Capa da publicação Linguagem do auto de infração e imposição de multa tributária: caso do ICMS de SP
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Considerações sobre a linguagem do auto de infração e imposição de multa:

análise à luz da legislação do ICMS do Estado de São Paulo

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24/03/2020 às 16:24
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11.  Construção de normas individuais e concretas de exigência do ICMS para exemplos anteriores

Para o exemplo da letra “c” do subitem 6.1, podemos construir a seguinte norma individual e concreta de lançamento do ICMS:

“Fica o contribuinte em epígrafe notificado do lançamento do ICMS de R$ ..., em razão do estorno, pelo fisco, de créditos de ICMS correspondentes a valores de imposto destacados em documentos que não atendem às condições previstas no item 3 do § 1º do art. 36 da Lei 6.374/1989”.

Observações:

Provas:

a) documentos com destaques de ICMS (motivo do ato administrativo de lançamento: ocorrência de operações de circulação de mercadorias);

b) folhas do livro Registro de Entradas com escrituração dos créditos (motivo do ato administrativo de lançamento: apropriação dos créditos de ICMS);

c) cópias do Relatório de Apuração de Inidoneidade dos Documentos e da Ficha-Resumo (motivo do ato administrativo de lançamento: o suposto vendedor simulava sua existência).

O não-atendimento às condições do item 3 do § 1° do art. 36 da Lei 6.374/1989 é “pressuposto de direito” de motivo do ato administrativo de lançamento. Se o agente fiscal estornou créditos do ICMS destacados em documentos que não atendem àquelas condições, é porque o contribuinte apropriou-se de créditos indevidos.

Antes de julgado o REsp 1148444/MG,[30] em casos de escrituração de créditos de imposto destacados em documentos que não atendiam às condições do item 3 do § 1° do art. 36 da Lei 6.374/1989, teria sido conveniente que o fisco relatasse os eventos jurídicos tributários ocorridos no período, “modificados” por estornos de crédito de imposto por ele efetuados, no antecedente de norma individual e concreta de exigência do imposto. Assim, a procedência da exigência dos valores de ICMS assim apurados e exigidos dependeria apenas de haver provas concludentes[31] de que, no período em que os documentos foram emitidos, o suposto fornecedor simulava sua existência. Se na impugnação ao auto de infração, o contribuinte demonstrasse ter agido de boa-fé,[32] poderia o órgão julgador considerar improcedente a acusação fiscal, mas procedente a exigência do imposto, já que a boa-fé do adquirente não legitima crédito de ICMS destacado em documento que indica local de onde as mercadorias seguramente não saíram. Se a exação fiscal fosse reduzida ao total dos créditos estornados e respectivos juros de mora, talvez o contribuinte quitasse o débito fiscal.

Para o exemplo da letra “a” do subitem 6.2, podemos construir a seguinte norma individual e concreta de lançamento do ICMS:

“Fica o contribuinte em epígrafe notificado do lançamento do ICMS de R$ ..., por remessa de mercadoria para demonstração dentro do território do Estado, com suspensão do pagamento do imposto, mas que, no prazo de 60 (sessenta) dias, não retornou ao estabelecimento de origem nem foi realizada a transmissão de sua propriedade (cf. dispõe o § 1° do art. 319 do RICMS/2000)”.

Observações:

Provas:

Nota Fiscal n° ..., Série ..., emitida em __ / __ / ___: (motivos do ato administrativo de lançamento: saída de mercadoria para demonstração, com suspensão do pagamento do imposto; mercadoria não retornada ao estabelecimento de origem no prazo de 60 dias; transmissão de propriedade da mercadoria não realizada nesse prazo).

Valor da mercadoria: R$ ... ;

Alíquota: ... ;

Valor do imposto: R$ ... ;

Juros de mora calculados a partir do mês de saída da mercadoria.

O “pressuposto de direito” de dois fatos (ou motivos) do ato administrativo de lançamento está na regra do § 1º do art. 319.

Conforme se vê, o relato não menciona o descumprimento de dois deveres do contribuinte: recolher o imposto devido, por meio de guia de recolhimentos especiais, com atualização monetária e acréscimos legais (cf. item 1 do § 1° do art. 320); emitir, no 61° (sexagésimo primeiro) dia contado da saída da mercadoria, a Nota Fiscal a que se referem os §§ 1°, 2° e 3° do art. 320 do RICMS/2000.

Para o exemplo da letra “c” do subitem 6.2, podemos construir a seguinte norma individual e concreta de lançamento do ICMS:

“Fica o contribuinte em epígrafe notificado do lançamento do ICMS de R$ ..., por emissão, no período de ... a ..., de Notas Fiscais de vendas de mercadorias para outro Estado, sem que, após notificado, conseguisse comprovar a realização das operações, conforme o demonstrativo anexo”.

Observações:

Transporte por conta do remetente das mercadorias;

Provas:

a) Notas Fiscais de vendas de mercadorias com destinatário de outro Estado e com alíquota interestadual (representam operações de circulação de mercadorias: motivo do ato administrativo de lançamento);

b) declaração, de preposto do suposto destinatário das mercadorias, de que essa empresa não celebrou negócio jurídico com o contribuinte paulista;

c) notificação ao contribuinte paulista para a apresentação de documentos que comprovassem a realização das operações;

d) resposta à notificação sem que fosse demonstrada a realização das operações.

Documentos descritos nas letras “b”, “c” e “d” mostram que o contribuinte não comprovou a ocorrência das operações, embora instado a fazê-lo: fato que é motivo do ato administrativo de lançamento. A presunção relativa do § 3° do art. 23 da Lei 6.374/1989 é “motivo legal” da não-ocorrência de operações interestaduais (motivo do ato administrativo de lançamento). O dispositivo não precisa constar da motivação do ato, já que, “nos atos vinculados, por tratar-se de tipo normativo estrito, a breve descrição do motivo do ato é suficiente para identificação do motivo legal” (SANTI, 2001, p. 110).

O demonstrativo de cálculo do imposto devido poderá ser planilha com dados de Nota Fiscal de venda preenchidos em cada linha, por ordem de data de emissão, e com as seguintes colunas: número da Nota Fiscal, Série, data de emissão, valor total da Nota, base de cálculo do ICMS, valor do ICMS destacado com alíquota de 7% (sete por cento), valor de ICMS calculado com alíquota de 18% (dezoito por cento), valor do ICMS devido (diferença entre o valor do ICMS calculado e o destacado). No final de cada mês do período fiscalizado será inserida linha para cálculo do subtotal do ICMS devido no mês. O valor do ICMS exigido no lançamento será a soma daqueles subtotais.

Em todos os exemplos, a norma individual e concreta de exigência do imposto não será invalidada se a norma individual e concreta de exigência de multa (enunciada separadamente) o for, por:

a) “erro de fato” em seu antecedente (relato da infração em desacordo com as provas);

b) “erro de direito” em seu antecedente (subsunção de relato de infração conforme às provas a classe típica de infrações – descrita na hipótese de norma geral e abstrata sancionadora – em que o relato não se enquadra);

c) “erro de fato” em seu consequente (erro na “base de cálculo da multa”, elemento quantitativo do consequente) (CARVALHO, 2008a, p. 451);

d) “erro de direito” em seu consequente (erro na “percentagem da multa”, que, assim como o “sujeito ativo” da relação jurídica tributária, é fator compositivo da estrutura normativa que não pode ser encontrado na contextura do ilícito tributário) (CARVALHO, 2008a, p. 452).


12.  Conclusões

No Auto de Infração e Imposição de Multa há geralmente duas normas individuais e concretas: a de exigência da multa e a de exigência do tributo. No entanto, só o antecedente da primeira norma (relato da infração) está enunciado; o antecedente da segunda (relato do evento tributário) não está: a falta de pagamento do tributo decorre da infração relatada e das provas. Por essa razão, erro de fato ou de direito no relato da infração leva à improcedência do auto de infração e ao cancelamento da multa e do tributo.

Nos tributos sujeitos à homologação (como o ICMS) não pode haver falta de pagamento do imposto sem que, pelo menos, 1 (um) dever instrumental tenha sido descumprido. Lógico, portanto, que multa e imposto sejam exigidos em auto de infração, que, no caso, é veículo introdutor de duas normas individuais e concretas no ordenamento.

Não há problemas quando o relato da infração, inferida pelas provas juntadas ao auto de infração, se subsome a classe típica de infrações descrita na hipótese de norma geral e abstrata sancionadora. Eles surgem quando o relato da infração é infirmado pelo sujeito passivo por insuficiência ou inadequação das provas (erro de fato na acusação fiscal) ou quando o relato, incontestável em face das provas juntadas, não se subsome a classe típica de infrações descrita na hipótese da norma geral e abstrata sancionadora aplicada ou que deveria ser aplicada a outro relato de infração, mais específico, que também pode ser construído pelo exame das provas (erro de direito na acusação fiscal).

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Na acusação fiscal, há de se evitar o erro de fato ou o erro de direito. Corrente jurídica majoritária não admite revisão de lançamento com erro de direito. Um ou outro tipo de erro, porém, deve ser evitado, pois: retarda a arrecadação do imposto devido; a revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.

Há casos em que as provas permitem construir dois ou mais relatos de infração (acusações fiscais), que se subsomem às hipóteses de duas ou mais normas gerais e abstratas sancionadoras. Deve-se aplicar a norma (mais) específica ou especial, uma vez que ela prefere à norma (mais) geral.

Ante o exposto, quando houver dúvida na elaboração do relato da infração ou na escolha da norma geral e abstrata sancionadora aplicável, propomos construir duas normas individuais e concretas com relatos separados: do evento (ou eventos) tributário e do(s) motivo(s) (fato ou fatos) por que o fisco modificou a apuração (ou apurações) do imposto realizada pelo contribuinte, no antecedente da primeira norma; da infração que foi praticada, no antecedente da segunda. Desse modo, se houver erro no relato da infração ou na escolha da norma sancionadora aplicada, a exigência do imposto, feita no consequente da primeira norma, não será considerada improcedente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2014.

CAMPILONGO, Paulo Antonio Fernandes. Os limites à revisão do auto de infração no contencioso administrativo tributário. Dissertação apresentada a Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2005. Disponível em: <https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/8642/1/Dissertacao%20Paulo%20Campilongo.pdf>  Acesso em: 26/01/2018.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008a.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário - Fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 2008b.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008c.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Pressupostos do ato administrativo – vícios, anulação, revogação e convalidação em face das leis de processo administrativo. I Seminário de Direito Administrativo – TCMSP “Processo Administrativo”: São Paulo, setembro de 2003. Disponível em: <http://www.tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/29a03_10_03/4Maria_Silvia3.htm>  Acesso em: 03/11/2019.

GUERRA, Renata Rocha Guerra. Auto de Infração Tributário: Produção e Estrutura. Tese de Doutorado em Direito apresentada a Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2004.

MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2006.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil, 2° vol. São Paulo: Saraiva, 1989-1991.

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, Vols. II e III. Rio de Janeiro: Forense, 1973.

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Sobre o autor
Wagner Pechi

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo aposentado. Ex-Delegado Tributário de Julgamento de São Paulo. Ex-integrante do Tribunal de Impostos e Taxas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PECHI, Wagner. Considerações sobre a linguagem do auto de infração e imposição de multa:: análise à luz da legislação do ICMS do Estado de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6110, 24 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77851. Acesso em: 18 nov. 2024.

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