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Constitucionalismo e evolução histórico-política da Argentina

Resumo:


  • A Constituição argentina é mais enxuta que a brasileira, tratando principalmente de direitos fundamentais e organização do Estado.

  • A Corte Suprema de Justiça da Argentina tem competência para controle judicial de constitucionalidade em casos concretos, com efeitos interpartes e não vinculantes.

  • A história recente da Argentina mostra uma sucessão de ditaduras e governos constitucionais, com mudanças na composição da CSJN para favorecer os interesses dos grupos dominantes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

No direito constitucional comparado, a situação da Argentina torna-se interessante pela longevidade de sua constituição, pela civil law, pela questão da justiça de transição, pela recente estabilidade institucional, pelo fato de a mesma constituição ter vigorado em regimes autoritários e democráticos, por estar na América Latina e pela influência da constituição dos Estados Unidos.

A Nação Argentina tem uma constituição que remonta a 1853 – reformada diversas vezes, a última em 1994 –, que instituiu a Corte Suprema de Justicia de la Nación Argentina (CSJN) com nove juízes, mas que começou a funcionar em 1863 com apenas cinco e assim prosseguiu por muitas décadas.

A constituição argentina é pequena em comparação com a brasileira e trata basicamente dos direitos fundamentais e da organização do Estado. Da CSJN, a principal característica é a competência de controle judicial de constitucionalidade em última instância, difuso, incidental, baseado em casos concretos e com efeitos interpartes e não vinculantes: por exemplo, a Corte pode declarar a inconstitucionalidade de uma norma, mas não a sua nulidade. Sua competência pode ser originária, mas prevalecem os julgamentos de apelações em recursos ordinários e extraordinários.

Na história recente da Argentina, desde a década de 1930, ocorreu uma sucessão de ditaduras civis e militares, entremeadas por governos constitucionais que raramente completavam seu termo. Nesse ínterim as configurações da CSJN mudaram frequentemente, de modo a favorecer os interesses dos grupos dominantes. No período analisado o número de juízes começou em cinco, passou a sete, voltou a cinco, cresceu para nove na redemocratização do país na década de 1990 e voltou a cinco nos anos 2000.

Esse mecanismo de court-packing serviu para facilitar o desempenho do chefe do Executivo da seguinte maneira: o peronismo surgiu na década de 1940 e, desde então, o poder foi revezado entre partidos peronistas (populistas) e antiperonistas (liberais), de modo que historicamente o Presidente da República também costuma obter a maioria necessária no Legislativo. Com esse respaldo, o Executivo faz aprovar as normas que deseja e livra-se de qualquer questionamento acerca da constitucionalidade delas junto à CSJN devidamente aparelhada.

Se o enfoque cronológico recair apenas sobre o fim do governo de Alfonsín (o primeiro após a última ditadura militar) e início do menemerismo (1989-1990), havia cinco membros relativamente diversos na Corte, mas Menem ampliou o número para nove – e ainda forçou a saída de alguns preexistentes com ameaças, até renunciarem – e deu origem a uma composição apelidada de “maioria garantida”. O aparelhamento pelo governo Menem deu causa a retrocessos na justiça de transição, editando normas que indultaram mais de mil de seus agentes e que a CSJN endossou, ignorando os tratados internacionais de direitos humanos que estavam incorporados à constituição argentina desde a reforma de 1994.

Anos mais tarde coube ao governo Kirchner aproveitar algumas vacâncias e trazer o número de volta a cinco, com juízes mais diversos e um processo seletivo que atualmente proporciona inclusive a participação popular e da sociedade organizada.

Embora a estabilidade política e o império da rule of law pareça vir aumentando desde o pior ponto da crise que Menem legou à Argentina (1998-2002), os fenômenos globais da judicialização da política e do ativismo judicial não deixam de ser observados lá. Desse período é a política pública do Corralito, determinada pelo ministro Cavallo, que restringiu drasticamente a circulação de moeda no país; suas consequências foram tratadas no domínio da CSJN, que decidiu em 2006 pelo dever do Estado de indenizar os autores do caso concreto pelas suas perdas financeiras – e o precedente adquiriu praticamente um status de vinculante para outras decisões, sendo que isso não é permitido na realidade argentina –. Ou seja, a Corte ignorou o rule of law para dar solução ao caso, atuando no nicho em que o Legislativo convenientemente se omitiu e visando a alcançar a aprovação popular, ignorando o impacto que causaria ao erário.

Desde o fim dessa crise econômica, social e política, a Argentina tem conseguido empoderar sua democracia, seja no sentido de eleições efetivas e respeito aos mandatos político-partidários como nos aspectos de liberdade de associação e expressão.

Em relação a fortalecer a CSJN, na última década o avanço nos direitos fundamentais tem sido favorecido na Argentina pela instituição da ação de Amparo, que permite um trâmite sumário em casos relacionados à indisponibilidade das garantias constitucionais, podendo resultar na declaração de inconstitucionalidade de uma norma (discute-se sobre a possibilidade de também se declarar a nulidade).

Diante disso, no direito constitucional comparado, a situação da Argentina torna-se interessante pela longevidade de sua constituição, pela sistematização de suas normas constitucionais, pela civil law, pela questão da justiça de transição, pela recente estabilidade institucional, pela mesma constituição ter vigorado em regimes autoritários e democráticos, por estar na América Latina e pela influência da constituição dos Estados Unidos.

Como já dito, a proximidade da constituição argentina e da estadunidense é grande, apesar de ser católica, mais desigual socialmente e não seguir a common law; apenas sessenta anos as separam e as referências existentes a essa época eram poucas, como as constituições da França revolucionária, da Polônia e as decorrentes das revoluções burguesas, que raramente atingiram a efetividade. Os dois países adotam o presidencialismo, o federalismo, o bicameralismo e a suprema corte com controle concreto de constitucionalidade.

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Quanto ao caso brasileiro, há também muito em comum entre as duas, especialmente pela influência da constituição estadunidense; contudo, a nossa CRFB é muito ampla e praticamente engloba toda a constituição argentina no tocante a direitos fundamentais e à organização do Estado. A analogia é fácil de se perceber pelas semelhanças históricas entre os dois países, especialmente a partir do século XX. A maior diferença em relação às características enunciadas acima diz respeito justamente ao funcionamento do Supremo Tribunal Federal, que opera de forma mista, aceitando os controles abstrato e concreto de constitucionalidade, de modo a serem viáveis decisões com repercussão geral e efeitos vinculantes.


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Artur Fernando Sampaio Andrade

Arquiteto (UFPI, 2002), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UnB, 2005) e estudante de Direito (UnB, 2018-).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Artur Fernando Sampaio. Constitucionalismo e evolução histórico-política da Argentina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5890, 17 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75522. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho apresentado ao Prof. Dr. Juliano Zaiden Benvindo como requisito parcial de avaliação da disciplina Modelos e Paradigmas da Experiência Jurídica, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília

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