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Eficácia subjetiva da coisa julgada nos processos coletivos ajuizados por associações

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14/11/2019 às 14:59
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3. DA SITUAÇÃO PECULIAR DA ATUAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES NOS PROCESSOS COLETIVOS.

O artigo 18 do CPC/15 traz em seu bojo a legitimidade para atuação nos processos, trazendo a seguinte previsão: “Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.”

O dispositivo contempla o instituto da legitimidade, que segundo Waldir Zagaglia (ZAGAGLIA, 2019, p.93) corresponde “a titularidade do direito de ação. E continua definindo a legitimidade fazendo a seguinte observação:

Não há necessariamente coincidência entre os titulares do processo e os titulares da relação jurídica de direito material controvertida. Para descobrir se as partes são legítimas, duas são as observações: a) a própria lei enumera – neste caso, não há qualquer problema; e b) a lei é omissa.

Desses ensinamentos, extrai-se que há como regra duas espécies de legitimação: a ordinária e a extraordinária.

Waldir Zagaglia (ZAGAGLIA, 2019, p.93) define legitimação ordinária “quando uma só pessoa enfeixar em si as duas titularidades, isto é, tanto a titularidade do direito material como a titularidade da relação jurídica processual (...) Quando a lei não indica o legitimado, a legitimação é sempre ordinária”.

Em relação a legitimação extraordinária, aponta que ocorre quando uma pessoa for titular da relação jurídica de direito processual e outra da relação jurídica de direito material (...) só ocorre nos casos expressamente previstos em lei, como disciplina o art. 18 do Código de Processo Civil”. (ZAGAGLIA, 2019, p.93).

É possível concluir que a legitimação ordinária, muito comum no processo individual, coincidem o legitimado e o interessado da pretensão a ser deduzida em juízo. Nesse caso, a sentença terá aplicação direta sobre a esfera jurídica do legitimado, nos termos do artigo 506 do CPC/15: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.

Na legitimação extraordinária, também existente no processo individual, mas frequente no processo coletivo, a lei expressamente autoriza alguém a exigir o direito de outrem, ou seja, existe um terceiro legalmente investido para atuar na defesa de direito alheio, denominado substituto processual. Nesse caso, a sentença será além das partes que aturam no processo, a depender do interesse tutelado e dos moldes que foi apresentada a pretensão.

A legitimidade é diferente de capacidade. Isso porque a legitimidade é específica para uma causa específica, enquanto a capacidade é genérica para todo e qualquer processo. A ilegitimidade não pode ser sanada, já a capacidade pode ser sanada por meio da representação ou da assistência. Além disso, a legitimidade possui natureza jurídica de condição da ação, enquanto a capacidade possui natureza jurídica de pressuposto de validade do processo (ZAGAGLIA, 2019, p. 94).

E nessa perspectiva, necessário distinguir os institutos da substituição processual e da representação processual. O substituto processual age em nome próprio defendo direito alheio, enquanto o representante age em nome de terceiro, defendendo direito de terceiro.

Essa distinção é perfeitamente explicada por (GRECO, 2006, p. 353). Vejamos:

Substituto processual é parte, no sentido processual. Quer na posição de autor, quer na de réu, o substituto processual é sujeito da relação processual, da qual participa em nome próprio, não em nome do substituído. Nisso difere a substituição processual da figura da representação, em que o representante não é parte, mas apenas representante da parte, que é o representado. Enquanto na substituição processual o substituto age em nome próprio, na representação o representante age em nome do representado.

Nos processos coletivos, as ações coletivas quase sempre são baseadas na legitimação extraordinária, quando está presente o fenômeno da substituição processual. Porém, pode vir sob a forma de representação processual, como ocorre nos casos em que o agir dos entes coletivos ocorre em favor dos direitos de grupos sociais organizados e definidos, como as Associações e Sindicatos.

Os legitimados para propor a ação coletiva constam do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público,

II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

Dentre os legitimados previsto neste artigo, consta as associações, objeto do presente trabalho. A lei é clara e exige para a qualificação como legitimado extraordinário apenas que seja legalmente constituída há pelo menos um ano e que incluam entre suas finalidades a defesa de interesses e direitos dos seus associados.

No processo coletivo, a legitimidade processual é extraordinária, concorrente, disjuntiva e autônoma. É extraordinária porque o autor da ação não é o titular do direito material. Concorrente porque outros igualmente legitimados podem ingressar em juízo para defesa de interesses e direitos. Disjuntiva e autônoma porque a atuação de um colegitimado não vincula, nem subordina a atuação do outro. (DIDIER, 2016, p. 180-185)

As associações possuem legitimidade para atuar como legitimado extraordinário, a teor do artigo 82, inciso IV, do CDC e artigo 5º, LXX, alínea B da CF, bem como pode atuar como representante processual, a teor do artigo 5º, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988.

Em linhas gerais, quando a associação atua com legitimação extraordinária, atua como substituto processual, ou seja, atua em nome próprio, defendendo direito alheio. Já quando atua como representante processual, atua em nome alheio, defendendo direito alheio. E, tanto atuando de uma forma como de outra, a Associação deve atender formas procedimentais previstas em lei.

A associação poderá litigar para garantir direitos dos associados, como já afirmado, por meio da substituição processual ou da representação processual. O que vai diferenciar a atuação é o meio escolhido, se via impetração de mandado de segurança coletivo ou se via ajuizamento de ação do pelo rito comum.

Quando as associações atuarem como substituto processual é decorrente da previsão constitucional constante do artigo 5º, inciso LXX, alínea “b” da Constituição Federal, que prevê o instituto do mandado de segurança coletivo, in verbis:

Artigo 5º

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;

Nessa impetração do mandamus, a Associação deve comprovar que atende os requisitos constitucionais, quais sejam, estar legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, além de estar atuando na defesa e nos interesses de seus associados, ou seja, deve ser comprovada a pertinência temática e a representatividade.

A representatividade é demonstrada pelo tempo de constituição da associação. Nesse aspecto, a lei expressamente exige que a associação esteja constituída há pelo menos um ano. Tal requisito pode até vir a ser dispensado, porém há necessidade de demonstração de manifesto interesse social, que será evidenciado pela dimensão ou característica do dano ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

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No que toca à pertinência temática, a mesma é aferida por meio da análise dos seus fins institucionais, cujos interesses estão previstos nas cláusulas do estatuto da associação. A partir dessa previsão, é efetuada a verificação da relação entre os interesses e direitos protegidos coletivamente com as finalidades da pretensão da associação.

Segundo Hugo Nigro Mazzili (MAZZILLI, 1998, p. 627), pertinência temática é “requisito indispensável, que corresponde à finalidade institucional compatível com a defesa judicial do interesse”.

Porém, quando as Associações ajuizarem ação do rito comum atuarão como representante processual, nos termos do artigo 5º, XXI, in verbis: “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”.

Trata-se de atuação em nome alheio para defesa de direito alheio, desde que autorizada por seus filiados, a representa-los, judicial ou extrajudicialmente.

Nesse caso, não basta atender os requisitos da representatividade e a da pertinência temática, deve, também, preencher o requisito constante do parágrafo artigo 2º-A da Lei nº 9.494/97, que expressamente determina que a petição inicial deverá estar instruída com a ata da assembleia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços, in verbis:

Art. 2º-A – A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

Parágrafo único.  Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

Nota-se que o referido dispositivo seria aplicado apenas para as ações propostas em face da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias e fundações. Porém, em razão do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE 573.232, julgado pela sistemática da repercussão geral, quando as associações atuarem pelo rito comum, sua atuação dar-se-á representante processual e não como substituto processual, sendo necessário nessas situações que a petição inicial seja acompanhada da lista dos associados e da autorização dos associados para ajuizamento da demanda, não sendo admitida a previsão genérica do estatuto para demandar.

Vejamos a ementa do julgado:

REPRESENTAÇÃO – ASSOCIADOS – ARTIGO 5º, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALCANCE. O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL – ASSOCIAÇÃO – BENEFICIÁRIOS. As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial. (RE 573232, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2014, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-182 DIVULG 18-09-2014 PUBLIC 19-09-2014 EMENT VOL-02743-01 PP-00001)

Como ficou demonstrado neste capítulo, as associações podem atuar nos processos coletivos, seja via legitimação extraordinária, quando impetrará mandado de segurança coletivo, seja via ordinária, quando ingressará com ações coletivas. Em ambas hipóteses sujeita a comprovação dos requisitos exigidos na lei e ratificados como legítimos pela jurisprudência vinculante, seja para demonstrar a legitimidade, seja para demonstrar a capacidade de representação.

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Sobre a autora
Keila Vânia Fernandes Jara

Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela EDAMP/UNIGRAN/MS. Advogada integrante da Carreira de Assistência Jurídica do Estado de Mato Grosso do Sul. Atualmente chefe da Unidade de Apoio Jurídico da Procuradoria de Pessoal, órgão integrante da estrutura da Procuradoria Geral do Estado de Mato Grosso do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JARA, Keila Vânia Fernandes. Eficácia subjetiva da coisa julgada nos processos coletivos ajuizados por associações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5979, 14 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77780. Acesso em: 25 dez. 2024.

Mais informações

Foi elaborado para fins de conclusão do Curso de Pós Graduação em Processo Civil - EDAMP/UNIGRAN/MS

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