A educação prisional no Mercosul, unidade prisional de Bom Jesus, Estado do Piauí, Brasil

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07/03/2019 às 19:00
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5 METODOLOGIA DA PESQUISA

Com o objetivo de contribuir com a discussão sobre a política de execução penal brasileira, este trabalho, propondo abordar algumas questões que envolvem a educação para detentos do sistema penitenciário como programa legal de ressocialização, procurou compreender o papel que a educação básica desempenha no sistema penitenciário, buscando descrever e analisar as relações entre educação básica e “ressocialização” dentro de um sistema penal. Desse modo, procurou-se analisar a versão oficial sobre a política de educação desenvolvida nos presídios; a percepção que os professores têm a respeito dessa política; e como os internos penitenciários analisam a educação da qual participam. Teve-se como proposta central, desenvolver uma análise documental e uma coleta de relatos orais a respeito do modelo de política pública de educação penitenciária aplicado na Unidade Prisional de Bom Jesus, Estado do Piauí, Brasil.

5.1 Descrição do Lugar do Estudo

O Piauí situa-se na Região Nordeste do Brasil com uma população estimada de 3.006.885 de habitantes, de acordo com o Censo Demográfico de 2007, realizado pelo IBGE. A Densidade Demográfica é de 11,31 habitantes por km², com área de 252.378 km², representando 16,17% da Região Nordeste e 2,95% de todo o território brasileiro. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,656 segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano/PNUD (2000).

Bom Jesus é um município brasileiro do Estado do Piauí, sua população estimada em 2007 é de 19.575 habitantes segundo o recente censo do IBGE. A cidade de Bom Jesus tem passado por um período de rápido crescimento populacional e econômico em função da expansão na área agrícola. Na década de 1990, produtores de soja do Rio Grande do Sul começaram a chegar e a cultivar soja no cerrado do Piauí, principalmente em Bom Jesus e Uruçuí. Hoje, aproximadamente 220 mil hectares são cultivados com soja, arroz e algodão nessa região, considerada a última fronteira agrícola do Brasil. Localizada na região do Vale do Rio Gurguéia, a cidade é muito rica em água subterrânea. Os poços jorrantes (a água sai sem precisar de bombeamento) são abundantes.

Tomamos como experiência a Penitenciária Regional Dom Abel Alonso Núñez localizada na BR-135, Km 3,7, Localidade Vila Estela, cidade de Bom Jesus, Estado do Piauí, Brasil, Unidade Prisional que dispõe apenas de vagas para o sexo masculino com capacidade para 76 (setenta e seis) detentos, por ter sido o primeiro Gerente da Unidade Prisional durante os anos de 2004, 2005 e os três primeiros meses do ano de 2006, quando implantamos em 18 de setembro de 2004 o Projeto “Educando para a Liberdade” contemplando inicialmente 20 (vinte) alunos, sendo que no dia 28 (vinte e oito) de setembro do mesmo ano foi procedido diagnóstico para o desmembramento da turma adotando-se o critério de separação entre alfabetização e segundo ciclo 3ª e 4ª séries de educação de jovens e adultos, atividades educativas que tinham a frente a pedagoga Ivone Antônia da Silva e Marilene de Matos Rosal licenciada em letras/português.

No ano de 2005 o Projeto “Educando para a Liberdade” aumentou o número de alunos para 30 (trinta) reeducandos, sendo uma turma de primeira etapa (1ª e 2ª séries) e outra turma de segunda etapa (5ª e 6ª séries) de educação de jovens e adultos e uma turma de alfabetização (Alfabetização Solidária) a cargo da professora Maria Fátima Lopes de Oliveira. O Gerente da 14ª Gerência Regional de Educação da cidade de Bom Jesus professor de matemática José Antônio Alves Piauilino passou a ser professor voluntário e ministrou a disciplina de matemática uma vez por semana dentro do citado projeto. 

A Escola da Penitenciária Regional de Bom Jesus atualmente conta com 25 (vinte e cinco) detentos estudando, os reeducandos frequentam o Programa de Educação de Jovens e Adultos – EJA que funciona em três etapas: Primeira Etapa (1ª e 2ª Séries), Segunda Etapa (3ª e 4ª Séries) e Terceira Etapa (5ª e 6ª Séries).

As disciplinas ministradas todas são da Educação de Jovens e Adultos - EJA: Matemática, Geografia, História, Inglês, Português, Relações Humanas, Ensino Religioso, Artes (artesanato), sendo que as disciplinas de História e Geografia estão voltadas para a realidade local.

A disciplina Relações Humanas trabalha a parte social, a vida após a saída da Penitenciária, regras de comportamento e de convivência social.

A disciplina de português procura através do estimulo a leitura de livros, revistas e jornais despertar e incentivar o gosto pela leitura.

O horário das aulas da Escola da Penitenciária e no turno da manhã entre as 08h00min e às 11h30min de segunda a sexta-feira.

 5.2 Fontes de Dados

O Estudo utilizou fontes primárias como enquete e questionários, fontes secundárias de pesquisa de campo, relatórios, arquivos, livros e fotos.

5.3 Tipo e Método de Estudo

5.3.1 Tipo       

O desenho desse estudo é não experimental, transversal, de tipo descritivo. A pesquisa foi sem manipular deliberadamente as variáveis trata-se de uma pesquisa em que não fazemos variar intencionalmente as variáveis independentes. O modelo é transversal por que o procedimento consiste situar um grupo de pessoas num contexto analisando um fenômeno e proporcionando sua descrição           (Hernandez–Sampieri et al., 2006, p. 208). O que fazemos é observar fenômenos tal como se produzem em seu contesto natural para depois analisá-lo. Os dados coletados foram em um só momento em um tempo único. Seu objetivo foi descrever variáveis e analisar sua incidência e sua inter-relação em dado momento. O estudo é descritivo porque busca especificar propriedades e características importantes da educação como um dos instrumentos de recuperação de detentos medi e coleta informações de maneira independente

5.3.2 Método

O método de estudo é o qualitativo e quantitativo, considerando que foram realizados registros narrativos obedecendo a um padrão técnico, procurando ser um mecanismo que oferecesse subsídios para análise temática do conteúdo.

5.4 População e Amostra

5.4.1 População

A Penitenciária Regional de Bom Jesus dispõe apenas de vagas para o sexo masculino, com capacidade para acolher 76 (setenta e seis detentos), possui dois pavilhões, módulo de ensino (escola), módulo de visita íntima, módulo ecumênico, módulo de guarda externa e prédio amplo onde funciona a administração da Unidade Prisional.     

Os 25 (vinte e cinco) reeducandos do Módulo de Ensino do Projeto “Educando para a Liberdade” da Penitenciária Regional Dom Abel Alonso Núñez de Bom Jesus, Estado do Piauí, Brasil.

5.4.2 Amostra

Tomou-se como amostra os 25 (vinte e cinco) reeducandos que frequentam o módulo de ensino, o conjunto de reeducandos do Módulo de Ensino do Projeto “Educando para a Liberdade” da Penitenciária Regional Dom Abel Alonso Núñez de Bom Jesus, Estado do Piauí, Brasil, esclarecer que nesse caso tomou-se como amostra todos os alunos que frequentam o módulo de ensino.

5.5 Técnicas de Coleta de Dados

Feita mediante a manipulação de certas condições e a observação dos efeitos produzidos, sendo realizadas obedecendo a um padrão técnico, procurando ser um mecanismo que oferecesse subsídios para análise temática do conteúdo. 

Utilizaram-se questionários, entrevistas com alunos e ex-alunos, professores, agentes penitenciários (guarda interna), militares (guarda externa), coordenadores, administração, gerência, fez-se uso de fontes bibliográficas, pesquisas no arquivo da Penitenciária Regional Dom Abel Alonso Núñez, procedeu-se levantamentos dos relatórios e formulários mensais do INFOPEN – Sistema de Informação Penitenciário Nacional.

5.6 Técnicas de Análises de Dados

Utilizou-se a análise estatística, representações gráficas. Narração e interpretação da situação atual dos reeducandos e as condições para aumentar a oferta de ensino.


6 DISCUSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

6.1 Dados Demográficos dos Reeducandos

6.1.1 Grau de Escolaridade

Gráfico 01 - Grau de escolaridade dos detentos da penitenciária regional de Bom Jesus

O gráfico nº. 1 demonstra que dos 85 (oitenta e cinco) detentos recolhidos na Penitenciária Regional de Bom Jesus 46% dos detentos são alfabetizados, enquanto que 32% são analfabetos, 19% concluíram o ensino médio e somente 3% possuem o ensino superior incompleto.

Foucault (1987, p. 224) diz: “A educação do detento é, por parte do poder público, ao mesmo tempo uma precaução indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação para com o detento, ela é a grande força de pensar.”

6.2 Processo Ensino-Aprendizagem

Gráfico 2 - Avaliação do processo ensino-aprendizagem pelos detentos (reeducandos) da escola da Penitenciária

A População avaliada são os 25 (vinte e cinco) detentos que frequentam a Escola da Penitenciária Regional de Bom Jesus. Tomou-se como amostra o conjunto da população de detentos que frequentam a Escola.

No gráfico nº. 2 se observa que 68% dos detentos considera satisfatório e de qualidade o processo-ensino aprendizagem da Escola da Penitenciária de Bom Jesus, para 20% consideram que deve ser melhorado o processo ensino-aprendizagem e uma pequena parcela 12% não soube opinar.

"Educação autêntica, que não descuide da vocação ontológica do homem, a de ser sujeito" (Freire, 1979, p. 66)

 

Gráfico 3 - Processo ensino-aprendizagem voltado para a realidade do detento

O gráfico de nº. 3 informa que para 48% dos detentos que frequentam a Escola da Penitenciária Regional de Bom Jesus o processo ensino-aprendizagem é voltado para a realidade do detento, para 32% o processo ensino-aprendizagem não é voltado para a realidade do detento e 20% dos detentos que frequentam a Escola não souberam opinar.

Mirabette (1993: p.lxxxv):

 “A assistência educacional deve ser uma das prestações básicas mais importantes não só para o homem livre, mas também àquele que está preso, constituindo-se, neste caso, em um elemento de tratamento penitenciário como meio para a reinserção social”.

 

Gráfico 4 - Avaliação dos detentos sobre a carga horária da escola da Penitenciária Regional de Bom Jesus

Informa o gráfico de nº. 4 que para 65% dos detentos que freqüentam a Escola da Penitenciária a carga horária é suficiente para ministrar todos os conteúdos ao longo do ano, para 25% dos detentos a carga horária é insuficiente para ministrar todos os conteúdos ao longo do ano e 10% não souberam responder ou não sabem avaliar.

Gadotti (in: Educação, 1999, p. 62) diz que “Educar é libertar [...] dentro da prisão, a palavra e o diálogo continuam sendo a principal chave. A única força que move um preso é a liberdade; ela é a grande força de pensar.”

 

Gráfico 5 - O que pode ser feito para melhorar o processo ensino-aprendizagem segundo os detentos (reeducandos) freqüentam a escola da Penitenciária

O gráfico de nº. 5 demonstra que para 37% dos detentos que freqüentam a Escola da Penitenciária o que pode ser feito para melhorar o processo ensino-aprendizagem é a melhoria no relacionamento dos agentes penitenciários com os detentos reeducandos que freqüentam a escola, para 25% o ensino ministrado deve ser voltado para a realidade carcerária do detento, para 21% a escola deve ter melhores equipamentos e material didático, 13% entende que deve ser aumentada a carga horária para melhorar o processo ensino-aprendizagem e 4% não souberam responder.

“Controle técnico da detenção - a gestão das prisões, seu regime, deve ser realizado por pessoal capacitado, que zele pela boa formação dos condenados” (Foucault, 1986, p. 221).

 

Gráfico 6 - O que pode ser feito para aumentar as vagas na escola da penitenciária segundo os detentos

O gráfico de nº. 6 demonstra que para 60% dos detentos que freqüentam a Escola da Penitenciária o que pode ser feito para aumentar as vagas para os detentos na Escola da Penitenciária seria o aumento do número de agentes penitenciários, para 15% seria aumentar o número de professores, para 10% seria o aumento da segurança da Unidade Prisional, para 10% seria pela vontade do Gerente da Unidade Prisional que determinaria o aumento e 5% não souberam responder.   

Mirabete (2002) mencionando o artigo 205 da Constituição Federal que elege “educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Gráfico 7 - O que pode ser melhorado para que o processo ensino-aprendizagem e a carga horária atendam seus objetivos segundo os professores

O gráfico de nº. 7 demonstra que para 50% dos professores que lecionam na Escola da Penitenciária o que pode ser feito para melhorar o processo ensino-aprendizagem e a carga horária é um processo ensino-aprendizagem voltado para a realidade do reeducando, para 25%  melhorar o relacionamento agente penitenciário/reeducando e 25% sensibilizar o sistema penitenciário para a importância da educação como instrumento de recuperação de detentos.

Nesse aspecto, Gadotti (in: Educação, 1999, p. 62) salienta a necessidade de trabalhar no reeducando “[...] o ato antissocial e as conseqüências desse ato, os transtornos legais, as perdas pessoais e o estigma social.” Em outras palavras, desenvolver nos educandos a capacidade de reflexão, fazendo-os compreender a realidade para que de posse dessa compreensão possam então desejar sua transformação. Assim como saliente o artigo... “[...] uma educação voltada para a autonomia intelectual dos alunos, oferecendo condições de análises e compreensão da realidade prisional, humana e social em que vivem”.

 

Gráfico 8 - O que pode ser modificado na área de ensino e aprendizagem para melhorar o aproveitamento dos reeducandos segundo os professores

O gráfico de nº. 8 demonstra que para 50% dos professores que lecionam na Escola da Penitenciária o que pode ser modificado na área de ensino e aprendizagem para melhorar o aproveitamento dos reeducandos seria trabalhar a autoestima dos reeducandos, para 25%  um ensino que prepare para a vida após a prisão e 25% melhorar a relação agente penitenciário reeducando.

Indivíduo "reabilitado", portanto, seria o infrator plenamente ajustado ao aparelho carcerário; especificado e patologizado técnica e cientificamente em face da sociedade - "preso um dia, preso toda a vida" (Castro et al., 1984, p. 110).

 

Gráfico 9 - O que pode ser modificado na área de ensino e aprendizagem para melhorar o aproveitamento dos reeducandos segundo o gerente da Penitenciária

O gráfico de nº. 9 demonstra que para o gerente da Penitenciária Regional de Bom Jesus o que pode ser modificado na área de ensino aprendizagem para melhorar o aproveitamento dos reeducandos seria 84% um ensino que possa desenvolver as qualidades e as aptidões dos reeducandos e 8% ensino voltado para a realidade do reeducando encarcerado, 4% um ensino crítico e conscientizador e 4% contratar mais agentes penitenciários para a Unidade Prisional de Bom Jesus.

Fernando Salla (in: Educação, 1999, p. 67) “[...] por mais que a prisão seja incapaz de ressocializar, um grande número de detentos deixa o sistema penitenciário e abandona a marginalidade porque teve a oportunidade de estudar.”

A vida é curta demais para ser pequena. Sim, todavia, uma das mais claras realidades de nosso tempo é a crise em que a humanidade se debate.

Ao fim de mais um milênio, a tecnologia, que levou o homem a conquistar o mundo, não deu solução aos grandes problemas que afligem o espírito humano. E jamais dará, porque eles transcendem de suas rasteiras possibilidades. O homem de hoje sabe muito do universo, mas pouco avançou no conhecimento de suas origens e de seu destino, embora possa dispor das maravilhas da ciência e de seus limites inatingíveis.

Na verdade, a natureza humana é complexa e opulenta, polimorfa e impossível de ser enquadrada num sistema de coordenadas ou em esquemas invariáveis. Ainda não apareceu um gênio para ensinar como se determina a abcissa da dor ou em que proporção o sofrimento, a paixão, a fé, a ambição, o medo, o amor e o ódio penetram no mais íntimo da alma. Ainda não se inventou o processo físico de fazer sorrir ou a lágrima brotando da composição química dum laboratório.

A técnica deu aos países do Primeiro Mundo o conforto, o bem-estar e a abundância. Tudo isso é bom, mas não basta. Ela não evitou o aumento da violência, o choque das raças, o genocídio, a proliferação do narcotráfico, a engrenagem da corrupção, o desemprego, o gangsterismo, a miséria maior dos pobres, a mortalidade infantil e tantos outros males, como o desencadeamento duma violência e duma insegurança nunca dantes conhecidas.

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Faz parte dessa problemática o peso dos juros da dívida social potencializado na imagem negativa que a população tem da polícia, da Justiça e do Legislativo, quando nessas instituições o povo deveria encontrar os parceiros necessários e úteis à prática do respeito aos direitos humanos, com proteção eficaz e cultivo da prometida bem-aventurança.

Chegamos ao século XXI sem que nenhum país possa mostrar, com clareza, que conseguiu resolver todos os problemas penitenciários, com a prisão ou sem ela.

É certo que, aqui ou ali, pode-se encontrar uma ou outra experiência bem-sucedida. Contudo, no conjunto mundial, o panorama geral é ruim, sobretudo nos países do Terceiro Mundo, daí se concluir que qualquer estabelecimento penal de bom nível representa apenas uma ilha de graça num mar de desgraças.

Sair da prisão é encontrar a possibilidade de abandonar um processo de morte por outro de vida. Por isso vale a pena ficarmos atentos às alternativas penais que estão surgindo, sobretudo para os soft crimes, diante da expectativa geral pela descoberta ou inauguração dum novo estilo de pena, em condições de respaldar um decisivo movimento de respeito e reconhecimento à dimensão humana da imensa legião de pessoas condenadas pela Justiça Penal. As modernas reações penais, sobretudo as penas comunitárias, não devem ser vistas como política de clemência legislativa, e sim como autênticas fórmulas de tratamento bem definido, com variedade de procedimentos aptos a dar adequada resposta a problemas específicos das zonas de delinqüência.

Não há prisão feliz, pois ninguém escolhe a prisão para ser sua dream house, especialmente porque a privação da liberdade não evita nascer rusgas na alma e não permite nenhum equilíbrio entre o corpo e o espírito, em ambiente de intensa carga negativa, onde as pessoas estão sempre a mostrar e a refletir dor ou sofrimento, na batalha diária da sobrevivência e da incessante internalização dos apodrecidos valores da vida carcerária, que inviabilizam qualquer capacidade de superação. É por isso que a reabilitação pretendida pela legislação penal, em todos os lugares do mundo, tem patenteado, na prática, o desalento, a aflição e a definitiva rebeldia contra uma sociedade que fecha as portas ao egresso, quando chega o tempo do le lendemain de la peine, na elegante expressão dos franceses. A prisão continua, assim, a procurar um futuro novo capaz de viabilizar medidas práticas de execução penal que correspondam aos anseios da reinserção social e moral.

Eis a razão pela qual se diz, a todo instante, que a prisão:

a) não serve para o que diz servir;

b) oferece o máximo de promiscuidade;

c) neutraliza a formação e o progresso de bons valores;

d) estigmatiza o ser humano;

e) funciona como máquina de reprodução da carreira no crime;

f) introduz na personalidade a prisionalização da nefasta cultura carcerária;

g) estimula o processo de despersonalização;

h) legitima o desrespeito aos direitos humanos;

i) destrói a família do condenado.

Ao contrário, para realizar plenamente os seus fins, a pena de prisão deve ser:

a) proporcional à gravidade do crime e à culpabilidade do agente;

b) impulsora do senso de responsabilidade;

c) eficaz na defesa da sociedade;

d) reparadora do dano causado;

e) exemplar para todos;

f) tranquilizadora dos homens de bem;

g) medicinal para o próprio delinquente;

h) alicerce para o exercício sadio da cidadania;

i) caminho para a retomada dos sonhos na vida familiar e comunitária.

Ponto de partida para uma política penitenciária justa e eficiente é, portanto, o de que a prisão, muito além da sua natureza aflitiva, deve ser a base da restauração pessoal, para quem nela vive carente de boas oportunidades. Daí a imprescindibilidade de servidores penitenciários com senso crítico, formação e treinamento contínuo que garantam a capacidade técnica de viabilizar a pedagogia da reinserção social.

Essas considerações suscitam um grave problema: a pena justa é praticamente alcançável?

É fácil teorizar; difícil é pôr em prática. Mas não devemos nos contentar com que a justiça reine em alturas inatingíveis. Se, por um lado, é vã a pretensão de realizar um Direito Penal olímpico, por outra parte não devemos renunciar à busca de uma solução razoável e que se aproxime o mais possível do ideal. Em outras palavras, temos de agir como em matemática: por aproximações. Para isso devemos confrontar o proveito ilícito buscado pela vontade depravada do delinquente com o sacrifício que o castigo lhe imporá.

De que valeria, por exemplo, infligir uma pena infamante para quem, voluntariamente, degradou o próprio nome nos caminhos do vício?

Enfim, a solução para os problemas que afetam o sistema penitenciário, em todos os Continentes, só será obtida se baseada na convicção de que esta não é uma questão isolada, estanque. Ao contrário, necessita ser entendida como um verdadeiro sistema de vasos comunicantes, fundamentada em quatro pontos: a justiça social; o sistema policial; o sistema judiciário; e o sistema penitenciário. Além disso, exige uma ampla discussão a envolver todos os segmentos sociais, cujos componentes não devem continuar contaminados e imobilizados pelo preconceito e pela indiferença.

Tanto o Governo como a opinião pública precisam se preparar com políticas eficientes para encarar a questão penitenciária como componente relevante do progresso científico e tecnológico, considerando que faz parte de uma sociedade justa, equitativa, educada e economicamente expressiva, saber dar conta dessa problemática com seriedade, determinação e competência. Preso e sociedade sempre terão de conviver como vizinhos decentes, ainda que estipulando fronteiras. Não precisa ser uma cena de Dostoievski, de irmãos se abraçando, mas uma convivência de compreensão e tolerância, na rota dum consensualismo em condições de aproximar o delinqüente da vida normal dos cidadãos.

Veja-se, por oportuno, que o povo brasileiro assiste à proliferação de gangues rivais de presos e à ascensão de facções criminosas que comandam operações dentro dos estabelecimentos prisionais, com impressionante capacidade de organização para promover rebeliões, impor o terror, intimidar o Governo e espantar a sociedade. Agem com a conveniência de funcionários corruptos, ditam regras para os presos e vivem conectados com os crimes que ocorrem fora das prisões, especialmente sequestros, assaltos e tráfico de drogas. Já fazem parte da crônica penitenciária do Brasil duas ousadas facções criminosas: o Comando Vermelho – CV, com sede no Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital – PCC, com quartel-general fixado no Complexo Penitenciário do Carandiru, em São Paulo. Hoje, os maiores problemas do sistema prisional brasileiro são: o crime organizado, a corrupção, a superlotação, a ociosidade e a baixa inteligência na administração dos estabelecimentos prisionais.

A questão não reside, simplesmente, na redução da massa prisional, uma vez que o esvaziamento dos cárceres não deve pagar o alto preço do afrouxamento da repressão. Compatibilizar o ideal duma cadeia humana com a necessidade de assegurar a coibição dos delitos não é tarefa de fácil realização. Igualmente difícil é a empreitada de oferecer ao preso tudo quanto ele precisa em matéria de assistência, de educação criativa, de cultura, de ocupação com trabalho produtivo, de respeito às convicções religiosas, de relação com a família, com a sociedade e de reconhecimento aos seus direitos não atingidos pela sentença criminal, preparando o futuro para, em liberdade, prover com honradez e autonomia sua subsistência.

Desse modo, é possível enfrentar, com firmeza, as fortes rejeições ao tradicional modelo fracassado de prisão à espera de nova fisionomia, em condições de reeducar o preso para o exercício da cidadania responsável, de maneira a respeitar os direitos dos outros e se dispor a arcar com a solidariedade e os sacrifícios exigidos pelo bem comum.

Esse processo de retomada é longo, requer empenho e imposição nítida de limites. Sob pena de cair no vazio.

No Brasil, algumas experiências de sucesso permanecem pouco divulgadas. Contudo, três modelos parecem apontar os caminhos que uma política de reintegração pode seguir. O primeiro exemplo é a Penitenciária Industrial de Guarapuava, localizada na cidade de Guarapuava, Paraná, na qual é desenvolvido um programa, através da parceria público-privado, onde o Estado se responsabiliza pela administração e segurança interna e a empresa envolvida oferece ensino profissionalizante e trabalho qualificado dentro do presídio. Desta forma, elimina-se a ociosidade do apenado, contribui-se para a sua socialização e, simultaneamente, as despesas públicas são reduzidas.

Outra experiência de sucesso existente em muitos estados do país é a parceria entre os executivos estaduais e uma organização não-governamental (ONG) denominada Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac). Neste modelo, o Estado constrói a unidade penitenciária e, quando a inaugura, transfere sua gestão para Apac, permanecendo, contudo, na função de prover tanto a segurança como a alimentação dos apenados. Com experiência pioneira em São José dos Campos, este tipo de parceria consiste na seleção dos reclusos para transferi-los de delegacias para a unidade, considerando uma homogeneidade em relação ao perfil criminal e contando com a participação da família desses apenados em atividades desenvolvidas pela ONG dentro e fora da unidade prisional, como programas de geração de renda. A permanência do interno na unidade é baseada na reconstrução da sua família e no entendimento de que ele deve recompensar a sociedade pelo seu delito.

Uma terceira experiência, desde 1999, na Penitenciária Estadual de Londrina, é o funcionamento efetivo de uma igreja, na qual alguns funcionários partilham do conhecimento religioso com os internos, estabelecendo uma interação que possibilita o planejamento e a implementação de ações da igreja. A exemplo do modelo Apac, a relação entre funcionários e apenados baseia-se no compromisso e na confiança mútua. Da mesma forma, os internos também são selecionados, a partir de critérios como iniciativa, manifestação de desejo de participar e esperança na reabilitação.

Desta forma, a proposta sugerida pelo Pronasci de edificar unidades prisionais específicas para jovens vem no sentido de minorar os efeitos negativos do inadequado tratamento dado aos apenados no Brasil. Se bem administrado, pode atenuar ainda os resultados perversos de políticas públicas anteriores e desenvolver mecanismos que viabilizem a modificação do cenário existente.

Um consenso obtido é o de que o Estado, sozinho, não é capaz de reintegrar os apenados, especialmente os que se situam na faixa de 18 a 24 anos. Ciente que a existência de presídios está ligada à segregação e aos desajustes de diversas naturezas, a sociedade deve se interessar pelo êxito social do apenado e ceder espaço para sua integração. Para que este objetivo possa ser alcançado, as recentes experiências brasileiras ressaltam a importância do envolvimento da sociedade na realização de políticas públicas de resgate do infrator, implementadas através de iniciativas e parcerias público-privadas com as muitas Ongs brasileiras que já possuem conhecimento acumulado na tarefa de desenvolvimento e implementação de políticas de redução da violência.

O Brasil já coleciona experiências bem-sucedidas de ressocialização de presos através de parcerias de governos estaduais com organizações não-governamentais, igrejas e familiares dos presos, que tem como “ingrediente básico” a promoção de redes sociais alternativas. Ou seja, é possível. Neste sentido, o que se pode esperar da administração pública é que assuma o compromisso político com esta proposta, com a definição e planejamento de ações e avaliação dos seus impactos – do contrário vamos continuar convivendo com uma “panela de pressão pronta para explodir”, que foi a definição dada por um agente penitenciário aos presídios cariocas. E isto não interessa a ninguém – ou melhor, interessa a muito poucos.

Desde que a prisão se tornou a pena por excelência, relegando os castigos corporais, os suplícios físicos, desonras, banimentos, esforços extenuantes, etc. (Rocha, 1994), recaiu sobre ela a dupla função de punir e reabilitar.

Fundada nesta dupla finalidade a pena de encarceramento se sedimentou e se proliferou desde os primórdios do século XIX, inicialmente na Europa e, posteriormente, para o restante do mundo.

Considerando a tarefa de reabilitar os indivíduos punidos, áreas diversificadas do conhecimento foram aglutinadas na instituição carcerária para consecução dessa finalidade: arquitetura, sociologia, psiquiatria, serviço social, psicologia, pedagogia e direito.

A reabilitação dos indivíduos por meio do encarceramento, fruto da aglutinação desses saberes, funda-se em três grandes princípios: o isolamento, o trabalho penitenciário e a modulação da pena (Foucault, 1986). A partir deles tornou-se possível a edificação de um saber técnico-científico sobre os indivíduos, declinando o foco de ação do crime, para aquele que o cometeu. O indivíduo é o foco central da operação penitenciária, não o seu ato.

O princípio do isolamento efetiva-se, primeiro, em relação ao indivíduo transgressor com o mundo exterior. Depois, mediante a classificação dos detentos, um em relação aos outros, dispostos a partir da função de individualização da pena. Essa função é desencadeada tendo em vista o indivíduo punido (não o infrator), objeto de transformação do aparelho carcerário.

Junto ao isolamento, o trabalho é definido como parte constituinte da ação carcerária de transformação dos indivíduos. Impõe-se, não como atividade de produção, mas pelos efeitos que faz desencadear na mecânica humana, proporcionando a ordem e a regularidade; o que sujeita os corpos a movimentos regulares, exclui a agitação e a distração, impõe uma hierarquia e uma vigilância que serão ainda mais bem aceitas, e penetrarão ainda mais profundamente no comportamento dos condenados. (Foucault, 1986, p. 203)

Por fim, o princípio da autonomia penitenciária que permite a modulação da pena, ajustando-a àquela transformação, uma vez que a duração do castigo não deve relacionar-se diretamente à infração, mas sim à transformação útil do indivíduo, no decorrer do cumprimento da sentença. A operação penitenciária é quem deve controlar os efeitos da punição.

A fim de processar a transformação útil do indivíduo, a prisão deve, simultaneamente, ser o local de execução da pena e de uma sistemática e rigorosa observação dos indivíduos punidos. É a partir desta que os rigores, atenuantes, progressões e regressões da pena serão aplicados.

Tais princípios, desde o surgimento da pena de encarceramento, formaram os fundamentos a partir dos quais foram edificadas as máximas para uma adequada administração penitenciária, ou seja, que lhe proporcionariam a consecução das finalidades de punir e reabilitar o indivíduo transgressor. "Princípios de que, ainda hoje, se esperam efeitos tão maravilhosos, são conhecidos: constituem há 150 anos as sete máximas universais da boa condição penitenciária" (Foucault, 1986, p. 221). São elas:

1ª) Correção - a prisão deve ter como função essencial a transformação do comportamento do indivíduo; a recuperação e reclassificação social do condenado;

2ª) Classificação - o indivíduo condenado deve ser isolado, primeiro em relação à sociedade, depois repartidos entre eles, a partir de critérios que envolvam idade, sexo, disposições e técnicas que se pretendam utilizar para que se processe sua transformação, bem como suas respectivas fases para operá-las; a pena deve ser não só individual, como individualizante;

3ª) Modulação das penas - a pena deve ser proporcional, de acordo com a individualidade dos condenados e com os resultados da terapêutica penal, com vistas a se processar sua transformação, prevendo progressos e recaídas inerentes deste processo;

4ª) Trabalho como obrigação e como direito - é considerado como uma das peças fundamentais para transformação e socialização dos detentos, que devem aprender e praticar um ofício, provendo com recursos a si e à sua família;

5ª) Educação penitenciária - deve ser preocupação diuturna do poder público dotar o indivíduo da educação, no interesse da sociedade, provendo sua instrução geral e profissional;

6ª) Controle técnico da detenção - a gestão das prisões, seu regime, deve ser realizado por pessoal capacitado, que zele pela boa formação dos condenados;

7ª) Instituições anexas - o indivíduo deve ser acompanhado por medidas de controle e assistência, até que se processe sua readaptação definitiva na sociedade.

A partir de tais pressupostos, combinando seus efeitos punitivos à operação correcional, a prisão apresenta-se como a instituição de combate ao crime. A constatação de que ela não reduz a criminalidade é tão antiga quanto a própria prisão. Exceto pelos números, as críticas ao seu fracasso permanecem idênticas nos mais de cento e cinquenta anos de sua existência. Antes de contribuir para a extinção do comportamento criminoso, a prisão produz a reincidência. Afinal, a prisão propicia a organização dos delinquentes, na medida em que desencadeia uma forma de socialização em seu submundo, estabelecendo solidariedade, cumplicidade e hierarquia entre eles.

De forma bastante singular, entretanto, a prisão, invariavelmente apresenta-se como a solução para o problema da criminalidade que ela própria contribui para sedimentar. Sempre acompanhada de planos de reformas, os quais, em seu bojo, reafirmam as máximas que constituíram a prisão desde seu surgimento.

O que justifica a existência capilar da prisão na sociedade, não obstante seu absoluto fracasso em combater a criminalidade, antes que suprimir as infrações, é distingui-las, distribuí-las e até utilizá-las:

Organizar as transgressões numa tática geral de sujeições (...) É uma maneira de gerir as ilegalidades, de riscar limites de tolerância, dar terreno a alguns, de fazer pressão sobre outros, de excluir uma parte, de tornar útil outra, de neutralizar estes, de tirar proveito daqueles (Foucault, 1986, p. 226).

A operação penitenciária, portanto, gerencia a delinqüência, inserida numa estratégia global de dominação e disciplinarização - Corrigir as pessoas sempre foi um objetivo estreitamente ligado ao uso que se quer fazer delas (Rocha, 1994, p. 170).

Aspecto central nessa operação é a construção da delinqüência que ela faz desencadear nos indivíduos punidos. O condenado - infrator na justiça penal - torna-se o objeto de saber da técnica penitenciária que, em seu lugar, coloca um outro personagem: o delinqüente. O infrator se constitui por um ato (transgressor), o delinqüente se refere a toda uma vida do indivíduo, objeto de conhecimento da técnica punitiva:

A diferença entre um infrator e um delinqüente está em que o que caracteriza o delinqüente não é o ato da infração, mas a sua vida. A justiça condena o infrator pelo ato da infração, o sistema carcerário não apenas faz com que a infração o marque pela vida toda, como realiza a socialização que o insere definitivamente no mundo do crime. (Ramalho, 1979, p. 163)

A lenta formação do delinqüente transparece na investigação biográfica, fator de extrema importância na história da penalidade, "porque faz existir o criminoso antes do crime" (Foucault, 1986, p. 211). A biografia marca o autor da transgressão com uma criminalidade que, portanto, exige as medidas da ação penitenciária. Nesse aspecto, confundem-se o discurso penal e psiquiátrico. No ponto de intersecção desses discursos, surge a noção de indivíduo perigoso, "que permite estabelecer uma rede de causalidade na escala de sua biografia inteira e um veredicto de punição - correção" (Foucault, 1986, p. 211).

Afora a perda da liberdade física (ou do direito de ir e vir), a prisão subjuga o detento ao comando de uma estrutura autoritária e de uma rígida rotina autocrática que opera como uma grande máquina impessoal. O controle sobre os indivíduos é exercido de forma ininterrupta, regulando-se de modo minucioso todos os momentos de sua vida. Com a nítida orientação de preservar a ordem, a disciplina, evitar fugas e motins, a organização penitenciária elege como forma eficaz submeter o recluso, cercear quaisquer possibilidades do exercício de sua autonomia (Thompson, 1976).

Ao adaptar sua conduta e comportamento às normas e padrões da instituição, o preso gradualmente passa a obter acesso a determinados bens ou prerrogativas na prisão. Certas necessidades, procedimentos ou vontades que na vida fora da prisão eram absolutamente corriqueiras, no interior dela adquirem a qualidade de privilégios: tomar um café quente, ir a algum lugar sem motivo aparente, faltar ao trabalho ou à aula, sair com um grupo ou outro de pessoas, dormir ou acordar em horários diferentes, etc.

Em contrapartida, essa adaptação tende à despersonalização do sujeito apenado - a mortificação de seu eu (Goffman, 1996). Quanto maior a intensidade do ajustamento ao sistema social da prisão, maiores as possibilidades de se alcançar os privilégios de que ela dispõe. Ao contrário, mostrar-se resistente acarreta ao indivíduo punido um maior rigor, severidade e endurecimento de seu regime.

No que concerne à administração penitenciária, o sistema de privilégios é vital para sua gestão, constituindo-se num dos sustentáculos de seu modelo organizacional. Em face da importância que esse sistema representa aos reclusos, inexoravelmente, ele se encerra como uma forma eficaz de controle da massa encarcerada. Comportamentos e condutas não desejáveis pela organização significam o impedimento em obtê-los. Tal controle tende a intensificar-se, pois, no interior das prisões, todas as esferas da vida do indivíduo interpenetram-se. Assim, ser recriminado ou avaliado negativamente em determinada atividade influencia e repercute nas demais, sendo toda sua conduta considerada como não adequada.

É a partir desse pressuposto que o indivíduo passa a organizar toda sua vida encarcerada. Mais que uma motivação, torna-se uma obsessão, que se materializa na inserção em atividades que permitem a remição de pena - trabalho penitenciário - ou nos programas que lhe atribuem a qualidade de uma boa conduta - caso da educação e cursos em geral, cultura, esportes e grupos terapêuticos. Manifesta-se também na sua forma de proceder e de relacionar-se com outros presos, funcionários, técnicos e dirigentes. "Se o preso demonstra um comportamento adequado aos padrões da prisão, automaticamente merece ser considerado como readaptado à vida livre" (Thompson, 1976, p. 42).

Nesse sentido, essa busca incessante de mostrar-se adequado aos padrões da prisão transforma-se em princípio e fim das ações dos encarcerados. Os objetivos que, pressupõe-se, deveriam ser inerentes às atividades, seja de educação, cultura, esportes, profissionalização ou terapêuticas, são declinados em favor dessa busca.

Indivíduo "reabilitado", portanto, seria o infrator plenamente ajustado ao aparelho carcerário; especificado e patologizado técnica e cientificamente em face da sociedade - "preso um dia, preso toda a vida" (Castro et al., 1984, p. 110).

O sistema punitivo necessita de uma reorganização. Tem que se mudar os métodos arcaicos de tentativa de ressocialização, as penas alternativas têm que sair da idéia para prática, o corpo penal tem de fazer uma reciclagem, a realidade fática que se nos apresenta é diversa da pretendida na Lei Maior Brasileira (Constituição) e pela Legislação Penitenciária.        A lei assegura os direitos do preso, mas tais dispositivos legais são esquecidos, visto que o tratamento dispensado aos detentos é precário e o respeito à dignidade humana, infelizmente, são deixados em segundo ou quiçá, último plano. Deve-se tirar o recluso da ociosidade, reeducá-lo, formando a pessoa humana, dando-lhe uma vocação, para reinseri-lo na sociedade. Este tratamento deve vir incumbido de medidas sociológicas, penais, educativas, psicológicas e métodos científicos, de forma integrada numa ação junto ao delinquente, visando modelar a sua personalidade para a sua reinserção social e para prevenir a reincidência.

Promulgada há quase 11 anos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) é clara: garantir educação para toda a população brasileira é dever do poder público. Esse direito se estende também àqueles brasileiros temporariamente privados da liberdade. E como tantas outras, essa lei também não sai do papel.

No caso específico da chamada educação prisional, a principal justificativa é a histórica desarticulação entre os ministérios e as secretarias estaduais de Educação e Justiça. Por causa do descompasso, essa formação fundamental tanto para a recuperação como para a reintegração social do presidiário se resume a ações isoladas, desorganizadas, descontinuadas e até assistencialistas.

Resultado: os professores são mal preparados, não conhecem a realidade de seus alunos e a educação oferecida na chamada cela de aula não garante a certificação. Ao final do programa curricular, o detento tem que se submeter aos exames supletivos. Não bastasse isso para desmotivá-lo, estudar na prisão ainda não assegura remição de pena, como acontece com o trabalho. Por isso, apenas 18% dos detentos que cumprem pena nos presídios brasileiros estão estudando.

Algumas ações, felizmente, já estão sendo tomadas no sentido de reverter essa situação. Nos últimos anos, vários setores ligados à defesa dos direitos da educação de jovens e adultos vêm intensificando as pressões sobre as autoridades para que criem uma lei nacional que ofereça tal benefício. Outra reivindicação é que as autoridades educacionais assumam o controle sobre esse serviço, aumentando o número de vagas e de professores, além de adequar o currículo.

Em 2005, com aval da Unesco e com incentivos financeiros do governo japonês, os ministérios da Justiça e da Educação lançaram o projeto-piloto do programa Educando para a Liberdade em alguns estados. No ano passado, foram realizados seminários regionais e estaduais para debater metas e métodos para a ampliação da oferta desse segmento educacional. O objetivo é que o ensino formal, coordenado pelas secretarias estaduais de educação, seja oferecido em todas as penitenciárias brasileiras.

Um projeto de lei (4.230, de 2004), que tramita no Congresso Nacional e que altera a Lei de Execuções Penais, entre outras coisas estende o benefício da remição penal aos presos que estudam. Sob relatoria da deputada federal Iriny Lopes (PT-ES), o projeto parece que agora avança. O mesmo Projeto havia recebido parecer negativo do deputado Edmar Moreira (PFL-MG), quando foi apreciado na Comissão de Constituição de Justiça na legislatura passada. No entanto, este ano o PL foi desarquivado e, antes de voltar à Comissão de Constituição e Justiça, foi encaminhado à Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, onde tramita atualmente. Segundo a deputada, serão promovidos encontros e debates com órgãos públicos e ONG´s. “Não tenho a menor dúvida de que meu parecer concluirá pelo mérito da proposição, ao contrário do relator anterior”, diz.

Mais da metade dos presos de todo o país estão no Estado de São Paulo. A Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel de Amparo ao Preso (Funap), ligada à Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, é responsável pela educação nos presídios. Mantém hoje 380 salas de aulas nas 144 unidades prisionais espalhadas pelo Estado. Dos cerca de 135.454 presos, apenas 11.838 estudam. Menos de 9% do total.      Um levantamento do Instituto Paulo Montenegro, feito há dois anos, revelou que 68% dos presos paulistas estudaram menos de oito anos. Isso quer dizer que eles não têm o equivalente ao ensino fundamental, o mínimo exigido pela seleção aos postos de trabalho formal.

A educação se fundamenta em um processo básico do ser humano, o preso, nosso objeto será com base nele o início da jornada que se pretende percorrer: o processo da aprendizagem. Como se aprende, o que se aprende e para que se aprende. Eis os alicerces que edificam a vida do homem.

O homem possui uma dimensão de tal grandeza capaz de transformar radicalmente a vida meramente biológica, em algo “qualitativamente” diferente, que se pode chamar de “dimensão simbólica” do mundo: a palavra. Com a utilização da palavra o homem transcendeu os arredores que norteiam o acesso dos sentidos. E vai além, com base no emprego dos símbolos, da palavra. Esta, permite pensar e agir com a consciência de que existe um passado, um presente e um futuro, ou seja, graças ao uso da palavra tem-se a consciência do ontem, do hoje e do amanhã. Portanto, o homem não está preso ao seu corpo visto que tem consciência das dimensões e do tempo. A consciência humana é, pois, produto de sua capacidade simbólica, produto de sua palavra.

Qualitativamente diferentes das demais formas de vida, o homem é portador de uma “consciência reflexiva”: pode pensar em si próprio, tomando-se como objeto de seu próprio pensamento o que se verifica graças à palavra. Ele não se adapta simplesmente a um meio: procura transformá-lo, modificá-lo, construí-lo. Faz com que o meio se adapte a ele. Assim ele constrói o mundo “que suplanta a simples dimensão física, que existe também enquanto possibilidade; que existe como um “vir-a-ser”, mediante o “sentido” que dá às suas ações; onde a palavra é o primeiro “elemento transformador” do mundo em que vive. Logo, planeja, pensa e age, construindo o que imaginou. Quando o homem abstrai o significado do conceito, e o aplica a diferentes situações, ou seja, aprende um significado, surge a aprendizagem. Mais e mais a significação dos objetos se completa, contribuindo para um todo unificado, ordenado, cuja estruturação significativa é dada pela linguagem. Com a manutenção do significado, do “sentido da vida”, chega-se, fundamentalmente, à coerência em um mundo simbólico. A vida tem que fazer sentido. O homem deve possuir valores, sonhos e ideais, em função dos quais há de se manter vivo.

Fomentar a linguagem, mediante a combinação de seus valores e significados, implica em uma somatória e em um armazenamento de conceitos que o homem aprende; compreendendo-se por referência, as suas próprias experiências anteriores. “Este é então o mecanismo do conhecimento humano: um jogo (dialético) entre o que é sentido (vivido) e o que é simbolizado (transformado em palavras, ou outros símbolos)”, ou seja, a experiência social no desenvolvimento da aprendizagem e da linguagem admite analogia ao processo de imitação: quando a criança imita a forma pela qual o adulto usa instrumentos e manipula os objetos, ela está dominando o verdadeiro princípio que envolve uma atividade em particular. O uso dos instrumentos especificamente humanos conduz à dialética entre o sentir e o simbolizar.

A educação, no contexto sociocultural, que deveria significar o auxílio aos indivíduos para que pensem sobre a vida que levam; que deveria permitir uma visão do todo cultural onde estão, desvirtua-se na escola. Nesta, as pessoas são preparadas para executar trabalhos parcializados e mecânicos no contexto social. A escola mantém e estimulam a separação da razão e do pensamento, dês que sua finalidade é preparar mão-de-obra à sociedade industrial; transmitir conceitos desvinculados da vida concreta dos educandos, impondo desconsiderar o risco da visão de mundo das classes dominantes. Com efeito, a educação precisa transmitir significados presentes na vida concreta de quem se pretende educar ou reeducar; de modo diverso, não produz resultado, aprendizagem.

Mediante a consciência reflexiva, simbólica, o homem desenvolve a linguagem, utilizando-se da palavra; dá sentido à vida, segundo os significados que advêm fundamentalmente dos símbolos, das palavras, dos nomes. Assim, os conceitos (símbolos) são necessários às experiências dos indivíduos em conexão à realidade.                  Logo, o processo da aprendizagem precisa mobilizar tanto os significados, os símbolos, quanto os sentimentos, as experiências a que eles se referem.

O Ministério da Educação (MEC) tem desenvolvido projetos nos presídios brasileiros, como o Educando para a Liberdade e o Brasil Alfabetizado. Ainda assim, o número de assistidos é pequeno. Os professores que começam a atuar nos presídios, ficam impressionados com a receptividade dos presos. A imprensa, em geral, só se volta para as carceragens quando acontece alguma coisa ruim, como uma rebelião. Por isso, a sociedade não sabe que pode participar, trazer alguma atividade para esses locais. No Brasil, não há pena de morte e nem prisão perpétua. Os encarcerados vão voltar para o convívio social. Se, quando saírem, não estiverem preparados para ingressar no mercado de trabalho, é pior para toda a sociedade.
         A grande maioria dos detentos é jovem. É preciso dar-lhes a oportunidade de retornarem como pessoas dignas. É um absurdo o preso passar pelo Estado e sair analfabeto, sem um documento. Eles pedem para fazer cursos profissionalizantes e artísticos, mas faltam voluntários.

Não se encontra nos colégios municipais ou particulares um público que seja mais interessado do que os presos. É preciso mais investimento do governo, pois é uma contradição querer recuperar presidiários sem projetos sociais. Como uma pessoa analfabeta, que não tem qualificação profissional e carrega o estigma de ex-presidiário pode se inserir na sociedade?

Ressocialização de detentos é fator de segurança social. É dever do Estado e direito consagrado na Constituição Federal e na Lei de Execução Penal. Investir na educação de detentos é fator de humanização, diminui as rebeliões e ajuda a criar um clima de expectativa favorável para o reingresso na vida social, quando em liberdade.

Apoia medidas que facilitem o acesso dos presos à educação, ao esporte e à cultura, fortalecendo projetos nessas áreas com o estabelecimento de parcerias com organizações não-governamentais e universidades.

  • O processo ensino-aprendizagem para a maioria dos reeducandos, professores e gerente é de qualidade e satisfatório cumpre com o seu papel de ensinar os conteúdos de acordo com a realidade dos detentos que freqüentam a escola.
  • Para a maioria dos detentos, professores, coordenadores e gerência a carga horária diária e anual é suficiente para uma aprendizagem e para que sejam ministrados todos os conteúdos programáticos.
  • Os professores entendem que o número reduzido de agentes penitenciários contribui para dificultar as atividades da escola, bem como os atrasos e os deslocamentos dos detentos para a escola e o aumento de vagas na Escola.
  • Os professores entendem que o processo ensino-aprendizagem deve ser melhorado adaptando as disciplinas a realidade dos detentos, a carga horária deve ser seguida de forma rigorosa para que os conteúdos programáticos possam ser ministrados a contento ao longo do ano letivo.
  • Os atrasos e descumprimentos dos horários da escola se devem pela falta de vontade e maior dedicação por parte dos agentes penitenciários que deveriam ser mais sensíveis e empenhados com o processo de educação dos detentos.
  • O número de alunos da escola é pequeno e poderia ser aumentado com a contratação de mais agentes penitenciários que passaram no último concurso realizado, aumento da segurança da Unidade Prisional, contratação de mais professores daria mais oportunidade para que mais detentos pudessem estudar na escola.
  • A Escola se constitui em um dos instrumentos de recuperação dos detentos levantamento feito junto aos relatórios carcerários, prontuários e administração prisional comprovou-se que os reeducandos que frequentam a escola possuem melhor comportamento carcerário, melhor disciplina, mais tranquilos e dificilmente se envolvem em confusões, brigas ou agressões.
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Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense, especialista em direitos humanos pelo EDUCAMUNDO, especialista em tutoria em educação a distância pelo EDUCAMUNDO, especialista em auditoria governamental pelo EDUCAMUNDO e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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