A aplicação da prescrição intercorrente dentro do processo de execução no caso de suspensão por falta de bens penhoráveis do devedor

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08/04/2019 às 13:56
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DISPOSIÇÕES LEGAIS SOBRE A PRESCRIÇÃO

O Código Civil de 2002, no Título IV, Capítulo I, II, III e IV, trata apenas do instituto da prescrição, demonstrando seu alto valor para a segurança jurídica das relações civilistas.

Feita esta pequena introdução, começaremos a análise dos artigos pelo dispositivo 189, CC/2002, in verbis, “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, aquela se extingue, pela prescrição, nos prazo a que aludem os artigos 205 e 206".

Este pequeno artigo apenas positiva a prescrição, além de seus requisitos necessários já estudados. Sendo assim, o autor Nelson Nery Junior (p. 396, 2009), afirma que:

A prescrição é uma causa extintiva da pretensão de direito material pelo seu não exercício no prazo estipulado pela lei. O texto da lei é claro ao dar como objeto da prescrição a pretensão de direito material e não a ação, de modo que a classificação e a conceituação de prescrição e decadência apresentadas por Câmara Leal, restaram superadas pelo direito positivo vigente.

Em continuidade, o artigo 190 afirma “A exceção prescreve no mesmo prazo que a pretensão”. Este artigo é dirigido para os réus do processo, ou seja, a defesa. Nesta esteira, Maria Helena Diniz (p. 173, 2002) afirma que “a exceção, ou defesa, prescreve no mesmo prazo previsto para a pretensão”.  Assim, a defesa é considerada como defesa de matéria disponível, em que, caso não exercida a exceção (defesa), ocorre a preclusão (perda da faculdade de praticar aquele ato no processo)[13].

Logo em seguida, o artigo 191 assegura que

A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renuncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.

A redação deste artigo não apresenta maiores alterações com relação ao artigo 161 do CC/1916, salvo pela incorporação do §1, que dispunha sobre a renúncia tácita, no corpo do próprio caput. A renúncia é um ato unilateral, que independe do consentimento de terceiro, através do qual se processa a extinção de um direito particular. Mais especificamente, conforme o ensinamento de Câmara Leal, a renúncia da prescrição é a desistência expressa, ou tácita, do direito de invoca-la, feita por quem dela se beneficia[14].

Desta forma, concluímos que pode haver a renúncia da prescrição, desde que esteja no momento adequado para fazê-la, também pode ser expressa ou tácita, atentando-se apenas ao fato de não gerar danos terceiros.

Segue-se ao artigo 192, “Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo entre as partes”. Nelson Nery Junior (p. 405 2011) afirma que,

Por serem matéria de ordem pública, os prazos prescricionais fixados pela lei, não podem ser alterados por convenção das partes. Extinta a pretensão pela prescrição, não se vivifica por acordo entre as partes. Se quiserem que isso ocorra, as partes terão de celebrar novo negócio jurídico, porque o prescrito será extinto.

Deste modo, verificamos, mais uma vez, que a prescrição não admite a renúncia, tendo como única alternativa a formulação de novo negócio jurídico, afim de que substitua o antecessor.

Passando ao artigo 193, que demonstra, “A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita”. Comentando o Código Civil, o autor Gustavo Tepedino (p.367, 2007), alude que,

 A prescrição pode ser alegada perante o juiz monocrático, em 1ª instância, ou posteriormente, em segundo grau de jurisdição. Não ocorre a preclusão se a parte não alegar a prescrição logo na contestação, podendo fazê-lo durante todo o processo de conhecimento, inclusive nas razões finais, orais ou escritas (RSTJ 85/85 e STJ, 2ªT., REsp. 14.449, Rel. Min. Hélio Mosimann, julg. 10.05.1995, publ. DJ 12.08.1996).

Vale ressaltar que, ao assim estabelecer, o legislador não restringiu a legitimidade para invocar a prescrição apenas ao devedor diretamente vinculado à pretensão extinta pelo decurso do tempo. Qualquer pessoa que tenha benefícios econômicos, direta ou indiretamente advindos da prescrição, pode alega-la. A toda evidência, o reconhecimento da prescrição acarreta um aumento no patrimônio do prescribente, tendo, pois, um caráter patrimonial. Portanto, o critério adotado pela legitimidade da alegação da prescrição é econômico [CÂMARA, p. 78, ANO]. P.368, TEPEDINO.

O artigo seguinte, 194, foi revogado pela Lei nº 11.280 de 16 de fevereiro de 2006, tendo como redação a seguinte frase, “O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz”.

Em seguida, o Código civil dispõe em seu artigo 195 que, “os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes ou representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a alegarem oportunamente”.

Este preceito não cuida diretamente da prescrição, mas sim do direito de ação, decorrente da não alegação da prescrição por parte de quem, ao assistir ou representar, deixa de suscitá-la, ou por dar causa à sua concretização, quando desfavorável ao assistido ou representado[15].

Em relação ao artigo supracitado, o autor Gustavo Tepedino (p. 195/196, 2007), comenta que,

Na redação do artigo 195, a referência ao dolo e à negligência dos representantes foi retirada. Dessa forma, poder-se-ia entender que a responsabilidade dos assistentes ou representantes é alcançada pelo disposto no artigo 927, parágrafo único, o qual estabelece a responsabilidade sem culpa, para os casos expressamente previstos em lei, ou quando da própria atividade desenvolvida pelo causador do dano, pode-se depreender que advém risco para os direitos de terceiros.

A aplicação do dispositivo, que contempla a responsabilidade sem culpa nas hipóteses do artigo 195, deve levar em conta as particularidades do caso concreto, não devendo se estender, de modo absoluto, à responsabilidade do artigo 927, parágrafo único, uma vez que, se o representante legal de pessoa jurídica, na maior parte das vezes, possui experiência na atividade que desempenha, podendo assim ser responsabilizado como um profissional, que se encontra exposto aos riscos da atividade que desenvolve, o mesmo não ocorre com o assistente relativamente incapaz.

Com efeito, o assistente do relativamente incapaz poderá, em grande parte das vezes, não possuir conhecimentos jurídicos, nem experiência na vida prática para auxiliar na gestão de interesses de terceiros. O pai ou a mãe de um menor, relativamente incapaz, que deixar de alegar a prescrição benéfica ao assistido não poderá ser submetido à responsabilidade sem culpa, tal qual o representante legal de uma pessoa jurídica, do qual normalmente se requer alguma expertise mínima para a vida negocial.

O artigo 196 afirma que, “A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor”.

Trata-se do princípio da accessio temporis, igualmente aplicado nas prescrições aquisitivas (usucapião), segundo o qual o prazo prescricional corrido contra o credor soma ao que flui contra o sucessor. O CC corrigiu a injustificada exclusão do sucessor singular desse princípio, disposta no artigo 165 do CC/16, contra quem não se somava o prazo já decorrido, sendo restritamente aplicado aos herdeiros do credor. A doutrina clássica criticou tal restrição, argumentando que “se por sucessão jurídica entra em cena na ação um outro obrigado, a ação com isso não se torna diversa, e pois, a sua prescrição continua a correr inalterada”. Todavia, poderia ter o legislador igualmente acolhido as críticas da doutrina, no sentido de que a prescrição iniciada a favor do devedor continua, também, a correr em benefício de seus sucessores. Importante ressaltar que, em se tratando de sucessor absolutamente incapaz, não será aplicada a regra sob análise, pois contra esses não corre prazo prescricional[16].

Para finalizar este tópico, importante é mencionar que os artigos subsequentes serão analisados devidamente noutro tempo.


CAUSAS IMPEDITIVAS, SUSPENSIVAS E INTERRUPTIVAS

As causas impeditivas, suspensivas e interruptivas são tratadas pelo Código civil em seus artigos, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 203 e 204.

O artigo 197 afirma que “Não corre a prescrição: I – entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal; II – entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; III – entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela”.

Já o artigo 198 dispõe que “Também não corre a prescrição: I – contra os incapazes de que trata o artigo 3º; II – contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; III – contra os que acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra”.

Em seguida, o artigo 199 assevera que “Não corre igualmente a prescrição: I – pendendo condição suspensiva; II – não estado vencido o prazo; III – pendendo ação de evicção”.

Conectando duas esferas do Direito, o artigo 200 demonstra que, “Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva”, ou seja, enquanto perdurar questão que seja fruto de um fato tido como criminal, não correrá a prescrição, tendo em vista que o processo civil dependerá da solução encontrada no Direito Penal.

O artigo 201 aponta que “Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível”. Este dispositivo aponta que somente será aproveitada a prescrição, de um dos credores solidários, quando a obrigação existente entre eles for considerada indivisível.

No que diz respeito ao assunto de Interrupção, o artigo 202 assinala que “A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: I – por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual; II – por protesto, nas condições do inciso antecedente; III – por protesto cambial; IV – pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concursos de credores; V – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; VI – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.”

O parágrafo único do mesmo artigo ainda afirma que, “A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a  interromper”.

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O artigo 203 diz que “A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado“.

Em continuidade, o artigo seguinte, 204, fala que “A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados”.

O §1º retrata que “A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros”. Já o § 2º complementa que “A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis”. Finalizado, o § 3º do mesmo artigo afirma que “A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador”.

Não se confundem impedimento, suspensão e interrupção da prescrição. O impedimento e a suspensão fazem cessar, temporariamente, seu curso. Uma vez desaparecida a causa de impedimento ou superada a causa de suspensão, a prescrição retoma seu curso normal, computado o tempo anteriormente decorrido, se este existiu[17].

Assim, embora o elemento volitivo não tenha o condão de alterar o curso do prazo prescricional, ele pode ser impedido, suspenso ou interrompido em determinadas hipóteses, cuidadosamente previstas em lei[18].

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (p. 749, 2013), em breve resumo, afirmam que,

A interrupção implica na inutilização do prazo prescricional em curso e, quando reiniciada a sua fluência, ele será integramente reiniciado, voltando ao início, salvo existência de previsão específica em lei (como, in verbi gratia, o Decreto nº 20.910/32). A suspensão, por seu turno, gera a paralisação do prazo fluente no exato momento da ocorrência da causa, voltando a correr de onde tinha parado. Já as causas impeditivas evitam que a prescrição se inicie. Ou seja, pendente uma causa impeditiva, o prazo prescritivo sequer se inicia.

Desta forma, a priori, não há diferença ontológica entre impedimento e suspensão da prescrição, pois ambas são formas de paralisação do prazo prescricional. A sua diferença fática é quanto ao termo inicial, pois, no impedimento, o prazo nem chegou a correr, enquanto na suspensão, o prazo, já fluindo, “congela-se”, enquanto pendente a causa suspensiva[19].

Desta forma, começando pela suspensão e pelo impedimento, verificamos que este e aquela subordinam-se à concepção de uma unidade fundamental, que, comportando, embora, uma diferenciação técnica, autoriza a sua reunião em um mesmo complexo de regras práticas, tal como fez o Código Civil Brasileiro de 1916, artigo 168, e repetiu o Código de 2002, artigo 197. As causas impeditivas e suspensivas obedecem, contudo, a várias ordens de motivação[20].

 Já na interrupção da prescrição, a situação é diversa: verificada algumas das causas interruptivas (artigo 202), perde-se por completo o tempo decorrido. O lapso prescricional iniciar-se-á novamente. O tempo precedente decorrido fica totalmente inutilizado. Verificamos, portanto, interrupção da prescrição quando ocorre fato hábil para destruir o efeito do tempo já transcorrido, anulando-se, assim, a prescrição já iniciada[21].

Portanto, o impedimento é aplicado quando o prazo prescricional ainda não começou a correr, enquanto a suspensão paralisa o andamento do prazo e reaproveita todo o tempo já transcorrido, já em relação à interrupção, o prazo iniciou, paralisou e irá recomeçar a contar do zero, fazendo com que todo o tempo passado seja perdido.

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Sobre a autora
Nívea Mikaela Deps Rios

Assessora Jurídica da 1ª Promotoria de Justiça de Domingos Martins -ES; Pós-graduada em Direito Processual e Civil pela Faculdade de Direito de Vitória -ES; Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória/ES.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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