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Execução criminal provisória: para unificar o Supremo Tribunal Federal

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Existem soluções capazes de efetivar a justiça penal – diferentes da prisão automática na segunda instância – que preservam a presunção de inocência até o marco constitucionalmente posto e evitam impunidade pela eternização de processos criminais.

Já nos foi dado apurar (aqui: jus.com.br/artigos/71868) que a execução criminal provisória é, a rigor, inconstitucional, uma vez que:

a) por enunciado constitucional categórico: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, de modo que o trânsito em julgado é o único marco juridicamente válido de formação da culpa;

b) o trânsito em julgado somente se dá com o esgotamento da via recursal apta a controverter a culpabilidade do agente através da impugnação de sentenças e acórdãos.

A contrario sensu, caso o recurso extraordinário não controverta a culpabilidade do agente, limitando-se a impugnar questões outras (v.g., pedido de restituição de coisas, pedido de fixação de regime carcerário mais brando, pedido de aplicação, na dosimetria, de causas de redução de pena, etc.), viável a formação da coisa julgada parcial, em decorrência da preclusão temporal da matéria não impugnada.

c) o fato de os Recursos Especial e Extraordinário não possuírem efeito suspensivo próprio em nada afeta a presunção de inocência do agente, porquanto esta se presume até o trânsito em julgado, por afirmação constitucional, superior à mera lógica processual interna;

d) o fato de o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não conheceram da matéria fático-probatória não tem o condão de antecipar a formação da culpa, visto que o direito de defesa não se limita à controvérsia fática existente nos autos, senão abrange tanto questões de fato quanto questões de direito, ainda que limitadas à correta aplicação da Constituição e da lei federal;

e) como o sistema constitucional penal brasileiro adota a culpabilidade normativa, em despeito da culpabilidade fática, a presunção de inocência é um postulado estático, que permanece hígido até o trânsito em julgado da sentença condenatória, mantendo toda sua energização independentemente da instância recursal e dos juízos condenatórios anteriores;

f) sendo o sistema de encarceramento do indivíduo um todo lógico que guarda obrigatório respeito aos pressupostos legitimantes na forma da lei (título IX do CPP, sobretudo o artigo 283) e da Constituição (sobretudo o art. 5º, LXI), a prisão, antes do trânsito em julgado, apenas pode ser de natureza em flagrante ou cautelar (preventiva e temporária);

g) é inadmissível a hipótese alegada de mutação constitucional, porquanto em clara contradição ao “programa normativo” da Carta, isto é, em oposição manifesta ao ordenamento semântico e abstrato do texto, segundo clássicas lições de Konrad Hesse.

Com efeito, tratando-se o ‘trânsito em julgado’ de um conceito ‘fechado’, que ocorre apenas com a verificação da imutabilidade de sentença ou acórdão – nunca antes disso –, não haveria margem exegética que legitimasse a execução antecipada da pena.

Aliado a essas assertivas, concluiu-se também que, estando os direitos fundamentais suscetíveis à limitação de seu “âmbito de proteção”, em prestígio a outros direitos fundamentais ou interesse público, a execução criminal provisória poderia, sob essa perspectiva, encontra foco de constitucionalidade.

Nesse ponto, maior discussão residiria nos denominados “limites aos limites” dos direitos fundamentais, sobretudo no controle da proporcionalidade, a partir dos critérios da necessidade e da conveniência da execução antecipada.

No entanto, não nos bastando a desconstrução do entendimento atualmente majoritário no Pleno do Supremo Tribunal Federal, há de se reconhecer que a atual sistemática recursal penal extraordinária brasileira é uma máquina distribuidora de iniquidades, posto que garante, na prática, a recorribilidade eterna, até o alcance da prescrição da pretensão punitiva, ocasionando impunidade aos atos lesivos ao corpo social e fomentando, consequentemente, a prática delitiva.

Nesse sentido são os reclamos de alguns ministros, sintetizados na presente passagem, de lavra do ministro Edson Fachin, no julgamento do HC nº 126.292/SP:

Sabem todos que o trânsito em julgado, no sistema recursal brasileiro, depende em algum momento da inércia da parte sucumbente. Há sempre um recurso oponível a uma decisão, por mais incabível que seja, por mais estapafúrdias que sejam as razões recursais invocadas. Os mecanismos legais destinados a repelir recursos meramente protelatórios são ainda muito incipientes. Se pudéssemos dar à regra do art. 5º, LVII, da CF caráter absoluto, teríamos de admitir, no limite, que a execução da pena privativa de liberdade só poderia operar-se quando o réu se conformasse com sua sorte e deixasse de opor novos embargos declaratórios. Isso significaria dizer que a execução da pena privativa de liberdade estaria condicionada à concordância do apenado. (grifos nossos)

Dessa maneira, parecendo-nos que ao debate podemos agregar, damos enfoque a duas soluções que nos parecem possíveis: a reestruturação dos recursos extraordinários, transmutando-os em sucedâneos recursais externos, e o reconhecimento do abuso do direito recorrer em matéria criminal.

A primeira hipótese, por óbvio, demanda deliberação legislativa. Seu maior conveniente é que, com a transmutação dos recursos Especial e Extraordinário em sucedâneos recursais externos – ideia original do inigualável professor Renato Brasileiro de Lima –, o trânsito em julgado se daria logo após o encerramento do duplo grau de jurisdição, não havendo de se aguardar eventual jurisdição dos Tribunais Superiores, que passariam a trabalhar em caráter rescisório, sem concessão de efeito suspensivo próprio às ações autônomas de impugnação.

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Lado outro, a segunda solução, que não demandaria intervenção legislativa, seria o reconhecimento do abuso do direito de recorrer em matéria criminal, com determinação monocrática e de ofício do trânsito em julgado e imediata baixa dos autos para início da execução da pena, acaso verificada a interposição de recurso meramente protelatório, inclusive com a cominação de todas as sanções previstas no Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária.

Conforme nos foi dado apurar, há, pelo menos, três precedentes do Superior Tribunal de Justiça e um do Supremo Tribunal Federal, de lavra da Primeira Turma, em que há o reconhecimento desse abuso. A ver:

Precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

Primeiramente, não obstante a clareza das decisões anteriormente proferidas por este órgão colegiado, diante da obstinação do ora embargante, reputo necessário trazer à memória da defesa o evento esgotamento da prestação jurisdicional operado nesta colenda Corte Superior, para a análise dos pedidos feitos dessa forma tão reiterada e, adianto, abusiva. A solução destes embargos é simples, mas chamo atenção para o abuso que o ora embargante faz do seu, reconheço, direito de recorrer. […] Certifique a Coordenadoria da Sexta Turma o trânsito em julgado, caso não haja recurso extraordinário interposto para o Supremo Tribunal Federal.(STJ - EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl na MC: 11877 SP 2006/0171028-8, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 03/12/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/12/2013) [1] (grifo nosso)

No Recurso Especial 731.024, em 2010, o ministro Gilson Dipp, depois de julgar o recurso, o Agravo Regimental e cinco Embargos de Declaração, aplicou multa por protelação. Ele também determinou a imediata devolução dos autos à origem para execução do acórdão do Recurso Especial. Neste caso, houve ainda novo embargo de declaração, de outra parte, que foi igualmente rejeitado, já em 2013, pela ministra Regina Helena Costa, que sucedeu o relator.

[…] O mesmo réu já havia tido o cumprimento provisório da pena convertido em definitivo pelo STJ nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1.001.473. Naquele julgamento, os ministros da 6ª Turma entenderam que a intenção da defesa era meramente protelatória, devendo ser executada a condenação independentemente da publicação do acórdão ou da pendência de outros recursos. [2] (grifo nosso)

Precedente do Supremo Tribunal Federal:

RE nº 839.163/DF –Abuso do direito de recorrer. Risco iminente da prescrição. Possibilidade de o relator decretar o trânsito em julgado. Determinação de baixa imediata dos autos para execução da pena. Por iniciativa do ministro Dias Toffoli, a Primeira Tuma do STF afetou o exame desse caso ao Plenário. No julgamento das questões de ordem, o Pleno concluiu, à unanimidade, pela legitimidade do Relator decidir monocraticamente sobre a determinação de baixa dos autos independentemente da publicação de seus julgados seja quando haja o risco iminente de prescrição, seja no intuito de repelir a utilização de sucessivos recursos, com nítido abuso do direito de recorrer, cujo escopo seja o de obstar o trânsito em julgado de condenação e, assim, postergar a execução dos seus termos. [3] (grifo nosso)

Com essas duas medidas, cremos que a efetivação da justiça, hoje tão precária, se concretizaria de forma plena, garantido a presunção de inocência até o marco constitucionalmente posto – evitar-se-ia, portanto, a afronta ao “programa normativo” do enunciado constitucional, salvaguardando-nos da consequente ruptura constitucional – e rechaçaria, de plano, os recursos meramente protelatórios, findando, ao menos em tese, o cotidiano de abjeções processuais.

Outrossim, considerando que a motivação primária da corrente favorável à execução penal provisória é a morosidade processual e a interposição protelatória de recursos, as soluções acima apontadas parecem, em tese, satisfazer todos os ministros da Corte.

Há, pois, de se unificar o Supremo! Sem atentados a uma garantia fundamental arraigada há séculos no valoroso espírito democrático – e à própria Constituição, que, com a ruptura, se enfraquece – e sem complacência ao atos ignóbeis atualmente praticados através da “farra recursal impune” que é perpetrada nos Tribunais Superiores.

Urge que o Supremo ganhe unidade. Humildemente, peço voz. É o pedido de quem acredita poder agregar.


Referências: 

1. Inteiro teor disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24811611/embargos-de-declaracao-nos-embargos-de-declaracao-nos-embargos-de-declaracao-nos-embargos-de-declaracao-na-medida-cautelar-edcl-nos-edcl-nos-edcl-nos-edcl-na-mc-11877-sp-2006-0171028-8-stj/inteiro-teor-24811612>. Acesso em 09 fev. 2019.

2. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-jan-26/veja-abusos-direito-recorrer-apresentam-jurisprudencia>. Acesso em 09 fev. 2019.

3.  Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/toffoli-assume-presidencia-stf-deixa.pdf>. Acesso em 09 fev. 2019.

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Sobre o autor
Guilherme Santiago Menezes Agertt

Bacharel em direito pela Universidade Federal de Pelotas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGERTT, Guilherme Santiago Menezes. Execução criminal provisória: para unificar o Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5749, 29 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72013. Acesso em: 25 abr. 2024.

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