Ingerenciamentos das privatizações:

Companhia Vale do Rio Doce S/A

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13/02/2019 às 11:05
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XVI - CONSIDERAÇÕES FINAIS

É cediço que a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, hoje, simplesmente Vale S/A, foi por demais controversa, principalmente por não haver sido levado em consideração o grande valor potencial das reservas do minério de ferro, sob a posse, à época, da precitada Companhia, mas tão somente o valor de sua infraestrutura. Há de se verificar, não obstante, que, nessa decisão tomada, ocorreu um contexto  político, histórico e econômico, uma vez que desde o finais da década de 1970, universalizou-se o apego à corrente de pensamento econômica neoclássica e, destarte, o Fundo Monetário Internacional (FMI) instituiu um conjunto de normas, denominado de Consenso de Washington, que defendia a privatização de todas as empresas estatais, de modo indiscriminado, como um método que deveria acelerar o desenvolvimento econômico mundial.

Enquanto para os economistas rigorosos tradicionais, a privatização representa um conceito hegemônico (o domínio de uma classe sobre outra). Para outros, nos casos de Feigenbaum e Hening (1994), conceituam a privatização como uma arena de interesses e consideram que o processo de desestatização é essencial para alinhar instituições e processos decisórios. A motivação para efetivar o processo seria o interesse dos grupos em estabelecer seus objetivos em detrimento dos de outros grupos. Ademais, consideram a privatização como um fenômeno de fundamentos políticos e não econômico, administrativo ou fiscal. A privatização, normalmente, tem objetivos políticos explícitos, trazendo como consequências a redistribuição de custos e benefícios dentre diferentes grupos numa sociedade.

Em 2016, o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) admitiu, via relatório, o fracasso das políticas neoliberais incentivadas anteriormente. Assim, diante dessa polêmica, o jornalista Elio Gaspari, apelidou essa operação privatizando a estatal de “privataria”, criando um neologismo.

É sabido que esses desvios de finalidades nas privatizações não ocorreram tão somente no Brasil, mas em todo o mundo. O exemplo de Joseph E. Stiglitz, ex-vice-presidente Sênior para políticas de desenvolvimento do Banco Mundial, apelidou esse método, ocorrido nas privatizações dos anos de 1990, de briberization (propinização).

Ações populares foram impetradas, através de setores descontentes da sociedade, na tentativa de anular a venda da estatal, dentre elas a proposta de um grupo de jurista do Estado de São Paulo, liderados pelo professor Fábio Konder Comparato, associando-se a Celso Antônio Bandeira de Mello, Dalmo de Abreu Dallari, Goffredo da Silva Telles Jr e Eros Grau. Referidas ações até a presente data se perpetuam na Justiça, com poucas possibilidades de êxitos.

Em seguida, dois bancos internacionais foram chamados pelo Governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, para avaliarem a estatal que seria leiloada, sendo um deles a Merrill Lynch. Diante desse fato, até a presente data muitos economistas não conseguem entender porque os bancos escolhidos por FHC avaliaram a Companhia Vale do Rio Doce, apenas pelo critério de “fluxo de caixa existente à época, descontado”, deixando de lado o valor potencial de suas reservas de minério de ferro, significando que as ricas reservas de minério entraram na negociação com valor zero, mesmos sabedores de que as referidas reservas eram capazes de abastecer o mundo pelos próximos 400 anos.

Precitados critérios até hoje são fortemente questionados, inclusive a setores da sociedade brasileira, tentando orquestrar um plebiscito, visando a reverter à privatização da ora Vale S/A, por entenderem que manobras lesivas foram feitas em detrimento do patrimônio brasileiro.

Segundo reportagem, noticia que no Estado de Minas Gerais há concentração de 63% das barragens de minérios do país, com alto risco estrutural. Assim, das 19 barragens contendo rejeitos de minérios com alto risco de acidentes no Brasil, sendo que 12 barragens estão localizadas em Minas Gerais e duas delas têm potencial de dano médio, enquanto para as outras 10, o risco é considerado alto. Esses dados precitados fazem parte de relatório publicado recentemente pela Agência Nacional de Mineração (ANM), em torno da situação das barragens de minério no Brasil.

Segundo o relatório da ANM, é levado em consideração o alto o risco de acidente, quando há problemas nas características técnicas do local ou do estado de conservação da barragem é ruim. Quanto ao potencial de dano, este é medido pelo tamanho do estrago que pode ocorrer, caso haja rompimento da estrutura, “graduado de acordo com as perdas de vidas humanas e impactos sociais, econômicos e ambientais”, informa a agência.

Quanto às barragens que apresentam alto risco de acidente no Estado de Minas Gerais, estão situadas nas cidades de Belo Horizonte, Brumadinho, Itabirito, Mariana, Ouro Preto e Rio Acima. Por outro lado, em três estados brasileiros têm barragens de minérios com o mesmo grau de risco, são 03 em Mato Grosso, 2 no Pará e outras duas em Rondônia.

Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, existem duas barragens a de nºs 1 e 2 da Mina Engenho; em Rio Acima são duas que aparecem na lista da Agência Nacional de Mineração (ANM), com a classificação “A”, ou seja, de risco alto e elevado potencial de dano, consideradas de alto risco e mais perigosas do Brasil.

No tocante às barragens com rejeitos químicos de exploração de ouro, estas foram abandonadas pela empresa Mundo Mineração e hoje estão sob a responsabilidade do governo de Minas Gerais. Releva dizer, ainda, que um dos elementos químicos que estão presentes na referida barragem é o cianeto, substância altamente tóxica, utilizada na extração de ouro. As referidas barragens situam-se a 2 km do Rio das Velhas, que abastece 1/3 da população da capital mineira, sendo, também, um dos afluentes do Rio São Francisco. Quanto ao maior risco na hipótese de um rompimento é de contaminação química, segundo Marcos Antônio Reis, Secretário de Meio Ambiente de Rio Acima/MG.

De conformidade com o mapeamento da ANM, o risco de acidentes é considerado médio em 54 barragens de rejeitos de minério do país. Enquanto que nas outras 376 barragens, esse potencial é considerado baixo. No que pertine aos danos que poderiam ocorrer caso houvesse acidentes em tais locais, a proporção é invertida, ou seja, em 223 barragens, ele é considerado alto. Em 142 barragens é tido como médio e, em apenas 84 barragens o potencial é baixo.

Por conseguinte, os precitados dados foram copiados do Cadastro Nacional de Barragens de 2016, publicado em 2017, pela Agência Nacional de Mineração (ANM), quando mapeou 449 das 839 barragens de rejeitos de minério existentes no Brasil.

Vale ressaltar, que a barragem I do Córrego do Feijão, rompida no dia 25/01/2019, em Brumadinho/MG, servia à Mina Feijão, de propriedade da empresa Vale S/A. Em 2016, a ANM considerou baixo o risco de acidentes no local. Porém, no pertinente ao potencial de dano era alto. A barragem tinha 87 metros de altura e era utilizada para armazenar minério de ferro, segundo o relatório da Agência.

Por outro lado, o Sistema Nacional de Informações sobre Seguranças de Barragens (SNISB), da Agência Nacional de Águas (ANA), avalia como “não classificado” o acidente que causou o rompimento da barragem, ou seja, descartou a avaliação sobre o risco de acidentes no local. O referido sistema tem 3.583 barragens cadastradas, que são utilizadas para minérios e água. Destas barragens, apenas 401 foram classificadas de conformidade com o risco estrutural e 87 delas os riscos eras altos.

É intuitivo concluir, a partir da aplicação das teorias econômicas e políticas neoliberais, que, como uma forma orientadora do crescimento econômico sustentável, é desejável que a instituição privada assuma a gestão da economia que havia sido retirada pelo Estado.

O emprego dessa teoria originou-se a partir do Programa Nacional de Desestatização do governo Collor, impulsionado pela Lei nº 8.031/90 e, mais precisamente por seu parceiro de partido político Fernando Henrique Cardoso, através da Lei nº 9.491/97, criado para atender as exigências do mercado financeiro, uma das responsáveis pelo golpe, em concomitância com elites midiáticas e oligárquicas.

Por conseguinte, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FGC), com base nessa ideia política neoliberal, conseguiu privatizar a Companhia Vale do Rio Doce S/A, quando da sua gestão em 06/05/1997, vendendo-a para a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), com ajuda financeira de George Soros, um mega especulador mundial, que é reconhecido pela Revista Americana EIR, como um dos reis mundiais do narcotráfico, conforme alhures anunciado. 

Ademais porque, na avaliação feita pelos bancos escolhidos pelo FHC, foi levado em conta apenas o critério “fluxo de caixa existente descontado”, omitindo-se de calcular o valor potencial das reservas de minério de ferro maiores do mundo, capazes de abastecer o mundo pelos próximos 400 anos. Assim sendo, entende-se que as milionárias reservas de minérios não foram avaliadas, tampouco compradas.

A partir de então, tudo que foi criado pelo governo de Getulio Vargas, grande estadista, conhecido como “Pai dos Pobres”, salvante a gestão militar, passou a ser alvo da iniciativa privada, principalmente no governo Temer, que, após o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi o presidente que mais editou medidas provisórias, sempre direcionadas a proteger a classe empresarial, em detrimento do trabalhador, a exemplo da Lei da Terceirização (Lei nº 13.429/2017), alterando a Lei nº 6.019/74, que a posteriori foi inserida no contexto da Reforma Trabalhista, acabando de uma vez por todAs com a classe dos servidores públicos, uma vez que ficou mais fácil e menos dispendioso contratar uma mão de obra privada, desvinculada praticamente das obrigações trabalhistas e de proteção do trabalhador, implantadas pelo saudoso ex-presidente Getulio Vargas.

No tocante aos desastres ocorridos, com as destruições das barreiras de rejeitos no Estado de Minas Gerais, acima descritos, vislumbra-se a presença da carência de gestão, a partir do processo de privatização, estendendo-se até as medidas preventivas e acauteladoras que deveriam ter sido tomadas, a partir da escolha estrutural para a construção da barragem, do local da administração da mineradora e da moradia dos seus funcionários e de moradores locais.

Convém observar, com maior atenção, que tudo que aconteceu foi criminoso, com os acidentes e impactos da mineração que ocorreram de forma reiterada e as empresas permanecem com a postura despótica, sem qualquer responsabilidade social e ambiental, empregando uma cortina de fumaça sobre a realidade dos recentes acontecimentos trágicos.

Ressalte-se, portanto, que a entrega de uma estatal para as mãos da iniciativa privada é rigorosamente planejada e estudada com afinco, visando a preservar não só o patrimônio público brasileiro, como a vida dos trabalhadores e dos habitantes locais.

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Em suma, que haja uma apuração austera pelas autoridades competentes, responsabilizando os envolvidos diretos e indiretamente, e na forma tridimensional, ou seja, administrativamente, civilmente e penalmente e, quiçá, condutas assumindo o risco de produzir (crime preterdoloso) ou mesmo doloso, uma vez que, após a gestão militar, a incompetência de gestão generalizou-se, causando tanto os escândalos de corrupções nas áreas privadas e políticas, quanto nas ingerências de empresas privadas por ações e omissões, nos tratos das barragens localizadas em Mariana e de Brumadinho, ambas situadas no Estado de Minas Gerais, que redundaram em centenas de morte, desaparecimentos e desabrigos de pessoas, ocorrências essas bradadas, reinteiradamente, de formas contundentes e até enfurecidas pelo ícone Jornalista Ricardo Boechat, vítima fatal de um trágico acidente, ocorrido no dia 11/02/2019, ocasionado pela queda de um helicóptero.

Assim como pela falência da segurança pública, ao ponto de atentarem contra a vida do nosso Presidente Jair Bolsonaro; da falta de saneamento básico no Estado do Rio de Janeiro e em outros estados da Federação; além da ausência de administração com a segurança física preventiva em alojamentos de atletas. Todas essas ocorrências fáticas, induvidosamente, foram causadas pelas ingerências de gestores, mediante negligência, imprudência e imperícia, além da possibilidade da prática de crime preterdoloso ou doloso.

Enfim, notícia recente revela que o Tribunal Regional Federal (TRF1), em decisão prolatada em 08/02/2019, pela Desembargadora Federal, Daniele Maranhão, nos Autos do Processo nº 10000940-16.2019.4.01.0000, suspendeu a decisão liminar do Juízo da 12ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais que, no mês de dezembro de 2018, havia acolhido o Incidente de Divergência de Interpretação na execução do Termo de Transação de Ajuste de Conduta (TTAC), autorizando a dedução/compensação dos pagamentos realizados a título de Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), relativas às indenizações por lucros cessantes, a serem pagas no Programa de Indenização Mediana (PIM), em decorrências do rompimento da Barragem de Fundação em Mariana/MG.


XVII – REFERÊNCIAs BIBLIOGRÁFICAS

E farsas – Edição de 18/11/2015 – Repórter Gilmar Lopes.

G1 – Globo. Com – Edição de 31/01/2019 – Por Humberto Trajano e Natalia Leal.

Instituto Socioambiental – Edição de 10/11/2015.

Jornal A Folha de São Paulo – Edição de 07/05/1997 – Por Fernando Paulino Neto

Jornal A Folha de São Paulo – Edição de 26/06/2016 – Por Estevão Bertoni (SP) e José Marques (MG).

Jornal A Folha de São Paulo – Edição de 25/01/2019 – Por Natália Leal.

Jornal A Folha de São Paulo – Edição de 06/02/2019.

Jornal Terra – Edição de 29/01/2019 – Por Fernanda Odilla.

Jornal da Vale S/A – Edição de 13/04/2017.

O Tempo – Edição de 28/01/2019 – Por Heitor Mazzoco.

Política e Direito Socioambiental – Edição de 10/11/2015.

Vozes e Silenciamentos em Mariana – Edição de 29/01/2018 – Por Joice Santos.

Wikipédia – Enciclopédia Livre – Edição de 23/09/2016.

Wikipédia – Enciclopédia Livre.

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Sobre o autor
Jacinto Sousa Neto

Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico.

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