5. A IMPORTÂNCIA DA APLICAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS
Perante a falência da pena privativa de liberdade em ordenar a questão da criminalidade no Brasil, mostra-se a importância do fortalecimento das penas alternativas como um caminho mais humanizado e facilitador da integração do apenado à sociedade. Deve-se ater ao fato de que o objetivo da sanção penal deve ser o de reabilitar o indivíduo e não de vingar o mal cometido.
As penas alternativas, legalmente conhecidas como penas restritivas de direito, estão previstas no art. 43. do Código Penal Brasileiro. São elas: prestação pecuniária; perda de bens e valores; limitação de fim de semana; prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; interdição temporária de direitos; e limitação de fim de semana. Ampliar a aplicação dessas penas reduzirá a superlotação nas unidades prisionais, o que, consequentemente, evitará que o indivíduo de menor potencial ofensivo, tenha contato com o sistema prisional e acabe por se tornar um reincidente no crime.
É urgente a necessidade de oxigenação total do sistema carcerário, sobretudo buscando medidas para pôr fim ao seu crescimento acelerado. Constata-se que o país carece de investimento na recuperação e ressocialização da massa e no fortalecimento de penas alternativas.
6. O SISTEMA CARCERÁRIO E O ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL
Desde que o “mundo é mundo” há conflitos nas relações sociais e com eles a indispensabilidade de se existir normas e regras. De acordo com (CAMARA, 2009, p. 65), “o crescimento desenfreado das cidades nas últimas décadas aumentou a carga de conflito entre as pessoas, grupos e entre estes com o Estado, que, por sua vez, não foi competente para preveni-los e menos ainda para administrá-los”.
O ritmo das mudanças nas cidades, principalmente nas grandes metrópoles, acontece de forma muito rápida, e, infelizmente, as polícias, o sistema judiciário e penal não têm conseguido acompanhar as transformações e evitar a expansão do crime. Em decorrência disso, acarreta-se um verdadeiro caos no sistema penitenciário.
De acordo com Fiódor Dostoiévski em sua obra “Crime e Castigo” do ano de 1866, “é possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões”. Visto isso, depreende-se a situação crítica em que se encontra a civilização brasileira. O relatório levantado pelo Departamento Penitenciário Nacional (2017), trouxe o dado de 726.712 mil presos no Brasil e um déficit de 358.663 vagas. Em outras palavras, nos nossos presídios a quantidade de vagas existentes, suportaria apenas metade dos presidiários.
As rebeliões sanguinárias nos presídios causaram pânico na população em 2017. Logo no primeiro dia do ano ocorreu um massacre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, deixando um saldo de 56 mortos, segundo Henriques (2017). O G1 Amazonas informou que os mortos eram integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital e presos por estupro.
Com base na reportagem do G1 (2017), em janeiro de 2017, se continuou as matanças nos presídios, por meio das rebeliões, com 33 mortes na rebelião de Boa Vista – RO, duas mortes em Patos na Paraíba, quatro mortes na cadeia pública de Manaus, e no meio do mês, 26 mortes na rebelião no Rio Grande do Norte. Além dessas, tiveram outras ocorrências, que somadas às citadas, “ultrapassaram as 111 mortes do Massacre do Carandiru, no Estado de São Paulo, em 1992”.
Nesse segmento, o STF reconheceu o quadro do sistema penitenciário no Brasil como “Estado de Coisas Inconstitucional”, fato que comprova que já se passou muito dos limites as irregularidades nesse sistema.
“Em julgamento dos pedidos de medida cautelar formulados na inicial, ocorrido em 9.9.2015, o Pleno do STF, por maioria, deferiu a cautelar em relação à alínea b, para determinar aos juízes e tribunais que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos, realizassem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão. E, em relação à alínea h, por maioria, deferiu a cautelar para determinar à União que liberasse o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos. E, ainda, o Tribunal, por maioria, deferiu a proposta do ministro Roberto Barroso de concessão de cautelar de ofício para que se determinasse à União e aos estados, especificamente ao Estado São Paulo, que encaminhassem ao Supremo Tribunal Federal informações sobre a situação prisional”. (GUIMARAES, M, 2017, p. 95-96).
Ao tomar essa decisão, o Supremo voltou seus olhares à problemática deveras grande em que se vive no Brasil há tempos com relação à Segurança Pública e ao sistema prisional. No entanto, segundo Porpino (2017), paira uma polêmica acerca da autonomia da Suprema Corte quanto a formulação de políticas públicas. O Plenário entendeu que a decisão do STF violava o Princípio da Separação e Harmonia dos Poderes, bem como a cláusula do financeiramente possível.
Por outro lado, se defendeu a importância do ativismo judicial, já que os órgãos estatais são inertes e a violação aos direitos humanos, desenfreada. Ora, é certo pensar que não existe coerência no fato de se ignorar a não concretização dos direitos fundamentais da população. A atuação do Supremo ao reconhecer a existência do ECI foi uma medida extrema para uma situação igualmente séria e relevante.
7. JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO POSSÍVEL SOLUÇÃO PARA O CAOS
A sede por vingança é um sentimento comum entre os brasileiros. Neste país é intrínseca a ideia de que o mal instaurado deve ser, acima de tudo, punido por quem o praticou. Com isso, percebe-se a prática de uma cultura punitiva, em que a sociedade sente a necessidade de castigar o possível transgressor, para que gere, então, a sensação de justiça. Isso acontece, porque, com base nessa cultura, a concepção de justiça está intimamente ligada ao ato de punir.
No entanto, frente a realidade da segurança pública e do sistema carcerário brasileiro, se faz conveniente a reflexão acerca da cultura punitiva. É sabido que as prisões estão superlotadas e que as penas aplicadas não têm cumprido seu papel restaurador. Falta, pois, primeiramente, a conscientização de que ao punir deliberadamente o infrator, a punição também recai sobre a sociedade, que vai reencontrar esse infrator potencialmente mais perigoso.
A Justiça Restaurativa não é uma prática recente no Brasil e tem se expandido com o passar dos anos. Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), a Justiça Restaurativa “se trata de um processo colaborativo voltado para resolução de um conflito caracterizado como crime, que envolve a participação maior do infrator e da vítima. ”
“Na prática existem algumas metodologias voltadas para esse processo. A mediação vítima-ofensor consiste basicamente em colocá-los em um mesmo ambiente guardado de segurança jurídica e física, com o objetivo de que se busque ali acordo que implique a resolução de outras dimensões do problema que não apenas a punição, como, por exemplo, a reparação de danos emocionais. ” (CARVALHO, 2014).
Esse instituto, como o próprio nome diz, busca restaurar os danos sofridos pela vítima. O cerne está na reparação, ou seja, em atuar na consequência do crime. O viés restaurativo possui um foco na cura da ferida do que na reclusão. É uma ideia que tem sido discutida e que pode ser um importante instrumento de pacificação social, de política de desencarceramento e evolução do próprio Direito Penal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A segurança pública, como fator determinante para a promoção e manutenção da paz social, garante os direitos individuais e assegura o exercício da cidadania. Nessa perspectiva, é possível afirmar que a qualidade de vida de um cidadão está intimamente ligada à qualidade do exercício da segurança pública. A situação atual do sistema carcerário brasileiro, conforme demonstrado, funciona como um termômetro social, em que quanto mais caótico for o sistema penitenciário, maior será a complexidade da segurança pública.
O direito penal tem vivido um processo longo e antigo de ineficiência no que tange ao combate à criminalidade. Não se vê evolução, mas sim retrocesso. O encarceramento em massa, visivelmente, não tem resolvido os problemas sociais, longe disso, tem aumentado. Todavia, para que se aplique substitutos penais é preciso, primordialmente, haver um reconhecimento geral da falência do modelo punitivo atual. A justiça meramente retributiva, comprovadamente, não tem gerado bons efeitos.
O sistema prisional é o maior problema da segurança pública, e o sucesso desta perpassa pelo enfrentamento e solução do caos carcerário. Com o presente artigo, pôde-se constatar que é crucial buscar e aplicar medidas que visem o desencarceramento. Ademais, precisa-se voltar a atenção à primeira infância, ao acesso à educação, saúde e moradia de qualidade, a fim de se evitar o mal pela raiz.
REFERÊNCIAS
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