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Regime de previdência complementar: breve leitura pós-opção

16/05/2019 às 13:30
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A opção pela sistemática Regime de Previdência Complementar (RPC), prevista na Lei nº 12.618/2012, foi envolta de enorme insegurança por quem detinha essa faculdade.

Em 31 de março de 2019, teve fim o prazo estipulado para os servidores públicos federais, bem como para os membros do Poder Judiciário, Ministério Público da União e Tribunal de Contas da União migrarem para o intitulado Regime de Previdência Complementar, na forma do disposto no§ 8º do Art. 3º, da Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012 (O exercício da opção a que se refere o inciso II do caput é irrevogável e irretratável, não sendo devida pela União e suas autarquias e fundações públicas qualquer contrapartida referente ao valor dos descontos já efetuados sobre a base de contribuição acima do limite previsto no caput deste artigo).

 A faculdade de opção foi regada por muitas incertezas, mormente por conta do cenário de insegurança jurídica vivenciada pela Previdência Social do setor público (RPPS). Incertezas há muitos experimentadas pelos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) ao longo da trajetória do sistema. Basta ver as infinidades de alterações sofridas pela Lei nº 8.213, de 1991, para se ter a dimensão desse panorama.

Pois bem, é triste dizer, mas as incertezas são findam com a opção prescrita na legislação do Regime de Previdência Complementar (RPC).

A afirmação está assentada, em primeiro lugar, em uma constatação simples: desde a primeira Reforma da Previdência Social em 1998, o objetivo do Governo Federal era implementar um regime de financiamento parcialmente capitalizado, a ocorrer mediante a instituição de uma previdência universal básica[1] e de um regime de previdência complementar, de modo que não é difícil concluir que todos os meios e mecanismos seriam utilizados para o esvaziamento dos regimes próprios, dentre os quais o consubstanciado no incentivo à migração[2].

A par dessa constatação, emerge uma premissa lógica: não seria crível conferir incentivo maior do que o ônus com a mantença desse servidor no regime que se pretende retirá-lo porque, assim, como diz o brocardo popular: o governo estaria comprando “gato por lebre”. Contudo, pela efetiva adesão à migração, percebe-se que algumas variáveis não foram bem dimensionadas pelo governo, a primeira delas está centrada na própria interpretação das regras de regência da matéria.

Senão vejamos.

Muitas variáveis são levantadas para se auferir as vantagens dos destinatários do Art. 1º, da Lei nº 12.618, de 2012. Mas uma delas se sobressai e foi, efetivamente, a que impulsionou muitos a aderirem ao novel sistema, qual seja: o valor do benefício especial e a sua forma de reajustamento, previstos nos §§ 1º a 8º do Art. 3º e Art. 22 da citada Lei. Vale conferir o que dita o texto das regras referidas, in verbis:

Art. 3ºAplica-se o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social às aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de previdência da União de que trata o art. 40 da Constituição Federal, observado o disposto na Lei no 10.887, de 18 de junho de 2004, aos servidores e membros referidos no caput do art. 1o desta Lei que tiverem ingressado no serviço público:

 I - a partir do início da vigência do regime de previdência complementar de que trata o art. 1o desta Lei, independentemente de sua adesão ao plano de benefícios; e

 II - até a data anterior ao início da vigência do regime de previdência complementar de que trata o art. 1º desta Lei, e nele tenham permanecido sem perda do vínculo efetivo, e que exerçam a opção prevista no § 16 do art. 40 da Constituição Federal.

 § 1º É assegurado aos servidores e membros referidos no inciso II do caput deste artigo o direito a um benefício especial calculado com base nas contribuições recolhidas ao regime de previdência da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios de que trata o art. 40 da Constituição Federal, observada a sistemática estabelecida nos §§ 2º a 3º deste artigo e o direito à compensação financeira de que trata o § 9º do art. 201 da Constituição Federal, nos termos da lei.

 § 2º  O benefício especial será equivalente à diferença entre a média aritmética simples das maiores remunerações anteriores à data de mudança do regime, utilizadas como base para as contribuições do servidor ao regime de previdência da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, atualizadas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou outro índice que venha a substituí-lo, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela competência, e o limite máximo a que se refere o caput deste artigo, na forma regulamentada pelo Poder Executivo, multiplicada pelo fator de conversão.

 § 3º O fator de conversão de que trata o § 2º deste artigo, cujo resultado é limitado ao máximo de 1 (um), será calculado mediante a aplicação da seguinte fórmula:

 FC = Tc/Tt

 Onde:

 FC = fator de conversão;

 Tc = quantidade de contribuições mensais efetuadas para o regime de previdência da União de que trata o art. 40 da Constituição Federal, efetivamente pagas pelo servidor titular de cargo efetivo da União ou por membro do Poder Judiciário, do Tribunal de Contas e do Ministério Público da União até a data da opção;

 Tt = 455, quando servidor titular de cargo efetivo da União ou membro do Poder Judiciário, do Tribunal de Contas e do Ministério Público da União, se homem, nos termos da alínea “a” do inciso III do art. 40 da Constituição Federal;

 Tt = 390, quando servidor titular de cargo efetivo da União ou membro do Poder Judiciário, do Tribunal de Contas e do Ministério Público da União, se mulher, ou professor de educação infantil e do ensino fundamental, nos termos do § 5º do art. 40 da Constituição Federal, se homem;

 Tt = 325, quando servidor titular de cargo efetivo da União de professor de educação infantil e do ensino fundamental, nos termos do § 5º do art. 40 da Constituição Federal, se mulher.

 § 4º  O fator de conversão será ajustado pelo órgão competente para a concessão do benefício quando, nos termos das respectivas leis complementares, o tempo de contribuição exigido para concessão da aposentadoria de servidor com deficiência, ou que exerça atividade de risco, ou cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, for inferior ao Tt de que trata o § 3º.

 § 5º O benefício especial será pago pelo órgão competente da União, por ocasião da concessão de aposentadoria, inclusive por invalidez, ou pensão por morte pelo regime próprio de previdência da União, de que trata o art. 40 da Constituição Federal, enquanto perdurar o benefício pago por esse regime, inclusive junto com a gratificação natalina.

 § 6º O benefício especial calculado será atualizado pelo mesmo índice aplicável ao benefício de aposentadoria ou pensão mantido pelo regime geral de previdência social.

 § 7º O prazo para a opção de que trata o inciso II do caput deste artigo será de 24 (vinte e quatro) meses, contados a partir do início da vigência do regime de previdência complementar instituído no caput do art. 1o desta Lei.   (Vide Lei nº 13.328, de 2016)

 § 8º O exercício da opção a que se refere o inciso II do caput é irrevogável e irretratável, não sendo devida pela União e suas autarquias e fundações públicas qualquer contrapartida referente ao valor dos descontos já efetuados sobre a base de contribuição acima do limite previsto no caput deste artigo.

[...]

 Art. 22.Aplica-se o benefício especial de que tratam os §§ 1o a 8o do art. 3º ao servidor público titular de cargo efetivo da União, inclusive ao membro do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União, oriundo, sem quebra de continuidade, de cargo público estatutário de outro ente da federação que não tenha instituído o respectivo regime de previdência complementar e que ingresse em cargo público efetivo federal a partir da instituição do regime de previdência complementar de que trata esta Lei, considerando-se, para esse fim, o tempo de contribuição estadual, distrital ou municipal, assegurada a compensação financeira de que trata o § 9odo art. 201 da Constituição Federal.

A interpretação desses dispositivos legais já foi oficialmente divulgada pela Resolução Conjunta STF/MPU nº 3, de 20 de junho de 2018,  por meio da qual se considerou, para efeito da fórmula de conversão, o seguinte parâmetro: “Tc = a quantidade de contribuições mensais efetuadas para os regimes de previdência de que trata o caput do art. 40 da Constituição Federal e o art. 22 da Lei nº 12.818, de 2012, efetivamente pagas pelo servidor ou membro até a data da opção”. Ou seja, se fez incluir na fórmula as contribuições mensais efetuadas para regimes de previdência de outras esferas de governo

E essa interpretação fez toda a diferença.

Sim , porque a Resolução Conjunta STF/MPU nº 3, de 2018, sem dúvida, emprestou uma conotação mais benéfica às regras acima reproduzidas, uma vez que, ao se tomar a letra fria da lei, o fator de conversão, previsto no § 3º do Art. 3º da Lei nº 12.618, de 2012, está alinhado ao ingresso do destinatário no Regime de Previdência Complementar da União, haja vista que se trata de uma lei destinada aos agentes públicos vinculados ao RPPS da União, de sorte que a diretriz legal foi realmente no sentido de considerar, como expressamente previsto na referida regra, a quantidade de contribuições mensais efetuadas para o regime de previdência da União de que trata o art. 40 da Constituição Federal.

Em outras palavras, o § 2º do Art. 3º da Lei nº 12.618/2012, que cuida da base de cálculo do benefício especial, possibilita a utilização de todo o período contributivo do servidor, de modo que ingressa para cálculo desse benefício o total de contribuições vertidas para os regimes de previdência a que se vinculou o destinatário da norma até o momento da migração, inclusive para o RGPS, a dar azo ao disposto no próprio Art. 22, da referida Lei. E o fator de conversão, por sua vez, teria a função de limitar o cálculo do benefício sob a ótica do ingresso no setor público da União.

Fácil é perceber que o fator de conversão foi instituído como um limitador do benefício especial para os destinatários da norma, o que se mostra condizente com o sistema complementar instituído. E essa forma de limitação violaria o princípio da isonomia? Entende-se que não, porque os regimes próprio e complementar são instituídos por lei pelos entes federados a partir de suas perspectivas securitárias. Um servidor exercente de cargo público egresso de um ente federado antes da instituição do Regime Complementar em âmbito federal (na hipótese de o ente federado não ter instituído o RPC), pode optar em permanecer com as benesses do RPPS ou migrar para o RPC, caso em que teria que arcar com o ônus do fator de conversão na apuração do seu benefício especial em face do tempo em que contribuiu para o RPPS da União, pois cada ente pode instituir o seu regime complementar. Essa parece ter sido essa a lógica eleita pela Lei, mas não foi a interpretação conferida pelo ato normativo citado (Resolução STF/MPU nº 3/2018), expedido pelo próprio Supremo Tribunal Federal em ação conjunta com o Ministério Público da União, de forma que existe, portanto, na atualidade, em face de eventual controvérsia judicial, o aval normativo da Corte Constitucional pátria a dirimir a questão.

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À guisa dessa ilação, muitos agentes públicos vinculados ao RPPS – e nesse caso, cada caso é um caso – acabaram por aferir mais vantagem na migração, que nada mais é do que uma forma de autorizar que o regime ao qual continuarão vinculados (RPPS) seja mitigado por normas do RGPS, a limitar o valor do seu benefício básico ao patamar do limite máximo de benefício do RGPS. 

 Outra variável que contribuiu para essa migração, foi a forma de reajustamento do benefício especial, a congregar os mesmos índices do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). E é nesse ponto que se observa a variável mais sensível do sistema. Sim, porque a forma de atualização do benefício especial prevista no § 6º do Art. 3º da Lei nº 12.618/2012, qual seja, a atualização pelo mesmo índice aplicável ao benefício de aposentadoria ou pensão mantido pelo regime geral de previdência social, não significa a existência de direito perene à fórmula de reajustamento prevista ao tempo da opção. Pode ser modificado? Pode, tanto quanto se modificou a forma de atualização de benefícios para o RPPS e do próprio RGPS ao longo de sua existência. Aliás, a questão do reajuste de benefícios previdenciários sempre foi um fator sensível por estar umbilicalmente vinculado à política fiscal.

Assim, deve-se ter em mente que, ainda que o benefício especial seja um direito que foi garantido aos destinatários da Lei nº 12.618/2012 no momento da opção, não significa que esteja, a exemplo de outros benefícios previdenciários, imune a quaisquer alterações. Não está. A norma de atualização é aberta e os vincula aos mesmos índices do RGPS, passíveis, portanto, de mudanças decorrentes das políticas fiscais.

De mais a mais, a legislação não refere o momento em que tem início o reajustamento do benefício especial. Não obstante, a interpretação oficial conferida aos §§ 5º e 6º do Art. 3º da Lei nº 12.618/2012, foi no sentido de que, tão logo calculado por ocasião da opção pelo destinatário da regra, passe-se a aplicar o respectivo reajuste. Então, é como se o benefício especial ficasse em standby, mas engordando até a concessão da aposentadoria, quando então será pago, já com o devido reajustamento, mantendo-se este após a inativação.

 Aliás, muito se fala que os parâmetros de migração são mais difíceis de serem modificados do que os previstos no RPPS. Não existe isso. As garantias postas para a preservação do valor do benefício previdenciário, como se disse alhures, sempre foi tema sensível e, tanto no RPPS, quanto no RGPS, existem normas constitucionais equivalentes (Art. 40§ 8º e Art. 201, § 9º da CRFB) para salvaguardar o valor real do benefício. Ademais, no RPPS de transição (PEC 6/2019), o direito à paridade subsiste às duras penas, mas não deixa de ser um direito assentado na força de todos os servidores da atividade. E não se diga que esse sistema perdeu força porque está em extinção.

Em todo caso, o efeito imediato da migração, em verdade, é fixar o valor da aposentadoria ao limite máximo do benefício do RGPS, fato que proporcionará a esse servidor maior liquidez na percepção dos respectivos vencimentos ou subsídios por conta da limitação da incidência da alíquota de contribuição sobre esse patamar.

Por fim, cabe lembrar que, em sede previdenciária, vige entendimento no sentido de que o direito adquirido se implementa com a satisfação das condições para a concessão do benefício. Mas, sabe-se que, muitas vezes, até mesmo com a total implementação dessas condições, assentadas no tempo de contribuição, a aposentadoria ainda está sujeita a outras intempéries, como a problemática do reajustamento e até mesmo da cassação[3]. E isso ocorre porque, em que pese a paulatina transmudação do sistema previdenciário do setor público para uma versão privada, o ranço da verticalidade do vínculo funcional ainda é forte para desnaturar a vertente mais benéfica do direito adquirido, vertente esta que não imuniza quem migrou para o Regime de Previdência Complementar (RPC) porque, ao final, esse servidor não sai do RPPS, apenas se incorpora na sua nova feição, identificada pela equivalência com os parâmetros do RGPS.

Em conclusão, são diversas as variáveis que guarnecem um ou outro sistema previdenciário, todas a indicar que, no cenário de completa devastação em que se descortina essa última onda reformista, não existe vantagem da opção sob o prisma da estabilidade. Aliás, para quem já tinha asseguradas as garantias da paridade e da equivalência, a opção pelo novel sistema não deixa de ser observada como uma aventura à cultura do sistema de capitalização, em que a disciplina, a educação financeira e a disponibilidade de recursos se impõem como pressuposto para o sucesso da empreitada.


Notas

[1] A instituição de uma Previdência universal básica tem por escopo da unificação dos regimes de previdência (RPPS e RGPS), a ocorrer com a paulatina extinção do RPPS e modelação do RGPS.

[2] v. Alvares, Maria Lúcia Miranda. Regime Próprio de Previdência Social, São Paulo: Editora NDJ, 2007.

[3] É cediço que servidores aposentados por tempo de contribuição no RPPS estão sujeitos à cassação da aposentadoria, fato que não exime o servidor optante do RPC do mesmo destino, pois a migração não lhe retira a condição de servidor vinculado ao RPPS.

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Sobre a autora
Maria Lucia Miranda Alvares

Advogada do Escritório ACG - Advogados, Pós-Graduada em Direito Administrativo/UFPA, autora do livro Regime Próprio de Previdência Social (Editora NDJ) e do Blog Direito Público em Rede, colaboradora de revistas jurídicas na área do Direito Administrativo. Palestrante, instrutora e conteudista de cursos na área do Direito Administrativo. Exerceu por mais de 15 anos o cargo de Assessora Jurídico-Administrativa da Presidência do TRT 8ª Região, onde também ocupou os cargos de Diretora do Serviço de Desenvolvimento de Recursos Humanos e Diretora da Secretaria de Auditoria e Controle Interno. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Eneida de Moraes (GEPEM).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARES, Maria Lucia Miranda. Regime de previdência complementar: breve leitura pós-opção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5797, 16 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73686. Acesso em: 19 mar. 2024.

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