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Penhorabilidade dos bens dos sócios na sociedade por quotas de responsabilidade

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INTRODUÇÃO

O escopo principal deste trabalho se encontra na importância que este instituto, a penhora, recebe como ato expropriatório da execução forçada por quantia certa, algumas modificações havidas, e as divergências existentes em torno da penhorabilidade dos bens particulares dos sócios na sociedade por quotas de responsabilidade limitada.

Podemos estudar a penhora, em sucinta análise, como ato em que são apreendidos, materialmente, bens do devedor, isto é, a primeira agressão que o devedor inadimplente sofre em seu patrimônio.

A maioria doutrinária localiza a natureza jurídica da penhora como um ato executivo, ou seja, um ato processual cuja função primordial é a fixação da responsabilidade executória acerca dos bens por ela englobados.

Na lição do mestre Carnelutti, a penhora "tem por finalidade a individuação e preservação dos bens a serem submetidos ao processo de execução". Destarte, o Estado, valendo-se do seu poder sancionatório, coage o devedor a nomear bens que garantam a satisfação de sua dívida.

Os bens penhorados não sofrem alteração em sua substância, conservando suas características inerentes, não sendo afetados, a não ser quanto à restrição que lhes é imposta, relativa a não disposição destes.

Os bens do devedor deverão ser descritos pormenorizadamente, apreendidos e colocados em depósito, cuidando-se da sua conservação, tendo por suprimida a disponibilidade do devedor, estando este sujeito à expropriação, despontando para o credor a preferência.

Os efeitos da penhora podem ser percebidos em relação ao devedor, onde este se priva da posse direta, quando não for depositário fiel e, conseqüentemente, da disponibilidade dos bens penhorados. No entanto, a inalienabilidade não é total pois se o devedor continuar na posse dos bens e resolver transferi-lo a terceiro ocasionará apenas a ineficácia do ato de transferência efetuada sobre os bens penhorados. Portanto, o terceiro sofrerá a ineficácia do ato de transferência realizada sobre os bens penhorados sendo prejudicado, por conta do direito de seqüela, haja vista que a transmissão dos bens, ante a execução, será considerada ineficaz.

Tendo o terceiro a posse temporária dos bens, obriga-se a escolher o gravame judicial, na posição de depositário, restando-lhe como devedor efetivar a prestação judicialmente, pois caso não o faça considera-se sem eficácia o pagamento direto feito ao devedor ou a outra pessoa.

Ademais, o terceiro deve abster-se de negociar com o devedor acerca do domínio do bem penhorado pois, se o fizer, tendo em vista o efeito geral e erga omnes do ato de constrição, será ineficaz a aquisição perante o processo e o gravame sobre o bem.


MODIFICAÇÕES INSERTAS PELA LEI 8.953, DE 13/12/94

A Lei 8.953 trouxe importantes inovações ao Código de Processo Civil na disciplina da penhora.

No § 1º do art. 655, houve a inclusão do inciso V, incumbindo ao devedor "atribuir valor aos bens nomeados à penhora". Com isso houve "complementação normativa reclamada há muito pelos intérpretes e aplicadores do CPC", como leciona Antonio Cláudio da Costa Machado. Dessa forma, com o conhecimento do valor dos bens nomeados à penhora há uma visível facilitação no julgamento, inclusive quanto à sua eficácia ou ineficácia. Outrossim, há interferência direta na necessidade ou não de reforço da penhora, e a avaliação não se repetirá, salvo quando, de acordo com o acréscimo do inciso III ao art. 683, "houver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem".

Ao art. 659 inseriu-se o § 4º em que "a penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, e inscrição no respectivo registro". Assim, aclaram-se os objetivos desta nova redação, pois é demonstrada a forma do documento – termo, quando lavrado pelo escrivão em cartório e, auto, lavrado pelo Oficial de Justiça -, além de tornar necessária a inscrição da penhora no Cartório de Registro de Imóveis.

Quanto ao art. 669 suprimiram-se os dois parágrafos, possuindo agora somente um parágrafo único, "recaindo a penhora em bens imóveis será intimado também o cônjuge do devedor", o que não modificou ontologicamente a redação do antigo parágrafo 1º, sendo esta verificada em relação à palavra mulher, alterada para cônjuge, jogando por terra o resquício de conservadorismo existente em nosso CPC, observando-se que os bens penhorados podem pertencer a um ou a outro cônjuge indistintamente, podendo cada um defender a sua parte na meação por meio de embargos de terceiro, requerer a substituição do bem penhorado por dinheiro ou remir a execução.

A penhora, instituto básico na execução forçada por quantia certa, foi sutilmente afetada por meio de inserções que não alteraram a sua estrutura, havendo apenas adequação desta às novas tendências de atualização do CPC.


A PENHORABILIDADE DOS BENS PARTICULARES DOS
SÓCIOS EM SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA

Há forte disceptação jurisprudencial acerca deste assunto. O Superior Tribunal de Justiça, sobre a possibilidade de penhora de cotas de sócio de sociedade de responsabilidade limitada por dívidas particulares deste, em douto voto do Min. Sálvio de Figueiredo, obtemperou:

"A penhorabilidade das cotas pertencentes ao sócio de sociedade de responsabilidade ltda., por dívida particular deste, porque não vedada em lei, é de ser reconhecida. Os efeitos da penhora incidentes sobre as cotas sociais hão de ser determinados em atenção aos princípios societários, considerando-se haver, ou não, no contrato social, proibição à livre alienação das mesmas. Havendo restrição contratual, deve ser facultado à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou conceder-se a ela e aos demais sócios, a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto  (arts. 1117 a 1119 do CPC). Não havendo limitação no ato constitutivo, nada impede que a cota seja arrematada com inclusão de todos os direitos a ela concernentes, inclusive o status de sócio" (1).

Nesse diapasão, colhemos o seguinte julgado (2):

PROCESSO CIVIL - COTAS SOCIETÁRIAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA - PENHORABILIDADE. A penhorabilidade de cotas pertencentes ao sócio de sociedade de responsabilidade limitada, por dívida particular, não é vedada em lei e nem pode ser proibida por restrição contratual, porquanto o manto protetor abusivamente não poderá obstaculizar o direito do credor ou o braço da justiça que atua para dar a cada um o que é seu. Havendo essa restrição contratual, deve ser facultado à sociedade, na qualidade de terceira interessada, conforme já decidiu no STJ, a remir a execução, remir o bem ou conceder-se a ela e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto  (CPC arts. 1.117,1.118 e 1.119).

Decisão: CONHECER E PROVER O RECURSO.UNÂNIME.

Em outra situação, o Min. Eduardo Ribeiro (3), do STJ, demonstrou aspectos de alta relevância sobre o assunto, poderando as opiniões divergentes e suas conseqüências, e ementando seu julgado desse modo:

SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. PENHORABILIDADE DAS COTAS DO CAPITAL SOCIAL.

O artigo 591 do CPC, dispondo que o devedor responde, pelo cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens, ressalva as restrições estabelecidas em lei. Entre elas se compreende a resultante do disposto no artigo 64, I, do mesmo Código, que afirma impenhoráveis os bens inalienáveis.

A proibição de alienar as cotas pode derivar do contrato, seja em virtude de proibição expressa, seja quando se possa concluir, de seu contexto, que a sociedade foi constituída intuitu personae. Hipótese em que o contrato veda a cessão a estranhos, salvo consentimento expresso de todos os demais sócios. Impenhorabilidade reconhecida.

Assim, o Min. Eduardo Ribeiro, decidiu que "são impenhoráveis as quotas da Sociedade Comercial Limitada, por dívidas de seus sócios, porque sua constituição é intuitu personae e não intuitu pecuniae".

E, mais adiante, referindo-se a voto proferido anteriormente, traz à colação o que segue:

"... A questão relativa à penhorabilidade das cotas de sócio de sociedade de responsabilidade limitada é das mais controvertidas em nosso direito. Salientou-o o Ministro CLÁUDIO SANTOS, colocando em relevo a multiplicidade de opiniões, a respeito do tema, na doutrina e na jurisprudência.

Ultimamente, vem-se notando certa tendência, embora longe de consolidada, no sentido de admitir-se a penhora. Valorizam-se, para isso, argumentos de natureza processual, sem se levar em conta os que derivem de normas de direito material. Certo que a penhora é instituto processual e os dispositivos que a regulam aí encontram sua sede. Ocorre, entretanto, que a possibilidade de o bem ser penhorado vincula-se à de ser alienado e esta deve ser examinada em face do direito material.

Não empresto, com a devida vênia, importância decisiva ao argumento tirado do artigo 591 do CPC, conjugado com a afirmação de que não há lei excluindo as cotas sociais. Cumpre ter-se em conta que o artigo 649, I, do mesmo Código estatui que são absolutamente impenhoráveis os bens inalienáveis. A questão está em saber se as cotas são alienáveis. Se não o forem, incidirá a vedação legal, malgrado a inexistência de norma que expressamente as excepcione de responderem pelas dívidas de quem delas seja titular.

Observa, a propósito, ALMICAR DE CASTRO:

"A alienação judicial está para a alienação extrajudicial como a espécie para o gênero, e por isso mesmo o que é inalienável é naturalmente impenhorável, seja qual for a força por que se imponha a inalienabilidade" (Comentários ao CPC, vol. VIII, p. 196, Rev. Trib., 1974).

A primeira indagação está, pois, em verificar se as cotas sociais podem ser alienadas. A respeito do tema dissentem os comercialistas. Negar de modo absoluto não parece adequado e nunca soube de quem o fizesse. Muitos, entretanto, consideram que, incidindo o disposto no artigo 334 do Código Comercial, será mister o consentimento de todos os sócios. Como essa norma é de defesa dos interesses dos sócios, poderiam a isso renunciar e estabelecer, no contrato, que bastaria a maioria do capital para autorizar a cessão. Ou mesmo fazê-la inteiramente livre.

Outra corrente afirma que, em princípio, a cessão é livre, podendo o contrato dispor de modo diferente. Nesse sentido JOÃO EUNÁPIO BORGES, a meu ver com razão. Menciona que o contexto da lei isso resulta, especificamente os artigos 5º, 6º e 7º, sendo certo que apenas na hipótese de aquisição de cotas pela própria sociedade  (art. 8º) exige-se o consentimento dos demais sócios.

A proibição da cessão poderá resultar de disposição expressa do contrato ou advir de seu contexto, quando se possa concluir que a sociedade foi constituída intuitu personae.

Se decorre do contrato a proibição, não será possível forçar os demais sócios a agir em desconformidade com o pactuado e admitir um estranho. A cessão, pois, não será viável. Isso se verificando, não se admitirá igualmente a penhora, pois se estará diante de caso de inalienabilidade.

A principal razão que tem levado a que se admita sempre a penhora está no receio de que o devedor, dispondo de vasto patrimônio, representado por cota de sociedade próspera, ficasse imune à execução. A questão não é bem assim. REQUIÃO, que chegou a classificar de imprópria e lastimável decisão do Supremo Tribunal Federal tendo como possível a penhora, salienta que aquele receio não se justifica. Indica a possibilidade de a constrição incidir sobre os créditos que o sócio devedor tiver, relativamente à sociedade. E salienta, que, havendo mau uso da pessoa jurídica, abrir-se-á ensejo à aplicação da disregard doctrine   (Curso de Direito Comercial - Saraiva - 1º vol. - 1989 - ps. 349 e 351). A isso se acrescente outra possibilidade, cogitada pelo Código de Processo Civil. Trata-se do usufruto que pode recair sobre o quinhão de sócio na empresa  (artigo 720).

Assinale-se que a solução contrária também apresenta notáveis inconvenientes. Assim é que autores que admitem a penhora com amplitude, afirmam que não poderá a arrematação levar a que o arrematante se torne sócio, mas propiciará a dissolução e liquidação da sociedade  (Humberto Theodoro Jr. - Processo de Execução - 3ª ed. - Ed. Univers. de Dir. - p. 264). Está o problema no fato de envolver-se terceiro. LIEBMAN salientou a propósito:

"Observou-se com razão que fogem à execução os direitos do executado cuja transferência não é possível sem o consentimento de terceiro: por exemplo o direito do executado sobre imóvel que lhe foi alugado não pode ser transferido a outrem sem o consentimento do locador e não pode, portanto, formar objeto da execução." (Processo de Execução - Saraiva - 1968 - ps. 78/79)

No caso em exame, o contrato não proibiu a alienação, embora aparentemente o fizesse. Estabeleceu-se o direito de preferência. Não exercido, as cotas poderão ser transferidas. Em tais circunstâncias, considero não haver empecilho à penhora. O direito à aquisição, os sócios poderão praticamente exercer, licitando, embora pagando valor algo superior.

Releva que não se teve como indispensável o consentimento, fazendo possível a cessão.

No caso em exame, como salientou a sentença, o contrato veda a cessão a estranhos, salvo consentimento expresso de todos os demais sócios. Em tais circunstâncias, tenho que correto o acórdão. Nego provimento.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial

(em 29.06.93 - 3ª Turma)."

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Nesse sentido, mutatis mutandis, dispõe a ementa (4):

SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. PENHORA SOBRE BENS PARTICULARES DO SÓCIO-GERENTE POR DÍVIDA DA SOCIEDADE. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, PORQUE NÃO COMPROVADA A CONDUTA LESIVA DA SOCIEDADE. A penhora de bem de sócio-gerente, para satisfação de dívida da pessoa jurídica, só deve ser realizada quando presentes as condições excepcionais justificadoras.

Decisão: CONHECER. NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME.


CONCLUSÃO

Como se depreende da polêmica questão, há que se analisar a penhora de cotas sociais sob os aspectos da possibilidade de alienação, da necessidade do consentimento de todos os sócios, da constituição da sociedade ser intuitu personae ou intuitu pecuniae, do receio quanto à evasão do patrimônio da sociedade e do sócio, da proibição contratual de alienação das cotas sociais, etc. Portanto, podemos concluir que, dependendo do caso e a complexidade de seus desdobramentos, a solução a ser dada, será a análise minuciosa da situação e a sua adequação ao caso concreto, ante o enfoque destes aspectos sobrelevados.

Dessarte, é o direito material que vai definir a questão da impenhorabilidade, inexoravelmente cingida a da inalienabilidade. É a livre cessibilidade das cotas sociais que irá definir a penhorabilidade das cotas em questão.


NOTAS

  1. REsp 39609-3 - SP AGI639696 DF Reg. Ac.: 87223 Data de Julgamento : 13/05/1996 Órgão Julgador : 1ª Turma Cível Relator EDUARDO DE MORAES OLIVEIRA Publicação no Diário da Justiça do DF : 28/08/1996 Pág. : 14.712  (até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3)

  2. REsp 34.882-5 - RS, 30 de junho de 1993  (data do julgamento)

  3. AGI661896 DF Reg. Ac.: 87279 Data de Julgamento : 05/08/1996 Órgão Julgador : 3ª Turma Cível Relator : NÍVIO GONÇALVES Publicação no Diário da Justiça do DF : 18/09/1996 Pág. : 16.384  (até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3)

BIBLIOGRAFIA

BARBI, Celso Agrícola – Comentários ao Código de Processo Civil, 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1983, v. 1

DINAMARCO, Cândido Rangel - A Reforma do Código de Processo Civil, Malheiros Editores, 1995

THEODORO Júnior, Humberto - Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1996, 2º vol.

MACHADO, Antonio Cláudio da Costa - A Reforma do Processo Civil, Ed. Saraiva, 1995

PAULA, Alexandre de - O Processo Civil à Luz da Jurisprudência, Rio de Janeiro, Forense, 1987

SANTOS, Moacyr Amaral - Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, São Paulo, Saraiva, 1989, v. 2

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo - O Processo Civil no STJ, São Paulo, Saraiva, 1992

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Sobre a autora
Helia Maria de Oliveira Bettero

oficiala de gabinete da 1ª Vara Criminal da Circunscrição Especial de Brasília, assessora cível e criminal junto ao TJ-DFT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BETTERO, Helia Maria Oliveira. Penhorabilidade dos bens dos sócios na sociedade por quotas de responsabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. -1462, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/756. Acesso em: 22 nov. 2024.

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