I – AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAS NA CONDENAÇÃO DA PENA
O artigo 59 do Código Penal dispõe sobre a fixação da pena. São as chamadas circunstâncias judiciais.
O artigo referenciado, como explicou Paulo José da Costa Jr.(Comentários ao Código Penal, 2ª edição, pág. 309), reconheceu ao juiz, na aplicação da pena, larga margem de discricionariedade. Mas essa discricionariedade não poderá ser livre, mas haverá de ser vinculada. Essa discricionariedade não é arbitrariedade.
Por certo, há limitações impostos ao juiz, na fixação da pena, pois deverá fazê-lo, primeiramente, dentro das balizadas estabelecidas pelas margens do tipo penal. Ainda deverá levar em consideração os fatos elencados de maneira taxativa pelo artigo 59 do Código Penal referenciado.
Mas deverá o juiz motivar a sentença.
A pena, sabe-se, deve ser necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime de forma que ela deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa. Para tanto, a pena deve ser estabelecida com base na intensidade e nos graus de culpabilidade, não podendo igualmente excedê-la. De forma que é a culpabilidade que deverá estabelecer os limites da pena que não poderá ser transposto.
Levam-se em conta na fixação da pena: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime, circunstâncias e consequências do crime; comportamento da vítima.
Os antecedentes criminais são fatos anteriores da vida do agente. Serve este componente, de forma específica, para se verificar se o delito foi um episódio esporádico na vida do sujeito ou se ele, com frequência, ou mesmo de forma habitual, infringe à lei.
Prescreve o artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, que “toda pessoa se presume inocente até que tenha sido declarada culpada por sentença transitada em julgado”.
Aplica-se o princípio da presunção da inocência, segundo o qual toda pessoa se presume inocente até que tenha sido declarada culpada por sentença transitada em julgado.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 444/DF, Relator Ministro Celso de Mello, entendeu que “a mera sujeição de alguém a simples investigações policiais (arquivadas ou não) ou a persecuções criminais ainda em curso não basta, só por si - ante a inexistência, em tais situações, de condenação penal com trânsito em julgado - para justificar a exacerbação da pena, pois com o trânsito em julgado, descaracteriza-se a presunção “juris tantum” de inocência do réu, que passa, então, a ostentar o “status’ jurídico-penal de condenado com todas as consequências legais daí decorrentes”.
No passado, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 73.297 – SP, Relator Ministro Maurício Corrêa, em 6 de fevereiro de 1996, entendeu que “É elemento caracterizador de maus antecedentes o fato de o réu responder a diversos inquéritos policiais e ações penais sem trânsito em julgado, justificando-se, assim, a exacerbação de pena-base”.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 97.665 Relator Ministro Celso de Mello, em 4 de maio de 2010, já havia entendido que “processos penais em curso, ou inquéritos em andamento, ou, até mesmo, condenações criminais ainda sujeitas a recurso não podem ser considerados, enquanto episódios processuais, suscetíveis de pronunciamento absolutório, como elementos evidenciadores de maus antecedentes do réu”.
Caso os inquéritos ou processos criminais considerados como antecedentes tenham desfecho favorável ao acusado, ainda assim ele sofrerá prejuízo, pois os procedimentos terão sido utilizados para aumentar sua pena em processo no qual foi efetivamente condenado. “O lançamento no mundo jurídico de enfoque ainda não definitivo e portanto sujeito à condição resolutiva potencializa a não mais poder a atuação da polícia judiciária e a precariedade de certos pronunciamentos judiciais”, como advertiu o Ministro Marco Aurélio, em voto no julgamento do RE 591.054, com repercussão geral.
A divergência foi aberta pelo ministro Ricardo Lewandowski. Segundo ele, o artigo 59 do Código Penal compreende diversos aspectos que devem ser considerados pelos juízes para dosar a pena, entre os quais a culpabilidade, os antecedentes, a conduta pessoal e a personalidade do sentenciado. “Esse artigo entrega ao prudente arbítrio do juiz a possibilidade de dosar a pena de maneira a fazê-la suficiente para a reprovação e prevenção do crime”, argumentou.
No entendimento do ministro, os antecedentes mencionados no artigo 59 do Código Penal, que trata da fixação da pena, não podem ser confundidos com o artigo 61, que fala das circunstâncias agravantes. Em seu voto, destacou que não é incomum que os juízes criminais se deparem com extensa ficha criminal de um determinado réu, muitas vezes por fatos semelhantes ao que são objeto do julgamento, e que essas circunstâncias devem ser levadas em consideração na dosimetria da pena.
Nesse mesmo sentido votaram as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e o ministro Luiz Fux.
Assim, ao examinar o Habeas Corpus nº 81.974/SP, relatado, em 22 de outubro de 2002, perante a Segunda Turma, o ministro Gilmar Mendes, designado para redigir o acórdão, aventou, ao indeferir o pedido, a possibilidade de rever a posição então sufragada, o que efetivamente veio a ocorrer quando, em 29 de novembro de 2005, Sua Excelência defrontou-se, uma vez mais, com a problemática, ao relatar o Habeas Corpus nº 84.088/MS. Em que pese a óptica prevalente não ter sido alterada, verificou-se flexibilização na orientação, no que o redator do acórdão, ministro Joaquim Barbosa, consignou que apenas a análise do caso concreto revelaria se a existência de inquéritos e processos em andamento poderiam ser considerados antecedentes para agravar a pena-base.
II – OS MAUS ANTECEDENTES E AS INFRAÇÕES CRIMINAIS QUE SE EXTINGUEM COM MAIS DE CINCO ANOS
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, defrontando-se com o tema ora em exame (CP, art. 64, I), reconheceu, quanto a ele, a existência de repercussão geral, fazendo-o em sede recursal extraordinária (RE 593.818/SC, Rel. Min. ROBERTO BARROSO), em ordem a definir se se revela legítimo, em face da Constituição da República, considerar, ou não, como maus antecedentes condenações criminais cujas penas, cotejadas com infrações posteriores, extinguiram-se há mais de cinco (05) anos.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal já advertiu que, “Decorridos mais de 5 anos desde a extinção da pena da condenação anterior (CP, art. 64, I), não é possível alargar a interpretação de modo a permitir o reconhecimento dos maus antecedentes” (HC 110.191/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei). No mesmo sentido: HC 125.586/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – HC 126.315/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 130.500/RJ, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – HC 133.077/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – HC 138.802/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – HC 157.548-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.: “’HABEAS CORPUS’. CONSTITUCIONAL. PENAL. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO HÁ MAIS DE CINCO ANOS. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO PARA CARACTERIZAÇÃO DE MAUS ANTECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. 1. Condenação transitada em julgado há mais de cinco anos utilizada nas instâncias antecedentes para consideração da circunstância judicial dos antecedentes como desfavorável e majoração da pena-base. Impossibilidade. Precedentes. 2. Ordem concedida.” (HC 131.720/RJ, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – grifei) Cabe registrar, por oportuno, que essa mesma orientação tem sido observada pela colenda Primeira Turma desta Suprema Corte (RHC 118.977/MS, Rel. Min. DIAS TOFFOLI): “‘Habeas corpus’. Tráfico de entorpecentes. Dosimetria. Fixação da pena-base acima do mínimo legal em decorrência de maus antecedentes. Condenações extintas há mais de cinco
Consoante o que se lê do site do STF, em 21 de março de 2018, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que seja fixada nova pena a um condenado, desconsiderando, na primeira fase da dosimetria, a valoração negativa referente a condenações anteriores extintas há mais de cinco anos. A decisão foi tomada no Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 168947, interposto pela Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul e acolhido pelo relator.
De acordo com os autos, o réu foi condenado a 21 anos de reclusão pelo crime de homicídio qualificado. Em seguida, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS) proveu parcialmente recurso da defesa e reduziu a pena para 20 anos de reclusão, mas manteve na dosimetria, na condição de maus antecedentes, condenações transitadas em julgado e extintas há mais cinco anos.
De acordo com o acórdão do TJ-MS, o período de cinco previsto no inciso I do artigo 64 do Código Penal (CP) se aplica somente para excluir a reincidência, mas não para efeito de valoração de antecedentes criminais. O dispositivo do CP estabelece que, para efeito de reincidência, não prevalece a condenação anterior se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a cinco anos. Após buscar, sem sucesso, reverter essa parte da condenação por meio habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Defensoria interpôs o RHC ao Supremo.
O ministro Gilmar Mendes afirmou que, embora a controvérsia esteja submetida à análise do Supremo no Recurso Extraordinário (RE) 593818, com repercussão geral reconhecida, há jurisprudência das duas Turmas do STF no sentido de que penas extintas há mais de cinco anos não podem ser valoradas como maus antecedentes. Nesse sentido, citou vários precedentes de ambas as Turmas.
O ministro Gilmar Mendes citou ainda decisão recente do ministro Celso de Mello no HC 164028, na qual o decano assentou que, “decorrido o período de cinco anos referido pelo artigo 64, inciso I, do Código Penal, não há como reconhecer nem como admitir que continuem a subsistir, residualmente, contra o réu, os efeitos negativos resultantes de condenações anteriores”, revelando-se ilegal qualquer valoração desfavorável, em relação ao acusado, que repercuta, de modo gravoso, na operação de dosimetria.
Não se revela legítimo, em face da Constituição da República, considerar como maus antecedentes condenações criminais cujas penas, cotejadas com infrações posteriores, extinguiram-se há mais de cinco (05) anos, pois, com o decurso desse quinquênio (CP, art. 64, I), não há como reconhecer nem como admitir que continuem a subsistir, residualmente, contra o réu, os efeitos negativos resultantes de sentenças condenatórias anteriores. Inadmissível, em consequência, qualquer valoração desfavorável ao acusado, que repercuta, de modo gravoso, na operação de dosimetria penal.