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A técnica de dinamização do ônus da prova no modelo constitucional do processo

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13/09/2019 às 16:00
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Conclusão

Por todo o exposto, é possível perceber que a técnica de distribuição do ônus da prova é um importante mecanismo para assegurar a igualdade substancial das partes, imunizando os efeitos decorrentes da assimetria de conhecimento de fatos necessários para a efetiva tutela do direito material.

A adoção da técnica de distribuição dinâmica do ônus da prova é legítima quando a aplicação estática, prevista no art. 373, incisos I e II, do CPC, se revelar em desconformidade com os valores constitucionais que conformam o modelo constitucional do processo, acarretando um obstáculo ao acesso útil da ordem jurídica.

A técnica de distribuição dinâmica do ônus da prova se aplica de forma subsidiária, ou seja, incide em casos excepcionais, nos quais o modelo estático se revele incapaz de manter a igualdade substancial entre os sujeitos processuais.

Ocorre que a adoção da técnica de distribuição dinâmica do ônus da prova não é absoluta, tendo seus limites também traçados pela Constituição, mormente no que se refere ao princípio do contraditório e do dever de uma adequada fundamentação das decisões judiciais.

Ademais, a técnica tem por limite a impossibilidade de uma probatio diabolica reversa, pois a sua base de aplicação é a concretização da igualdade substancial, não podendo transpor a impossibilidade da prova à parte adversa.

Para a correta aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova, impõe-se uma especial atenção à função subjetiva do ônus da prova, de sorte que somente é possível cogitar a redefinição do ônus probatório das partes, se a elas for oportunizada a possibilidade de se desincumbir, sob pena de ofensa ao contraditório e à ampla defesa.

Assim, se bem aplicada, a técnica de distribuição dinâmica do ônus da prova é um importante instrumento de estímulo da atividade probatória, que permite com que julgador e partes se aproximem da realidade do direito material, suprimindo eventuais desigualdades, de modo a permitir, antes de tudo, o acesso útil à ordem jurídica, muitas vezes inviabilizada pela carga probatória que pesa sobre determinada parte, bem como um julgamento mais adequado em relação à regra material violada, propiciando um tutela jurisdicional mais justa e segura.


Referências bibliográficas

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Notas

[1] Não se olvida que há diversos problemas sobre como se apresenta o fato no contexto do processo, e sob o aspecto da relevância que possui na interpretação judicial, como, por exemplo, que o fato não é inserido no processo em sua materialidade empírica (salvo exceções muito específicas), pois é verificado primeiro fora dele, para depois ser descrito (narrado) sob a forma de enunciados, ou seja, narrações. Todavia, tal ponto não será tratado no presente artigo, pois não se coaduna com os fins pretendidos.

[2] MACHADO, Hugo de Brito. O direito de produzir provas. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 103, p. 45-46.

[3] NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na constituição federal. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 36.

[4] NERY JÚNIOR, Nelson. Op. Cit., p. 37.

[5] CAMBI, Eduardo. Direito Constitucional à prova no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 113.

[6] “Las garantias de la prueba pertencem, em el sistema de la codificación, a la ley ordinária, la que ordena la producción de la misma com um criterio de razonable equidad para ambas partes, com arreglo al principio de igualdad de ellas em el processo. Todos los días nuestros tribunales anulan procedimientos por apartamiento de las garantias inherentes a la producción de la prueba”. COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. 3ª ed. Buenos Aires: Depalma, 1987, p. 157.

[7] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo – Influência do direito material sobre o processo. 6ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 2011, p. 74.

[8] MARINONI, Luiz Guilherme. Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades do caso concreto. Sui confini. Scritti sulla giustizia civile. Bolonha: II Mulina, 2002, p. 121-155.

[9] “Os ‘princípios constitucionais’ ocupam-se especificamente com a conformação do próprio processo, assim entendido o método de atuação do Estado-juiz, e, portanto, método de exercício da função jurisdicional. São eles que fornecem as diretrizes mínimas, mas fundamentais, do próprio comportamento do Estado-juiz. É esta a razão pela qual, no desenvolvimento deste trabalho, a menção à expressão ‘modelo constitucional do processo civil’, sem qualquer ressalva, quer se referir mais especificamente a este primeiro grupo de normas, o relativo aos ‘princípios constitucionais do direito processual civil’, a uma das partes, pois, que integram o ‘modelo constitucional do direito processual civil’.” BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. V. 1. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.119.

[10] “O processo deve se estruturar de maneira tecnicamente capaz de prestação das formas de tutela prometidas pelo direito material, de modo que, entre as tutelas dos direitos e as técnicas processuais deve haver uma relação de adequação. Mas essa relação de adequação não pergunta mais sobre as formas de tutela, porém sim a respeito das técnicas processuais.” Marinoni, Teoria Geral do Processo. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 249.

[11] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, t. IV, p. 254.

[12] ARAZI, Roland. La prueba en el processo civil. 3 ed. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2008, p. 67.

[13] MELLO, Felipe Viana de. O reconhecimento da aplicabilidade da teoria do ônus dinâmico no processo civil brasileiro. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 139, p. 33, out/2014.

[14] CAMBI, Eduardo. Teoria das cargas probatórias dinâmicas (distribuição dinâmica do ônus da prova) – Exegese do art. 373, §§ 1º e 2º do NCPC. Revista de Processo. São Paulo, vol. 246/2015, p. 85-111.

[15] O direito romano admitia que o juiz pudesse recursar-se a julgar em casos que considerava que a prova das alegações não estava clara, ou seja, quando não estava convencido sobre a realidade dos fatos, podia simplesmente jurar sibi non liquere, retratando que em seu ver, as coisas não estavam claras, o que exoneraria o juiz de julgar a causa, imponto ao pretor nomear outro iudex para atuar no lugar do primeiro (KARAM, Munir. “Ônus da prova: noções fundamentais”. Revista de processo. N. 17. São Paulo: RT, jan-mar/1980, p. 51).

[16] ARENHART, Sérgio Cruz. Ônus da prova e sua modificação no processo civil brasileiro. Revista Jurídica, Porto Alegre: Notadez, v. 54, n. 343, maio 2006.

[17] ROSEMBERG, Leo. La carga de la prueba. Buenos Aires: IBdeF, 2002, p. 86.

[18] BENTHAM, Jeremy. Tratado de las pruebas judiciales. Vol. II, p. 150.

[19] RAMBALDO, Juan Alberto. Cargas probatórias dinâmicas; um giro epistemológico. In: PEYRANO, Jorge W. Cargas probatórias dinâmicas. Argentina: Rubinzal-Culzoni, 2004, p. 33 e ss.

[20] “O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração”.

[21] “Sem prejuízo do disposto no art. 333 do CPC, o ônus da prova incumbe à parte que tiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração”.

[22] HENÍN, Fernando Adrían. Las pruebas dificiles. RePro 166/78, dez. 2008, nota 21.

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[23] BENTHAM, Jeremy. Op. Cit.. Vol. II, p. 150

[24] SILVEIRA, Bruna Braga. Notas sobra a teoria dinâmica do ônus da prova. Revista de Direito Provado. São Paulo, n. 52, out. 2012, p.272.

[25] FERREIRA, William Santos. Comentários ao art. 373. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1073.

[26] FERREIRA, William Santos. Op. Cit. P. 1074.

[28] BARBEIRO, Sérgio José. Cargas probatorias dinamicas: que se debe proba rel que no puede probar?. In: PEYRANO, Jorge W. Cargas probatórias dinâmicas. Argentina: Rubinzal-Culzoni, 2004, p. 101.

[29] Idem, p. 104.

[30] KNIJNIK, Danilo. As (perigosíssimas) doutrinas do ônus dinâmico da prova e da situação do senso comum como instrumentos para assegurar o acesso à justiça e superar a probatio dibolica. Processo e Constituição. São Paulo: Ed. RT, 2006, p. 946.

[31] “Processual Civil. Penhora. Depósitos em contas correntes. Natureza salarial. Impenhorabilidade. Ônus da prova que cabe ao titular. 1. Sendo direito do exequente a penhora preferencialmente em dinheiro (art. 655, inciso I, do CPC), a impenhorabilidade dos depósitos em contas correntes, ao argumento de tratar-se de verba salarial, consubstancia fato impeditivo do direito do autor (art. 333, inciso II, do CPC) [NCPC, art. 373, inc. II], recaindo sobre o réu o direito de prová-lo. 2. Ademais, á luz da teoria da carga dinâmica da prova, não se concebe distribuir o ônus probatório de modo a retirar tal incumbência de quem poderia fazê-lo mais facilmente e atribuí-la a quem, por impossibilidade lógica ou natural, não o conseguiria” (STJ, 4ª T., REsp 619.148/MG, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, ac. 20.05.2010, Dje 01.06.2010).

[32] FERREIRA, William Santos. Comentários ao art. 373. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1074.

[33] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 56ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.877.

[34] STJ, REsp nº 1.698.696-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Dje: 17.08.2018.

[35] MARINONI, Luiz Guilherme. Formação da Convicção e Inversão do Ônus da Prova segundo a Peculiaridade do Caso Concreto. Revista dos Tribunais, v. 862, p. 21, ago. 2007.

[36] FERREIRA, William Santos. Comentários ao art. 373. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1076.

[37] TJ/SP – Agravo de Instrumento 2052963-58.2017.8.26.000, Rel. Des. Maia da Cunha, Data Julgamento: 17.04.2017. "Compromisso de compra e venda. Decisão que determinou a inversão do ônus da prova. Possibilidade de distribuição dinâmica do ônus da prova, de acordo com o art. 373, §1º, NCPC, mesmo depois do despacho saneador desde que não se trate de decisão surpresa. Inocorrência de preclusão ante a peculiaridade do caso, em que se alega devolução de nota promissória e ausência de recibo para comprovar depósito do sinal. Expedição de ofício para a instituição financeira apresentar extrato bancário da agravante por curto período de tempo que não representa prova impossível ou excessivamente difícil. Recurso não conhecido em parte e, na parte conhecida, improvido. (...). Ademais, não há preclusão para produção da prova. Embora a prova de pagamento seja, por natureza, documental, diante das peculiaridades do caso de ausência de recibo e de alegação de devolução de nota promissória, é razoável a inversão do ônus e produção neste momento processual. Nem se alegue que a inversão ocorreu de maneira intempestiva, porque o art. 373, §1º do NCPC não determina que a distribuição do ônus da prova ocorra, necessariamente, no despacho saneador, bastando apenas que a decisão não represente surpresa para a parte, o que não houve no presente caso, pois a agravante foi intimada em audiência, com prazo para se desincumbir do encargo". (grifou-se).

[38] NERY JR., Nelson. Aspectos do processo civil no código de defesa do consumidor. Revista de direito do consumidor. N.1. São Paulo: RT, p. 217/218.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARNELOS, Rubens Sampaio. A técnica de dinamização do ônus da prova no modelo constitucional do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5917, 13 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74805. Acesso em: 19 abr. 2024.

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