Reforma trabalhista e a contribuição sindical

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22/05/2019 às 19:41
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4. CONVENÇÃO N º 87 DA OIT E O PRINCÍPIO DA LIBERDADE SINDICAL

4.1. DEFINIÇÃO

A Convenção 87 da OIT, que trata da liberdade sindical e do direito de sindicalização, é considerada uma das mais importantes convenções aprovadas pela Conferência Internacional do Trabalho.

Tal convenção, a despeito de ter sido ratificada pela maior parte dos Estados-membros da OIT, não foi ratificada pelo Brasil, isto em decorrência de certas disposições presentes na Constituição Federal de 1988 que a tornam incompatível com uma plena efetivação do princípio da liberdade sindical, como será aprofundado em seguida.

Inicialmente, cumpre esclarecer o que seria o princípio da liberdade sindical, previsto no artigo 2º da Convenção n. 87 da OIT[36].

Consoante o entendimento de José Augusto Rodrigues Pinto, a liberdade seria o centro do sindicalismo, isto é, afirma o mesmo que “a liberdade, o mais nobre sentimento do ser racional, consolidado na consciência do ‘poder de agir, no seio de uma sociedade organizada, segundo a própria determinação, dentro dos limites impostos por normas definidas’”.[37]

Conforme ensina Vólia Bonfim Cassar,

“O princípio da liberdade sindical é a espinha dorsal do Direito Coletivo representado por um Estado Social e democrático de direito. É um direito subjetivo público que veda a intervenção do Estado na criação ou funcionamento do sindicato.”[38]

Da mesma forma, discorre sobre o assunto José Francisco Siqueira Neto, afirmando que a liberdade sindical seria: “na verdade, um dos direitos fundamentais do homem, integrante dos direitos sociais, componente essencial das sociedades democráticas-pluralistas”. [39]

Pois bem, tal liberdade seria referente ao direito de constituição de organizações, bem como a escolha por filiar-se ou não a elas, tanto pelos empregados quanto pelos empregadores, sem a intervenção do Estado, possuindo, assim, uma esfera coletiva e individual.

Vale destacar dois verbetes publicados no livro “Recopilación de decisiones y principios del Comitè de Libertad Sindical”:

“a) a liberdade sindical coletiva, que assegura aos grupos de empresários e trabalhadores, intervinculados por interesses econômicos ou profissionais comuns, o direito de constituir o sindicato de sua escolha, com a representatividade qualitativa (categoria, profissão, empresa, etc.) e a quantitativa (base territorial) que lhes convierem, independentemente da existência de outro sindicato com a mesma representatividade;

b) a liberdade sindical individual, que faculta a cada empresário ou trabalhador filiar-se ao sindicato de sua preferência, representativo do grupo a que pertence, e dele desfiliar-se, não podendo ser compelido a contribuir para o mesmo, se a ele não estiver filiado”.

Em suma, a esfera individual seria referente à reunião com indivíduos da mesma categoria e possibilidade de escolha de filiação aos sindicatos. Já a coletiva seria equivalente à constituição dos sindicatos com total autonomia.

4.2. LIBERDADE SINDICAL NO BRASIL E IMPEDIMENTOS PARA A RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO N. 87

Como já explicitado, as contribuições sindicais vigentes no Brasil são, de certo modo, resquícios de autoritarismo que foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, e, nesse sentido, observa-se que a liberdade sindical, a despeito de possuir previsão constitucional, não estaria plenamente efetivada.

Nesta esteira, vale ressaltar, inicialmente, que a contribuição sindical, cerne do presente trabalho, por muito tempo foi o principal elemento que impedia plena efetivação da liberdade sindical dos trabalhadores, vez que possuía caráter compulsório, isto é, sua imposição tanto para os filiados e não filiados aos sindicatos correspondia a uma espécie de controle do sistema sindical, sendo que, com as alterações trazidas pela Lei 13.467/2017, pode-se dizer que houve um avanço no que se refere à efetivação do referido princípio, porquanto foi extinto o caráter compulsório da mencionada contribuição.

Contudo, no Brasil atual ainda existem outros fatores que impedem a ratificação da mencionada Convenção 87.

A liberdade sindical está prevista no artigo 8º da Constituição Federal [40], podendo ser analisada sob dois aspectos, isto é, liberdade de formação, que seria a possibilidade de criação de sindicatos sem intervenção do Estado, sendo estes autônomos; bem como a liberdade de filiação, sendo esta última referente à liberdade individual de cada um para escolher filiar-se ou não a um sindicato, pautada, outrossim, no princípio da legalidade.

Discorre sobre a liberdade sindical, em relação à liberdade de formação, Amauri Mascaro Nascimento, no sentido de que esta seria a:

“Manifestação do direito de associação. Pressupõe a garantia, prevista no ordenamento jurídico, da existência de sindicatos. Se as leis de um Estado garantem o direito de associação, de pessoas com interesses profissionais e econômicos, de se agruparem em organizações sindicais, essas serão leis fundantes da liberdade sindical. Assim a liberdade sindical, no sentido agora analisado, caracteriza-se como o reconhecimento, pela ordem jurídica, do direito de associação sindical, corolário do direito de associação, portanto, liberdade sindical, nessa perspectiva, é o princípio que autoriza o direito de associação, aplicado no âmbito trabalhista.”[41]

Oportuno ressaltar, ademais, que a liberdade de formação encontra previsão legal no aludido artigo 8º da Constituição Federal, e, vez que não seria permitida intervenção estatal neste âmbito, também não seria viável que este cuidasse da manutenção dos sindicatos por meio de subsídios, a fim de garantir a autonomia financeira destes, que deveriam buscar meios de prover sua receita.

Nesta esteira, foi estabelecida a contribuição sindical como meio de prover a subsistência dos sindicatos, possuindo esta, por um longo período, caráter compulsório, que, como já mencionado, foi corretamente extinto pela Reforma Trabalhista.

No que toca à liberdade de filiação, esta seria correspondente ao livre arbítrio dos cidadãos, apenas limitado por disposições previstas em lei. Nesse sentido, em face do disposto no artigo 8º, inciso V, da Constituição Federal[42], em tese tal liberdade de filiação seria absoluta, isenta de quaisquer limitações.

Neste sentido, Alfredo J. Ruprecht afirma que se trata

“do direito de todo trabalhador ou empregador livremente se associar ou deixar de se associar ou se desligar livremente da associação constituída para a defesa de seus direitos e interesses profissionais e do pleno exercício das faculdades e ações para a realização desses fins”.[43]

Entretanto, a mencionada contribuição sindical, devido a seu caráter obrigatório, foi por muito tempo devida não apenas pelos filiados aos sindicatos, mas também pelos não filiados, o que, na prática, seria uma grave violação à liberdade sindical no que toca à filiação. Neste ponto, entende-se que houve significativo avanço no que toca à efetiva concretização da liberdade sindical, vez que, agora, tal contribuição é facultativa, dependendo de expressa autorização para que seja descontada, garantindo, assim, o livre arbítrio previsto em lei.

Outra questão ainda presente no ordenamento jurídico atual que traz grave limitação à liberdade sindical é a unicidade sindical.

Atualmente é possível citar dois tipos de sistemas sindicais, quais sejam o do Unitarismo Sindical, regido pelo princípio da unicidade sindical, e o Pluralismo Sindical, regido pelo princípio da pluralidade sindical. O primeiro define a existência de apenas um sindicato representante de uma categoria na mesma base territorial, sendo que o segundo permitiria a existência de mais de um na mesma base territorial representando a mesma categoria.[44]

O ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema de Unitarismo Sindical, estando este previsto no artigo 8º, inciso II, da Constituição Federal [45]. Entende-se pelo texto legal do mencionado artigo que não é permitida, em qualquer grau, a formação de mais de um sindicato da mesma categoria econômica ou profissional, na mesma base territorial, causando, assim, uma centralização dos recursos arrecadados por meio da contribuição sindical, assim como uma limitação à escolha dos profissionais, porquanto inexistente uma pluralidade de sindicatos. Conclui-se, desta forma, que tal limitação traria como principal consequência a não concretização da efetiva e plena da liberdade sindical plena previstas nos moldes da OIT.

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Oportuno destacar que, de fato, a unicidade sindical se mostra benéfica na medida que impede uma multiplicação exacerbada de organizações sindicais, sendo, inclusive, considerada por estudiosos e sindicalistas como melhor opção frente ao pluralismo sindical.

Ocorre que, a limitação em pauta causada por tal unicidade diz respeito à sua imposição, e não pela natureza do próprio instituto. Vejamos, os Verbetes n. 224 e 225 do Comitê de Liberdade Sindical da OIT [46] dispõem que, a despeito de ser desejada a unicidade sindical pelos trabalhadores a fim de evitar a proliferação abusiva dos sindicatos, não pode esta ser imposta por lei através de intervenção estatal, vez que estaria violando o princípio da liberdade sindical. Da mesma forma, tais verbetes afirmam que a Convenção 87 da OIT não impõe a pluralidade sindical, isto é, não poderia esta ser imposta aos trabalhadores, bem como, por iguais razões, não poderia ser imposta a unicidade sindical, exigindo-se apenas a possibilidade de escolha e adoção de um desses sistemas.

Nesta esteira, vez que a unicidade sindical se encontra disciplinada no artigo no artigo 8º, inciso II, da Constituição Federal, sendo, desse modo, expressamente imposta aos trabalhadores, entende-se haver afronta ao princípio da liberdade sindical neste tópico, porquanto, para que a efetivação deste fosse possível, seria necessário que o sistema jurídico brasileiro conferisse aos trabalhadores e empregadores a possibilidade de escolha pela pluralidade sindical, não podendo ser esta expressamente vedada, como ocorre no Brasil. Portanto, seria este mais um dos motivos que impediriam a ratificação da Convenção n. 87 pelo Brasil.

Vale lembrar, ademais, que para possibilitar a ratificação da Convenção supramencionada, seria necessária a eliminação das categorias como forma obrigatória de organização sindical, isto é, não caberia ao Estado determinar e impor um sistema de organização por categorias, devendo ser tal escolha realizada pelos grupos de trabalhadores e empresários de acordo com a forma que lhes fosse mais conveniente em face de uma identidade de interesses econômicos.

Observa-se, assim, que a unicidade por categoria não seria garantidora de uma efetiva representatividade dos trabalhadores, apenas culminando numa proliferação absurda do número de sindicatos no Brasil, somando-se isto ao fato de que tal divisão por categorias não seria suficiente para suprir a questão do crescimento desenfreado do trabalho informal.

Destarte, o grande impedimento para a possível ratificação da Convenção nº 87 da OIT seria o disposto no artigo 8º da Constituição Federal, o qual deveria ser reformado a fim de constar a livre constituição de sindicatos, não se estabelecendo sindicatos por categorias, não se exigindo contribuições compulsórias de associados e não associados à agremiação, concretizando, assim, o princípio da liberdade sindical em sua plenitude.

Ressalte -se que, com as alterações tratadas no presente trabalho acerca da contribuição sindical, conclui-se que houve grande progresso neste ponto, vez que ocorrera de fato uma aproximação ao princípio da liberdade sindical, restando, contudo, os dois outros pontos mencionados ainda inalterados. Oportuno ressaltar que seria necessária, além de promover um afastamento dos traços corporativistas do modelo sindical brasileiro, uma implementação de medidas eficazes de proteção, atuação e estruturação dos sindicatos no sistema jurídico atual.

Por derradeiro, trata Sérgio Pinto Martins sobre o assunto:

“Pode ser que com o fim da contribuição sindical obrigatória possamos fazer uma reforma sindical na Constituição, acabando com o sindicato único, sindicato por categoria, e, ao final, ratificar a Convenção 87 da OIT.”[47]

Pelo exposto, entende-se ser ainda necessária a adoção de medidas destinadas ao reconhecimento princípio da liberdade sindical em todas as suas dimensões, tais como a supressão da unicidade sindical e eliminação dos sindicatos por categoria, sendo a eliminação do caráter compulsório da contribuição sindical considerada um avanço também no que toca à transição democrática inacabada do modelo sindical brasileiro.

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Sobre a autora
Helen Rodrigues de Souza

Bacharel em Direito, graduada pela PUC - Campinas, Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Ibmec - SP, com participação em módulo internacional sobre Direitos Humanos e Sociais na Universidade Católica Portuguesa de Lisboa, cursando atualmente Pós-graduação latu sensu em Direito Previdenciário. Atualmente atua como advogada nas áreas Trabalhista, Previdenciária, Cível e de Família. OAB/SP 433.385

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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