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A violação do princípio da presunção de inocência ante a decisão do STF no Habeas Corpus 126.292

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03/05/2019 às 16:15
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CONCLUSÃO

Entende-se que o princípio da presunção de inocência é característico do Estado Democrático de Direito e está previsto em tratados internacionais que discorrem sobre direitos humanos, no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal e no art. 283 do Código de Processo Penal. No Brasil, existem duas previsões referentes ao princípio em análise: no âmbito nacional temos a nossa Constituição, que elenca a presunção de inocência no rol de direitos fundamentais como cláusula pétrea e internacionalmente temos o Tratado da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica), do qual o Brasil é signatário desde 1992. Verifica-se que a presunção de inocência, por estar prevista na Magna Carta, tem a sua aplicação prevalecente sobre as demais.

Nesse sentido, entende-se que a principal finalidade do princípio em estudo é a proteção da dignidade da pessoa humana, ou seja, assegurar um tratamento digno ao acusado, impondo limites ao Estado para que não manipule o sujeito ante o seu poder. Ao entender que a aplicação do princípio da presunção de inocência deverá ser respeitada durante o andamento do processo, defendemos que a necessidade do trânsito em julgado da sentença é imperiosa para que não haja prejuízo ao réu.

Existem vários tipos de prisões, cada qual com sua particularidade, como se discorreu durante a presente pesquisa, mas somente poderá ser decretada a prisão antes do trânsito em julgado quando existirem os motivos previstos no ordenamento jurídico para decretação da medida cautelar. Do contrário, há preocupante e reprovável violação do princípio da presunção de inocência. 

Contudo, no julgamento do habeas corpus 126.292/2016, o Supremo Tribunal Federal passou a entender que, após a decisão de segunda instância, o acusado já pode ser preso sem que isso ofenda o princípio estudado. Os pressupostos que fundamentaram a mudança de posicionamento foram: a) o efeito devolutivo do recurso extraordinário; b) o direito comparado com outros países democráticos que permitem a execução antecipada da pena; c) o fato de que princípios não são absolutos; d) a mutação constitucional; e) a redução da seletividade dos recursos.

Adverte-se que os motivos utilizados como justificativa não são passíveis de convencimento, uma vez que todo magistrado é suscetível a erros e, após a decisão de segundo grau, pode ainda haver uma mudança da sentença, o que torna desnecessária e abusiva a prisão ocorrida antes do final do processo. Quanto ao direito comparado, as Constituições dos países citados não fazem menção ao trânsito em julgado como a nossa faz. Dessa forma, é equivocada a comparação.

Como sabemos, nada no direito é absoluto, nem mesmo o princípio da presunção de inocência, que é relativizado ao permitir a aplicação das espécies de prisões cautelares, desde que presentes os pressupostos exigidos. De acordo com a pesquisa realizada, a mutação constitucional é a interpretação diferente do que consta no texto de lei, que só pode ocorrer diante de um fato novo. Em 2009, no julgamento do habeas corpus 84.078, tornou-se inconstitucional a prisão antes da sentença transitada em julgado, pois entendia ferir a dignidade da pessoa humana. Após essa decisão, nenhum fato novo aconteceu para então mudar o entendimento sobre a execução antecipada da pena.

A redução da seletividade de recursos ainda continua, pois atualmente, como instituto da delação premiada, o acusado com maior poder econômico envolvido em um crime, faz a delação e, como prêmio, pode cumprir pena domiciliar, ao lado da família. Mas outros acusados sem maiores condições econômicas não têm escolha e são relegados ao regime fechado numa prisão que os mantém em condições insalubres e impróprias para uma sobrevivência minimamente digna. 

Ao manter um acusado preso durante o andamento do processo, ele ficará exposto a toda adversidade do sistema carcerário, vivenciando os piores dias de sua vida, ainda que, depois de toda desgraça vivida dentro da prisão, exista a chance de ser absolvido das acusações que o levaram à situação tão degradante, não havendo o que possa reparar a experiência ultrajante vivenciada durante os dias preso.

Ante o exposto, conclui-se que a execução antecipada da pena é conflitante com o princípio da presunção da inocência, uma vez que este exige expressamente o trânsito em julgado para que a pena seja executada, assegurando a regra de tratamento.


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CAMPOS, Rosângela Góes. A violação do princípio da presunção de inocência ante a decisão do STF no Habeas Corpus 126.292. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5784, 3 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72782. Acesso em: 23 abr. 2024.

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