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Ações afirmativas no Brasil:

sistema de cotas, amplitude e constitucionalidade

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4 DISCRIMINAÇÃO POSITIVA E CONSTITUCIONALIDADE

Para Ronald DWORKIN, a teoria constitucional "não é uma simples teoria da supremacia das maiorias. A Constituição e particularmente a Bill of Rights (Declaração de Direitos e Garantias), destina-se a contra certas , mesmo quando essa maioria age visando o ." [96] [sem grifos no original]

Ensina-nos ainda o Professor DWORKIN, que algumas dessas restrições – para proteção - assumem a forma de regras bastante precisas ou concretas, [97] noutros casos, assumem posições que ele chama de "padrões vagos", sendo que, nesses casos a interferência na prática democrática americana exige uma justificação – leia-se, essa prática democrática como a prática legislativa constitucional já que outorga a sociedade, enquanto "real" legislador constituinte, a conformação do sistema -. [98] E nisso em nada diferindo da teoria constitucional Pátria, com a ressalva de que aqui, essa proteção que se refere o autor é a chamada garantia de prestações negativas por parte do Estado.

Para as restrições que dependem de justificação, que no caso norte-americano, foi presumido pelos "redatores da Constituição" que ela poderia ocorrer através do "apelo aos direitos morais que os indivíduos possuem contra a maioria, ". [99] Visivelmente se traz aqui a perspectiva de conformação social, mesclando a obrigatoriedade de algumas prestações positivas imediatas por parte daquele Estado, com a obrigatoriedade da eterna busca dos objetivos constitucionais eleitos por aquela comunidade.

Verifica-se, portanto, que a constitucionalidade das medidas de ações afirmativas é construída, através da fusão de dois fatores: o modelo de sociedade previsto e que deve ser construído pelo Estado , com a realidade social do povo a que se propõe esse novo modelo.

Desta forma, uma vez que o presente estudo tem o recorte racial na sociedade brasileira, na fusão desses dois fatores , [100] tem-se que tais medidas não só são defensáveis, como também, são passíveis de imposição legal por meio de interpelação judicial . [101]

Por fim, trazer a lume, um trecho da decisão do Juiz Lewis Powel da Suprema Corte norte-americana, onde o magistrado [Caso: Regents of the University of California v. Bakke, 438 U. S. 265 (1978)], [102] assegurou a constitucionalidade de práticas de preferências raciais, quando tais critérios são aplicados com o propósito de melhorar a diversidade racial entre os estudantes, desde que não se pretenda que as cotas sejam o , mas sim, , vejamos o trecho da referida decisão que asseverou: "... [103]." [original sem grifos]

Portanto, podemos outorgar constitucionalidade às políticas de ações afirmativas no Brasil; eis que, quando elas se consubstanciam em forma de cotas, certamente, estarão inseridas ou serão utilizadas como complemento de um certame ou programa que fora instituído universalmente. Pois, fatalmente haverá no programa a que se destinam as cotas, uma previsão geral de acesso aos indivíduos que fazem parte do que chamo aqui de "sociedade dominante" e outra previsão para aqueles grupos da sociedade que, por possuírem necessidades especiais, denominamos como socialmente "menos favorecidos." [104]


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O universalismo que queremos hoje é aquele que tenha como ponto em comum a dignidade humana. A partir daí, surgem muitas diferenças que devem ser respeitadas.

Temos direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. [105]

Boaventura de Souza SANTOS

Inquestionavelmente, a possibilidade de mudança nas relações de raça na sociedade brasileira depende, em nosso ponto de vista, de uma interpretação constitucional sistematizada, que leve em consideração os vários fatores que influenciaram e continuam a influenciar essas relações no Brasil, principalmente, no que se refere à questão da que pressupõe, conditio sine qua non, uma hermenêutica constitucional de inclusão.

Para tanto, afirmamos que a constituição é um sistema de metas, formado por regras e princípios, em constante , ou seja, é um sistema que busca efetivar os anseios da sociedade através de uma prática hermenêutica de , onde a é pautada na consecução de seus e, desta forma, fazendo com que ele tenha uma participação ativa perante a sociedade, não apenas como um garantidor negativo, mas sim, com uma postura positiva diante das várias situações que lhe são apresentadas.

Assim, no bojo desse avanço interpretativo constitucional, ganha o que passou de um conceito estático e negativo, para um conceito de efetividade constitucional, ou seja, . Valendo dizer aqui, que ele ultrapassou a barreira da simples proibição da desigualação jurídica para uma nova fase que chamamos de conformação social ou, de promoção da igualação jurídica. Enfim, de um conceito com função estática passa a ser um conceito que tem uma função dinâmica, de transformação e de . [106]

Nessa perspectiva jurídica constitucional, é que chegamos ao enfrentamento dos efeitos do regime escravocrata, que durou cerca de quatrocentos anos no Brasil, sendo o último país da América Latina a abandonar esse regime e, com isso, fazendo estar presente entre nós, ainda hoje os efeitos discriminatórios daquele regime racista. Fazendo-nos acreditar, que o racismo que aqui se prática, muito mais que uma questão social é também uma questão da moral social. Essa situação é de difícil enfrentamento não só para o negro, que sente e sofre com essa prática velada e repugnante, como também para o não negro que encontra na forma de sua discriminação racial uma estratégia para se livrar da questão.

Destacamos então, que a postura do Estado brasileiro para o enfrentamento da questão, é de que se deve implementar, também, para os negros os avanços interpretativos do princípio da igualdade, mormente, em face aos objetivos do Estado Democrático de Direito; portanto, tal postura não pode ser outra se não de uma política de ação afirmativa a cerca da questão, pois, nela se traduz a mais democrática e atualizada expressão do princípio da igualdade, sendo que, esse comportamento positivo é normativamente imposto e, assim, administrativamente permitido.

A ação afirmativa reconstrói o tecido social introduzindo propostas novas à convivência política nas quais se descobrem novos caminhos para se igualar na realidade do direito e não apenas na palavra da lei, . Ela constitui o próprio conteúdo essencial do princípio jurídico da igualdade, tal como deve pensar um Estado que vive e prática um Direito Constitucional contemporâneo.

Urge, portanto, afirmar para os leitores que comungam do discurso reacionário que: "as experiências alienígenas da prática das ações afirmativas são racistas e causam maior gravame à sociedade do que se vivêssemos sem elas"; QUE: os resultados dos estudos dos professores Bowen e Bok, demonstram efetivamente o contrário. Que, as políticas de ações afirmativas são um beneficio não só para os negros, mas sim, para toda a sociedade que ganha com o aprendizado do que seja a alteridade. Sem olvidar, de que tais medidas não só são constitucionais, como também, fazem parte do chamado poder dever do Estado, estando ele vinculado a elas de forma impositiva, pois, subscrevem-se num direito fundamental do indivíduo negro brasileiro, o direito de ser também, cidadão.

Encerramos então nossa pesquisa, com um trocadilho nas palavras da professora Cármen Lúcia Antunes ROCHA, [107] para dizer que a democracia combina com cidadania, cidadania combina com igualdade e, enfim, a igualdade combina com ações afirmativas.


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Sobre o autor
Antonio Leandro da Silva Filho

advogado militante na área do Direito Empresarial, especializando em Direito Constitucional, conselheiro estadual de Direitos Humanos no Paraná, militante do Movimento Negro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA FILHO, Antonio Leandro. Ações afirmativas no Brasil:: sistema de cotas, amplitude e constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 862, 12 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7497. Acesso em: 23 dez. 2024.

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