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Eficácia subjetiva da coisa julgada nos processos coletivos ajuizados por associações

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14/11/2019 às 14:59
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4. DA COISA JULGADA NOS PROCESSOS COLETIVOS.

Após o exame da legitimação, passa-se à análise da coisa julgada, que será brevemente abordada apenas para fins de compreensão da extensão da coisa julgada nos processos coletivos, ajuizados pelas associações.

É consabido que a coisa julgada é uma garantia constitucional prevista no artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, in verbis: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Trata-se de garantia também decorrente do princípio fundamental da segurança jurídica, cuja finalidade é evitar que uma questão de mérito que já foi apreciada e decidida pelo Poder Judiciário seja novamente submetida a apreciação e julgamento, após seu trânsito em julgado.

Processualmente, trata-se de um pressuposto processual negativo, necessário para o desenvolvimento válido do processo, que deve estar presente na formação, e na constituição e no desenvolvimento do processo.

Para Luiz Guilherme Marinoni (MARINONI et al., 2017) “coisa julgada é a imutabilidade que qualifica a sentença de mérito não mais sujeita a recurso e que impede sua discussão posterior”.

No processo civil individual, a autoridade da coisa julgada material é adquirida nas decisões de mérito, de procedência ou de improcedência. O resultado do processo pouco importa. Os limites subjetivos da autoridade da coisa julgada material se dá apenas entre as partes, não prejudicando, nem beneficiando terceiros que não integraram a lide, nos termos do artigo 506 do CPC, in verbis: “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros”.

No processo coletivo, a coisa julgada material atinge outros patamares, considerando que, em tais processos, busca-se a aplicação de uma tese geral, com o fim de proporcionar o acesso à justiça de forma equânime, economia processual e proporcionar maior segurança jurídica. Nessa perspectiva, os artigos 103 e 104 do CDC traz a forma em que se opera a coisa julgada material a depender dos interesses tutelados, in verbis.

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81 (direitos difusos);

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81 (direitos coletivos);

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81 (direitos individuais homogêneos).

No processo coletivo, o resultado do processo, se procedente ou improcedente, vai influir na formação da coisa julgada material. Via de regra, a tese jurídica criada tem aplicação além das partes. No caso de procedência, a sentença ou acórdão vai beneficiar as vítimas e interessados in utilibus, ou seja, somente vai beneficiar o substituído se for conveniente, pois se a tese o prejudicar a mesma não será aproveitada, podendo haver o ingresso de ações individuais, a qual sempre estará aberta aos legitimados ordinários.

Nesse caso, se o interessado optar por ingressar com ações individuais, não poderá se valer da tese jurídica do processo coletivo, salvo se houver pedido de suspensão do processo individual, nos termos do artigo 104 do CDC, in verbis:

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Nas decisões de improcedência, interessante fazer uma observação. A improcedência pode ocorrer sob duas formas, por ausência de provas e por ausência de direito. Essa distinção é deveras importante para fins da extensão da eficácia da coisa julgada. Logo, a solução para tais situações deve ser extraída da conjugação do artigo 103 do CDC c/c artigo 22 da Lei nº 12.016/2009, que assim dispõe: “No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante”. Já o artigo 103 assim dispõe:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

Extrai-se desse dispositivo que em se tratando de ações coletivas em sentido estrito, relacionadas aos interesses difusos e coletivos, a coisa julgada opera erga omnes para o primeiro e ultra partes em relação ao segundo, não o fazendo coisa julgada as decisões de improcedência por insuficiência de provas, em ambos os casos, por expressa previsão legal.

Logo, a contrario sensu, as decisões de improcedência, por ausência de direito, produzem coisa julgada material, pois se tivesse o legislador a intenção de excepcionar tais decisões, teria feito a redação dos incisos I e II da mesma forma que fez em relação aos incisos III, no que toca aos interesses individuais homogêneos, que aponta coisa julgada apenas se a decisão for de procedência.

É nítida a intenção do legislador em relação aos interesses difusos e coletivos de contemplar a coisa julgada secundum eventum probationis, pois excepcionou da coisa julgada, apenas a improcedência por insuficiência de provas, para evitar o prejuízo dos interesses individuais, permitindo que os mesmos possuam repropor a demanda, mediante nova prova.

E mais, a Lei nº 12.016/2009, que dispõe sobre mandado de segurança coletivo, expressamente afirma que “no mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante”, ou seja, independente do resultado. E, assim o fez, porque há uma particularidade no mandado de segurança, não se admite a dilação probatória, ante a exigência de prova pré-constituída do direito líquido e certo.

Dessa forma, uma vez ultrapassada essa exigência do mandamus, a denegação da segurança, por ausência do direito, gera coisa julgada material, pois proferida com cognição plena e exauriente.  Em tais situações, resta prejudicado o direito de ingressar com nova ação para alcançar a pretensão almejada, seja de forma coletiva, seja individualmente, pois a eficácia subjetiva da decisão irá atingir toda a categoria, exatamente nos termos do artigo 22 da lei nº 12.016/2009.

Teori Albino Zavaski (ZAVASKI, 1995, p. 16-33), abordando o assunto, aponta que “mesmo ajuizado por substituto processual. O MS coletivo terá sentença com eficácia de coisa julgada material para todos os substituídos, desde que, evidentemente, nele haja pronunciamento específico sobre o direito afirmado pelo impetrante”.

Diante disso, a decisão que denega a segurança por ausência de direito líquido e certo não faz coisa julgada material, tampouco prejudica o direito de ingressar com ação do rito comum para alcançar a pretensão almejada. Porém, se a decisão que denegar a segurança for por ausência de direito, mesmo que traga a erronia quanto à forma de extinção, deve se analisar a essência, pois houve cognição plena e concluiu pela inexiste direito, faz coisa julgada material, sendo vedada a renovação da demanda.

Como se vê pela breve exposição constante desse capítulo, a coisa julgada no processo coletivo é diferenciada do processo individual, pois nessa a coisa julgada não depende do resultado do processo, enquanto naquele o resultado do processo é determinante.

No capítulo seguinte, abordar-se-á o tema principal do artigo, que é justamente a extensão subjetiva da tese jurídica formada no processo de conhecimento ajuizado pelas Associações, matéria de vultosa repercussão jurídica e econômica, cujos delineamentos, diante do vácuo normativo e da necessidade social, foram suprimidos e disciplinados pela jurisprudência, especialmente por precedentes vinculantes.


5. EXTENSÃO SUBJETIVA DO TÍTULO FORMADO NO PROCESSO DE CONHECIMENTO AJUIZADO POR ASSOCIAÇÕES.

Após uma abordagem prévia acerca do conceito e natureza jurídica das associações, bem como as formas de atuação processual para defesa dos direitos e interesses de seus associados, é possível ingressar nos questionamentos acerca da extensão subjetiva do título formado no processo de conhecimento intentado pelas associações.

Como alhures mencionado, as associações poderão atuar como legitimado extraordinário, a teor do artigo 82, inciso IV, do CDC e artigo 5º, LXX, alínea “b” da CF, bem como pode atuar como representante processual, a teor do artigo 5º, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988.

Atuando com legitimação extraordinária, atua como substituto processual, ou seja, atua em nome próprio, defendendo direito alheio. Já quando atua como representante processual, atua em nome alheio, defendendo direito alheio. Numa forma ou de outra, a associação, ante o lauto de abrangência de uma decisão – tese jurídica criada, deve atender a forma legal.

Em que pese o artigo 82 do CDC contemplar a legitimação concorrente das associações para tutelar interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, o que poderia pressupor possibilidade de atuar como substituto processual também nas ações ordinárias,  o Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE 573.232, julgado pela sistemática da repercussão geral, acabou restringindo a atuação como substituto processual no mandado de segurança coletivo, ao sedimentar o entendimento de que a atuação das associações, em ações do rito comum, se dá por meio de representação processual e não como substituto processual, ante a fixação da tese jurídica de que há necessidade de autorização expressa dos associados interessados para propor demanda.

Portanto, quando a Associação está atuando via mandado de segurança, está atuando como legitimado extraordinário, sendo dispensada de obter a autorização, considerando que a norma constitucional não condiciona a autorização dos filiados como requisito, nos termos do artigo 5º, inciso LXX, alínea “b”, in verbis:

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Artigo 5º.

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;

Cabe aqui evidenciar que a associação, quando impetra mandado de segurança coletivo, atua como legitimado extraordinário, nos mesmos moldes do sindicato, aplicando-se os mesmos regramentos para utilização do instrumento processual, bem como em relação aos efeitos da coisa julgada. Na verdade, o que a decisão do STF fez foi diferenciar apenas a atuação das associações nos processos ajuizados pelo rito comum, onde atua como representação processual.

Quando a norma constitucional determinou a necessidade de autorização das associações para tutelar direitos dos associados, a teor do artigo 5º, inciso XXI, não o fez da mesma forma para os sindicatos, pois os dispensou da autorização para efetuar a defesa dos associados. Vejamos a distinção normativa, artigo 5º, inciso XXI, representação processual, enquanto artigo 8º, inciso III, substituição processual.

Art. 5º omissis

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente.

Art. 8º omissis

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

A legislação ordinária no mesmo sentido dispensa autorização, nos termos do artigo 21 da Lei nº 12.016/2009, que disciplina o mandado de segurança coletivo, in verbis:

Art. 21.  O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial. 

Parágrafo único.  Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser: 

I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica; 

II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante. 

Nessa toada também é o conteúdo da Súmula n° 629 do STF “impetração do Mandado de Segurança Coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe de autorização destes”.

O mandado de segurança coletivo pode atingir, ou não, toda a categoria, podendo a pretensão do mandamus interessar apenas a uma parte dela, como expressamente prevê o artigo 21 da Lei nº 12.016/2009. Nesse sentido, é o teor da Súmula n° 630 do STF ao dispor que expressamente apontou que a entidade de classe tem legitimação para mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interessa apenas uma parte da respectiva categoria.

A coisa julgada no mandado de segurança coletivo será operacionalizada nos termos do artigo 103 do CDC c/c artigo 22 da Lei nº 12.016/2009.

No caso de procedência, a sentença ou acórdão vai beneficiar a todos os interessados. Quem não tiver interesse nesse resultado, paralelamente, poderá propor ações individuais. Nesses casos, não poderá se valer da tese jurídica do processo coletivo, salvo se optar pela suspensão do processo individual.

No caso de improcedência, necessária a distinção, se por ausência de direito ou por ausência de provas. Pela leitura do artigo 103 do CDC, no caso de direitos difusos e coletivos, a coisa julgada opera erga omnes para o primeiro e, ultra partes, em relação ao segundo, não o fazendo coisa julgada as decisões de improcedência por insuficiência de provas, em ambos os casos.

Logo, se a lei traz como única exceção a decisão de improcedência por ausência de provas, tem-se que as decisões de improcedência, por ausência de direito, fazem coisa julgada material, pois no mandado de segurança coletivo, a coisa julgada ocorre secundum eventum probationis. Isso porque, no mandado de segurança, não é possível dilação probatória, ante a exigência de prova pré-constituída do direito líquido e certo. Logo, uma vez ultrapassada essa exigência do mandamus, a denegação da segurança por ausência do direito gera coisa julgada material, pois proferida com cognição plena e exauriente. Nessa hipótese, resta prejudicado o direito de ingressar com nova ação para alcançar a pretensão almejada, seja de forma coletiva, seja individualmente.

Em casos tais, a eficácia subjetiva da decisão irá atingir toda a categoria, podendo haver cumprimento individual ou coletivo do conteúdo da decisão judicial – título executivo, a depender do interesse assegurado e que deverá ser implementado por meio do cumprimento.

Outrossim, corrobora esse posicionamento, o argumento de que se o legislador quisesse admitir coisa julgada só para as decisões de procedência teria adotada a mesma redação relativa aos direitos individuais homogêneos coletivo (103, III do CDC), cuja coisa julgada só opera nos casos de procedência, in utilibus.

Outro argumento importante para manter esse posicionamento é de natureza sócio jurídica, pois não se pode ignorar uma decisão judicial de improcedência, por ausência de direito, para admitir que o mesmo conflito, resolvido de forma molecular, seja atomizado, por meio de diversas demandas individuais. Seria um contrassenso com a princípio da eficiência e da duração razoável do processo, considerando que a situação dos sindicatos e associações em sede de mandado de segurança coletivo é sui generis, pois diferente dos demais legitimados, as associações sabem exatamente o que buscam, já que possuem conhecimento técnico para avaliar o direito e as necessidades de seus filiados/associados.

Esta sistemática muda completamente quando a Associação atua como legitimação ordinária, pois, nesse caso, estará atuando por representação processual, ou seja, atua em nome alheio, defendendo direito alheio, nos termos do artigo 5, inciso XXI da CF, in verbis: “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”.

A norma constitucional autorizou que as associações pudessem viabilizar a defesa, judicial ou extrajudicial, dos direitos e interesses individuais e coletivos de seus associados, porém, expressamente apontou a necessidade de autorização dos associados, como exigência de capacidade processual.

Nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar os autos do RE 573.232, julgado pela sistemática da repercussão geral, ratificou o texto constitucional, apontando que não há letra morta no texto, sendo necessária a autorização dos associados para ajuizamento da demanda. E mais, apontou que não deve ser admitida a previsão genérica do estatuto para demandar. Vejamos o julgado:

REPRESENTAÇÃO – ASSOCIADOS – ARTIGO 5º, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALCANCE. O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL – ASSOCIAÇÃO – BENEFICIÁRIOS. As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial. (RE 573232, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2014, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-182 DIVULG 18-09-2014 PUBLIC 19-09-2014 EMENT VOL-02743-01 PP-00001)

Para o STF, essa exigência de autorização não pode ser a genericamente prevista no estatuto, devendo haver autorização de forma expressa e específica, por meio da manifestação individual do associado ou por meio de aprovação em assembleia geral da entidade.

Segundo a ratio decidendi do acordão acima referido, essa exigência decorre da necessidade de contemplar o contraditório e a ampla defesa, pois é a partir dessa autorização que a parte contrária tem condições de efetuar a defesa.

Ademais, é em razão dessa singularidade que, nesses processos, em que pese haver discussão sob a forma coletiva, terá aplicação das regras do processo individual para fins de eficácia subjetiva da decisão, pois somente os associados que autorizaram a ação, cujo nome integrou o rol de associados, no momento do ajuizamento da ação, é que podem buscar a execução da decisão, pois quem não autorizou não possui legitimidade ad causam, já que os efeitos da sentença judicial transitada em julgado não os devem alcançar.

Essa regra foi sacramentada pelo STF, diante da tese jurídica fixada nos autos do RE 573232/SC, julgado pela sistemática da repercussão geral, no sentido de que: “as balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial”.

Essa decisão do STF possui fundamento legal, já que o parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 9.494/97 era expresso nesse sentido em relação à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e suas autarquias e fundações. Transcreve-se in verbis:

Art. 2º-A. (...)

Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembleia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços.

Trata-se de regra aplicada apenas quando havia no polo passivo a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações. Porém, após a decisão do STF, ficou expresso que essa mesma regra deve ser aplicada a todos os processos, independente do litigante constante do polo passivo, em razão do precedente vinculante, que por sinal atendendo o dever de coerência e integridade das decisões judiciais, nos termos do artigo 927, inciso III do CPC.

A constitucionalidade desse dispositivo foi questionada nos autos do RE 612043/PR, analisado pela sistemática de repercussão geral, em 2017, quando o Tribunal analisou a questão da eficácia territorial do pronunciamento judicial. O voto condutor declarou a constitucionalidade do dispositivo. Vejamos a conclusão do acordão:

(...) Em Direito, os fins não justificam os meios. Descabe potencializar a prática judiciária, tendo em vista a possível repetição de casos versando a mesma matéria, para buscar respaldar o alargamento da eficácia subjetiva da coisa julgada formada. Essa não é a solução adequada, considerado o efeito multiplicador, uma vez previstos, na legislação ordinária, mecanismos de resolução de casos repetitivos. O Estado Democrático de Direito é, antes de mais nada, liberdade, mas liberdade materializada mediante a estrita observância do devido processo legal.

A problemática da eficácia territorial do pronunciamento judicial é ação plúrima submetida ao rito ordinário. Esse mesmo enfoque seria observado se ajuizada a ação, diretamente, pelos próprios beneficiários do direito, não havendo tratamento diverso atuando a associação como representante.

Conheço e desprovejo o extraordinário, declarando a constitucionalidade do artigo 2º-A da Lei nº 9.494/1997.(...)

O recurso extraordinário que gerou esse precedente continha os seguintes elementos: a causa de pedir recursal consistia na contrariedade aos artigos 1º, 5º, inciso XXI e inconstitucionalidade do artigo 2º-A, parágrafo único, da Lei nº 9.494/1997, já o pedido recursal consistia na fixação dos limites da extensão da coisa julgada, especialmente no sentido de esclarecer qual o momento seria exigível a filiação, considerando que no caso concreto havia a discussão sobre a possibilidade de beneficiar da eficácia da coisa julgada os filiados que se filiaram após a formalização do processo de conhecimento.

A matéria foi amplamente discutida, seguindo a ideia interpretativa de Dworkin, romance em cadeia, partindo-se da ratio decidendi constate do RE 572.232/SC, tema 082.

Em relação ao momento processual adequado para se exigir a comprovação da filiação, o acordão não se limitou ao aspecto temporal para comprovação da filiação, mas também ao aspecto geográfico, criando a seguinte tese:

A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica juntada à inicial do processo de conhecimento.

Logo, a eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, por meio do instituto da representação, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que no momento anterior ou até a data da propositura da demanda, tenha autorizado e o nome tenha constado da relação juntada à inicial do processo de conhecimento.

Trata-se de situação relevante apenas para as ações propostas no âmbito justiça estadual, cujas decisões ficariam limitadas a jurisdição do Tribunal estadual, pois se a ação tramitar junto a jurisdição Federal, não terá essa restrição, considerando que o mesmo possui jurisdição nacional, a teor do que dispõe o artigo 109, §2º da Constituição Federal: “As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal”.

Nesse sentido, os seguintes precedentes:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. AÇÃO COLETIVA AJUIZADA NO DISTRITO FEDERAL. EFEITOS DA SENTENÇA. LIMITAÇÃO SUBJETIVA DO ARTIGO 2º-A DA LEI 9.494/1997. INAPLICABILIDADE. 1. A Justiça Federal do Distrito Federal possui jurisdição nacional, por força do art. 109, § 2º, da Constituição da República, e, desse modo, as decisões proferidas pela Seção Judiciária do Distrito Federal não têm sua abrangência limitada nos termos do art. 2º-A da Lei 9.494/1997. Precedentes: AgInt no REsp 1.382.473/DF, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 30/3/2017; AgRg nos EDcl no AgRg no Ag 1.424.442/DF, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 28/3/2014. 2. No caso, optando o Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado do Rio de Janeiro - SINTRASEF por ajuizar a ação coletiva na Seção Judiciária do Distrito Federal, os efeitos da sentença proferida por referido Juízo alcança, naturalmente, todos os seus filiados. 3. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no REsp 1448615/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 18/06/2018)

Quanto aos associados que ingressarem após o ajuizamento da ação, a tese jurídica nada menciona, porém, pela lógica da ratio decidendi, os associados que ingressarem após o ajuizamento da ação não devem ser atingidos, pois não integraram a lista dos associados, logicamente não autorizaram o ajuizamento da inicial.

Tem-se que essa sistemática poderá ser alterada, caso o interessado passe a integrar a lide como terceiro interessado, na qualidade de assistente litisconsorcial. Nesse caso, a intervenção é útil, pois não vai extrair a essência molecular da demanda coletiva, ao contrário vai evitar a atomização de várias ações individuais paralelas com mesmo pedido.

Dessa forma, pode-se afirmar que a eficácia subjetiva da coisa julgada, nas ações ordinárias intentadas pelas associações, são as mesmas do processo individual, ou seja, o título executivo somente será extensível aos associados que autorizaram a ação judicial, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, cujo nome constou na lista de associado juntada com a exordial, não abrangendo os associados que não autorizaram e não integraram a lista, pois a associação não tem legitimidade ativa para defender os interesses desses associados.

O Superior Tribunal de Justiça vem seguindo de forma uníssona o precedente do STF:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. REPERCUSSÃO GERAL. ART. 543-B, § 3º, CPC. RE 573.232/SC. ASSOCIAÇÃO. REPRESENTAÇÃO. ASSOCIADO QUE NÃO CONSTA EXPRESSAMENTE NA LISTA. ILEGITIMIDADE PARA FUTURA EXECUÇÃO.

1. Com o julgamento do RE 573.232/SC pelo Supremo Tribunal Federal, os autos foram devolvidos pela Vice-Presidência do STJ a esta relatoria em atenção ao disposto no § 3º do art. 543-B do Código de Processo Civil, diante da necessidade de adequação do julgamento ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal.

2. A Segunda Turma desta Corte Superior havia decidido que tanto o sindicato como a associação possuem legitimidade para defender os interesses da categoria na fase de conhecimento ou execução, sendo desnecessária a juntada de relação nominal dos filiados, bem como de autorização expressa.

3. Ocorre que a questão foi posta ao exame do Plenário do Supremo Tribunal Federal que, reconhecendo a repercussão geral da matéria, apreciou e julgou o RE 573.232/SC, de relatoria da Min. RICARDO LEWANDOWSKI, relator para Acórdão Min. MARCO AURÉLIO, ocasião em que as "balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial".

4. Não têm aplicabilidade ao caso dos autos os precedentes do STF que reconhecem a ausência de repercussão geral do debate acerca da ilegitimidade ativa de servidores e trabalhadores para executar sentença condenatória, quando há previsão expressa no título executivo judicial de extensão dos efeitos da decisão a toda a categoria. Primeiro, porque o presente feito cuida de ação de ordinária (conhecimento) interposta por associação em nome de atuais e futuros associados e não de execução individual de sentença proferida em ação civil pública. Segundo, porque o debate travado nas instâncias ordinárias não abarca a questão federal sobre limites da coisa julgada formada em sentença condenatória genérica proferida em processo de conhecimento, matéria de natureza infraconstitucional. Terceiro, porquanto o fundamento da legitimidade ativa da associação, no presente caso, não dispensa exame sobre a necessidade de autorização das associações para a representação de seus associados, matéria reconhecidamente de repercussão geral no Recurso Extraordinário 573.232/SC, ou seja, de cunho constitucional.

Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido para reconhecer a necessidade de autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial. (REsp 1468734/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2016, DJe 15/03/2016)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EFEITOS DA COISA JULGADA EM AÇÃO COLETIVA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL E TEMPORAL. SÚMULA 83 DO STJ. 1. É assente na jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que, quando em discussão a eficácia objetiva e subjetiva da sentença proferida em ação coletiva proposta em substituição processual, a aplicação do art. 2º-A da Lei n. 9.494/1997 deve se harmonizar com os demais preceitos legais aplicáveis ao tema, de forma que o efeito da sentença coletiva nessas hipóteses não está adstrito aos filiados à entidade sindical à época do oferecimento da ação coletiva, ou limitada a sua abrangência apenas ao âmbito territorial da jurisdição do órgão prolator da decisão. Aplicação da Súmula 83 do STJ. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1639899/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 24/11/2017)

PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. AÇÃO COLETIVA PROPOSTA POR SINDICATO NO INTERESSE DA CATEGORIA. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. RESTRIÇÃO DOS EFEITOS AOS FILIADOS AO TEMPO DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO SUBJETIVA DO TÍTULO AOS NOMINADOS EM LISTAGEM. DESCABIMENTO. 1. Não se conhece do Recurso Especial em relação à ofensa ao art. 535 do CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF. 2. O acórdão recorrido está em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que o sindicato, na qualidade de substituto processual, detém legitimidade para atuar judicialmente na defesa dos interesses coletivos de toda a categoria que representa, sendo prescindível a relação nominal dos filiados e suas respectivas autorizações, razão pela qual a coisa julgada advinda da ação coletiva deverá alcançar todas as pessoas da categoria, legitimando-os para a propositura individual da execução de sentença. 3. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa medida, não provido. (REsp 1681890/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 19/12/2017)

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Sobre a autora
Keila Vânia Fernandes Jara

Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela EDAMP/UNIGRAN/MS. Advogada integrante da Carreira de Assistência Jurídica do Estado de Mato Grosso do Sul. Atualmente chefe da Unidade de Apoio Jurídico da Procuradoria de Pessoal, órgão integrante da estrutura da Procuradoria Geral do Estado de Mato Grosso do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JARA, Keila Vânia Fernandes. Eficácia subjetiva da coisa julgada nos processos coletivos ajuizados por associações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5979, 14 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77780. Acesso em: 20 abr. 2024.

Mais informações

Foi elaborado para fins de conclusão do Curso de Pós Graduação em Processo Civil - EDAMP/UNIGRAN/MS

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