 5 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71863. Acesso em: 29 mar. 2024.

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