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Considerações sobre a Lei Maria da Penha e movimento feminista no enfrentamento a violência doméstica

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Entenda qual a relação entre o movimento feminista e a Lei Maria da Penha no combate à violência contra a mulher.

A violência contra a mulher tem sido um tema cada vez mais estudado entre pesquisadores de várias áreas, principalmente nos estudos que se referem ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Esta modalidade de violência compreende diferentes formas de agressão como a integridade corporal, psicológica e sexual, consolidados na concepção de cidadania e dos direitos humanos.

De acordo com Chauí (2000, p. 337):  

(...) em nossa cultura, a violência é entendida como o uso da força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário a sua natureza e ao seu ser. A violência é violação da integridade física e psíquica da dignidade humana de alguém.

A violência atinge mulheres de todas as faixas etárias, raças e classes sociais e tem graves repercussões sociais, resultando no agravo à saúde física e mental, dificuldades no emprego, na aprendizagem, riscos de prostituição, uso de drogas e outros comportamentos de risco.

Para o efetivo enfrentamento dessa violência são fundamentais a discussão acadêmica e o debate público acerca da questão, buscando propagar valores éticos de respeito à dignidade da pessoa humana e à igualdade entre os sexos, a consolidação da democracia nas relações de gênero, e os mecanismos de proteção dos direitos humanos da mulher.

Desta forma, o presente artigo apresenta-se como um instrumento para conhecer mais sobre o tema de enfrentamento da violência contra a mulher e sua relação com o movimento feminista e a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06).

A violência contra as mulheres, em particular, é um fenômeno histórico existente em grande parte das culturas humanas, independentemente da classe social, da raça, da idade, das ideologias ou da religião.

De acordo com Lima (2009, p.55), a Organização Mundial de Saúde oferece uma definição de violência:

(...) consiste no uso deliberado da força ou do poder, já seja em grau de ameaça ou se consumada efetivamente, contra outra pessoa, grupo ou comunidade, que cause ou tenha possibilidade de causar, lesões, mortes, danos psicológicos, traumas, transtornos ou privações.

A violência doméstica contra a mulher é toda e/ou qualquer ação ou conduta que venha lhe causar morte, dano ou sofrimento físico, psicológico, sexual ou moral, que acontece dentro da própria casa, em relações pessoais e/ou de convívio, até mesmo em relações de namoro, noivado sem ter ainda a união estável.

Segundo Ribeiro (2013, p.37):

O termo “Violência doméstica” é usado para demonstrar as situações ocorridas dentro de casa, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive esporadicamente agregada.

Apesar dos avanços da codificação dos direitos da mulher, no início do século XXI, a posição de igualdade comparada ao homem ainda não se pode dizer que já foi conquistada. Contudo, o sexo masculino ainda desfruta de maior acesso à educação e a empregos bem remunerados.

De acordo com Teles e Melo (2003, p. 114):

A violência contra a mulher pode ser considerada uma doença social provocada por uma sociedade que privilegia as relações patriarcais marcadas pela dominação do sexo masculino sobre o feminino.

Com isso, a violência física e psicológica contra a mulher, ao ser comparada a um ser inferior ao homem, infelizmente continua fazendo parte do cotidiano na vida moderna.

Segundo Rovinski (2004, p. 6):

Qualquer ato de violência que tem por base o gênero e que resulta ou pode resultar em dano ou sofrimento de natureza física, sexual ou psicológica, incluindo ameaças, a coerção ou privação arbitrária da liberdade, quer se produza na vida pública ou privada.

Nesse contexto, a violência contra a mulher é uma forma específica de violência, vindo a ser praticada por qualquer pessoa, seja homem ou mulher e dirigida à mulher. Desta forma, a expressão “mulher” pode ser vista tanto ao sexo feminino, quanto ao gênero feminino.

Grossi (2010, p.05) explica:

Gênero serve, portanto, para determinar tudo que é social, cultural e historicamente determinado [...] quando falamos de sexo, referimo-nos apenas a dois sexos: homem e mulher (ou macho e fêmea, para sermos mais biológicos), dois sexos morfológicos sobre os quais ”apoiamos” nossos significados do que é ser homem ou ser mulher […]

Sendo assim, diz-se que é baseada no gênero, pelo fato da violência apresentar características culturais, sociais, e políticas impostas a homens e mulheres, e não às diferenças biológicas entre homens e mulheres. Contudo, a violência de gênero não ocorre apenas de homem contra mulher, mas também pode ocorrer de mulher contra mulher ou de homem contra homem.

Nesse mesmo sentido, Cabral e Diaz (2010, p.01) afirmam que:

Sexo refere-se às características biológicas de homens e mulheres, ou seja, às características específicas dos aparelhos reprodutores femininos e masculinos, ao seu funcionamento e aos caracteres sexuais secundários decorrentes dos hormônios.

Gênero refere-se às relações sociais desiguais de poder entre homens e mulheres que são o resultado de uma construção social do papel do homem e da mulher a partir das diferenças sexuais.

Em se tratar de violência de gênero e sexo, as características biológicas de um indivíduo referem-se ao sexo, ao nascer, o indivíduo é declarado como sendo do sexo masculino ou feminino, enquanto os aspectos culturais, sociais e políticos decorrem de gênero. Uma pessoa, por exemplo, pode ter o sexo masculino e se incluir no gênero feminino, sendo ele um travesti, é então psicológica e socialmente determinado.

Ribeiro (2013, p.36) diz que:

O termo gênero, por outro lado, aborda as diferenças socioculturais existente entre os sexos masculino e feminino. A violência de gênero pode ser entendida como “violência contra a mulher”, expressão trazida à tona pelo movimento feminista nos anos 70, por ser a mulher o alvo principal da violência de gênero.

Caracterizando o termo gênero, destaca-se as diferenças de empregos bem remunerados, níveis econômicos e sociais, entre homens e mulheres, no qual o homem possui maior destaque.

Violência contra as mulheres se constitui em uma das principais afrontas aos direitos humanos e, consequentemente, atinge seus direitos à vida, à dignidade, a integridade física da mulher, sua saúde. É um fenômeno que atinge grande número de mulheres em todo o mundo.

Michaud (1989, p. 11), considera: 

Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais.

Diante disso, o movimento feminista tem importante função no combate à violência contra a mulher.

Nesse contexto, Soares (2004, p. 178) registra:

o movimento de mulheres no Brasil tem buscado ao longo das últimas quatro décadas promover mudanças nos comportamentos, nas mentalidades e na estrutura social do país, reivindicando transformações políticas amplas e significativas. Há uma pluralidade de vozes de mulheres reivindicando um mundo melhor, mais justo. Cada vez mais avança a consciência da necessidade de estabelecer medidas legislativas, judiciais e muito especialmente políticas públicas que possam garantir o acesso de todas aos direitos humanos fundamentais e à conquista da cidadania.

A sociedade ainda tem a visão preconceituosa, vislumbrando a mulher como o sexo frágil, sendo esta a verdadeira violência de gênero, que só pode ser quebrada com mudança cultural.

Barroso (2002, p. 4) aponta que:

(...) existem formas múltiplas de viver na violência, pontuada num misto de conformismo e resistência. Conformismo verificado nas ações de submissão, de vida sob julgo de uma dominação masculina e de internalização de uma inferioridade da mulher violentada.

Após a violência, surgem diversos problemas, como perda de concentração nos estudos, distúrbios mentais a fim de abandonar o seu convívio familiar e muitos divórcios.

São atingidos pela violência homens e mulheres em razão da especificidade de gênero, de uma forma diferenciada: a mulher é a mais agredida, grande maioria em suas próprias casas, e até nos espaços privados, onde o agressor é seu marido, ou ex-marido ou companheiro, namorado e amante.

Rodrigues (2005, p. 1167) sustenta que:

(...) as estatísticas apontam que os maridos e parceiros ou ex-maridos e ex-parceiros são responsáveis por cerca de 70% dos assassinatos de mulheres. O gesto de acabar com a vida das mulheres quando elas decidem romper a relação que firmaram anteriormente de comum acordo é uma das maiores violências contra a democracia que pressupõem liberdade de ir e vir, de entrar e sair, e o não constrangimento e cerceamento dos movimentos.

As consequências psicológicas “imediatas” da violência doméstica englobando também o abuso sexual são: choque, medo, confusão, ansiedade, negação, recolhimento, nervosismo, falta de confiança nas pessoas, culpa, sintomas de transtorno do estresse pós-traumático. Enquanto as consequências psicológicas “crônicas” da violência e do abuso sexual: Depressão, alienação, tentativa de cometer suicídio, sintomas de transtorno do estresse, pós-traumático.

Barsted (2006, p. 67) menciona que nesse processo:

(...) dentre as novas demandas do movimento de mulheres destacam-se aquelas voltadas para o enfrentamento da violência doméstica, expressão mais radical de um conjunto de discriminações que, historicamente, tem incidido sobre as mulheres em todo o país. A luta desse movimento contra tal violência apontou a necessidade de elaboração e implementação de uma política nacional ampla voltada para o enfrentamento de uma criminalidade especifica que recai sobre as mulheres e que limita suas vidas e direitos

Foram muitos anos lutando para que as mulheres pudessem dispor de algum instrumento legal e para que o Estado brasileiro passasse a enxergar a violência doméstica contra a mulher.

Em reconhecimento a exigência a Convenção de Belém do Pará de que o direito se ocupasse da violência, tem-se na ratificação pelo Brasil da Convenção Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violência contra a Mulher, que colocou o desafio de reconhecer nesta forma de violência específica um impedimento de acesso aos preceitos da Constituição.

Estes imperativos universais e constitucionais são associados sempre aos processos históricos, políticos e sociais que lhes consolidaram como garantias, e que constituem a base legal da Lei nº 11.340 de 2006, denominada como Lei Maria da Penha. Esta norma trouxe inovação legal, com uma estrutura apropriada para atender a requisição do fenômeno chamado violência doméstica, ao analisar os mecanismos de prevenção, políticas públicas, assistência às vítimas, e uma punição mais sistemática, ou seja, rigorosa para os agressores.

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Sirvinkas (apud LIMA, 2009, p. 61) assevera que:

(...) foi, por essa razão que se criou a lei, denominado-a simplesmente de Lei Maria da Penha, eis que a legislação até então não era suficiente para coibir a violência doméstica, pois a Lei nº 9.099/05, que trata dos Juizados Especiais Criminais, não mais atendia aos anseios da mulher. Essa lei pretendia facilitar o acesso da população à justiça e desafogar o judiciário, que estava abarrotado de processos de infiltração de menor potencial ofensivo. (...) Mas, no que tange à proteção da mulher contra a violência doméstica, as medidas adotadas (pagamento de multas e entrega de cestas básicas de alimentos destinadas às entidades de caridade, por exemplo) não eram suficientes para punir o agressor adequadamente nem serviam como efeito pedagógico, razão pela qual se criou a presente lei com fim de aumentar a pena e afastar a aplicabilidade da Lei nº 9.099/05. Com o advento dessa Lei, não mais prevalece a velha máxima: ‘ Em briga de marido e mulher não se mete a colher.

Pode-se dizer, então, que se trata de uma lei que tem mais a natureza educacional e de elevação de políticas públicas de assistência às vítimas agredidas, do que a finalidade de punir mais rigorosamente os agressores dos delitos domésticos, pois presume, em vários métodos, medidas de proteção à mulher em situação de violência, proporcionando uma assistência mais competente em defesa dos direitos das vítimas.

Em seus argumentos, Lima (2009, p. 63) assevera que:

A atual Lei Maria da Penha foi também baseada em diversos documentos internacionais, os quais visam, há muito tempo, à eliminação da violência contra a mulher. Isso nos mostra que a luta contra a violência doméstica contra a mulher é antiga, além de nos demonstrar a razão da existência desse diploma legal. Isso sem falar nos altos índices de violência de que se tem conhecimento através das delegacias brasileiras

A Lei Maria da Penha é aplicada quando a mulher, de qualquer idade, sofrer violência de parentes ou quaisquer outras pessoas próximas ou não à família, sendo uma importante conquista dos movimentos feministas que, cansados dos absurdos atos de violência contra as mulheres, exigiram do Estado brasileiro a criação de mecanismo que se preocupasse com a violência doméstica.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARSTED, Leila Linhares. O avanço legislativo no enfrentamento da violência contra a mulher. In: O Desafio de Construir Redes de Atenção às mulheres em Situação de Violência. Brasília: AGENDE, 2006.

BARRETO. Larissa Daiane Owski. Violência sexual contra a mulher: uma questão de gênero. 2 Seminário Nacional Estado e políticas sociais no Brasil. Unioeste – Campus de Cascavel. 2005.

BARROSO, Milena Fernandes. Uma análise da permanência na violência. In: VIII ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM SERVIÇO SOCIAL, 2002, Juiz de Fora. Anais. ABEPSS, 2002.

BARROS, Gabriela dos Santos. Análise da violência doméstica e familiar contra a mulher no contexto da aplicação da Lei Maria da Penha. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 105, out 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12364>. Acesso em: 31/08/2018.

BRASIL. Lei Maria da Penha: Lei no 11.340, de 7 de agosto de 2006, que dispõe sobre mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2010. 34 p.

CABRAL, Francisco; DIAZ, Margarita. Relações de Gênero. 2010.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12ª ed. São Paulo: Ática, 2000.

GROSSI, Miriam Pillar. Novas/Velhas Violências contra a mulher no Brasil. Disponível em: <http://www.ieg.ufsc.br/admin/downloads/artigos/08112009-113921grossi.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2018.

LIMA, Marcos Ferreira Lima. Violência Contra a Mulher: o homicídio privilegiado e a violência doméstica. São Paulo. Ed. Atlas. 2009.

MICHAUD, Yves. A Violência. Série Fundamentos. São Paulo: Ática, 1989.

RIBEIRO, Dominique de Paula. Violência contra a mulher: aspectos gerais e questões práticas da Lei nº 11.340/2006. Brasília: Editora Gazeta Jurídica, 2013.

RODRIGUES, Almira. Mulher e democracia. In: Fragmentos de Cultura, v. 15, n. 7. Goiânia: Ed. da UCG, 2005. Julho. p. 1163-1175.

ROVINSKI, Sônia Liane Reichert. Dano psíquico em mulheres vítimas de violência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

SOARES, Vera. O feminismo e o machismo na percepção das mulheres brasileiras. In: A Mulher Brasileira nos espaços públicos e privados. 1. ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. p. 161- 182.

TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica. O que é violência contra a mulher. – São Paulo: brasiliense, 2003.

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Sobre os autores
Rodrigo da Paixão Pacheco

Advogado. Membro das Comissões de Direito do Consumidor, Família e Sucessões e Advocacia Jovem, da OAB seccional Goiás. Mestrando em Serviço Social pela PUC Goiás. Possui graduação em Direito e Administração PUC Goiás. Pós graduando em Direito Civil e Processo Civil e Direito Penal e Processo Penal pela UCAM/RJ.

Taynara Ribeiro de Abreu

Graduada em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira, de Goiânia-GO.

Julianne Teles de Brito

Graduada em Direito pela PUC GO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PACHECO, Rodrigo Paixão ; ABREU, Taynara Ribeiro et al. Considerações sobre a Lei Maria da Penha e movimento feminista no enfrentamento a violência doméstica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5879, 6 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72759. Acesso em: 22 dez. 2024.

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