Capa da publicação O Ministério Público nas ações de família em casos de violência doméstica
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O Ministério Público nas ações de família:

Intervenção na tutela dos interesses da mulher vítima de violência doméstica

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19/12/2019 às 15:00
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4. NOVA HIPÓTESE DE HIPOSSUFICIÊNCIA

A mulher vítima de violência doméstica e familiar faz jus ao reconhecimento de sua hipossuficiência, uma vez que carente de uma maior proteção processual.

          De fato, reconhecido o seu estado de vulnerabilidade, corolário lógico é a necessidade de ser resguardada a igualdade jurídico-processual em relação à parte contrária, seu suposto agressor no âmbito das relações familiares, evitando-se que ela sofra qualquer tipo de constrangimento ou coação que lhe cause prejuízo ao longo do processo.

Esta a preocupação do legislador, ao prever a intervenção do Ministério Público como órgão responsável pela tutela dos interesses da parte hipossuficiente, nos termos do art. 698, parágrafo único do CPC.

  A situação de desvantagem processual se presume, diante do quadro de violência doméstica, impondo-se que o Estado, desta feita através da instituição do Ministério Público, atue efetivamente para que sejam resguardados os direitos da vítima nas ações de família, estando ou não em curso ação penal no Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em face do suposto agressor.

No desempenho desta relevante função, o Promotor de Família deverá velar para que a parte possa livremente se expressar nos autos, sem qualquer tipo de vício de consentimento ou de vontade, além de assegurar que lhe sejam garantidos o respeito aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, opinando sobre todas as questões incidentes e no mérito da causa, bem como recorrendo da sentença, caso não dê justa solução à lide.

Em que pese a destinatária da norma ser a mulher maior e capaz, mesmo devidamente assistida por advogado, quis o ordenamento, em razão da excepcional situação de vulnerabilidade resultante da violência, tenham os processos de família a intervenção do Ministério Público, quando em um dos polos da relação processual figurar vitima de qualquer das formas de violência elencadas no art. 7º e incisos da Lei Maria da Penha.

No desempenho da sua atividade como custos legis, o Ministério Público deverá assegurar que inexista prejuízo processual para a vítima, o que não se confunde com a representação da parte, vedada à instituição.

Como órgão interveniente, o Ministério Público poderá requerer diligências úteis ao deslinde do processo, bem como a produção de prova pericial, como estudos sociais e avaliações psicológicas frequentemente necessárias para a comprovação de quadros de alienação parental e outras disfunções familiares, além de fornecerem importantes subsídios técnicos em ações de guarda e regulamentação de convívio parental.

Por se tratar de norma de natureza cogente, não pode a parte dispensar a intervenção do Ministério Público, quando presente a situação fática descrita no art. 698, parágrafo único, sendo imperiosa a atuação do órgão ministerial, a quem incumbe a análise da presença ou não de interesse na sua intervenção.

Quanto à provocação da intervenção do Ministério Público, que pode e deve ser determinada de ofício pelo Juiz ou requerida pela parte, salientamos a doutrina de Alexandre Amaral Gavronski no entendimento de que o requerimento de qualquer das partes deve ser atendido pelo Juiz:

Havendo requerimento especificamente fundamentado de qualquer parte para intimação do Ministério Público a intervir em hipótese prevista em lei (por exemplo, sustentando a presença de interesse público ou social na causa), deve ela ser providenciada, não cabendo ao juiz aferir se cabível ou não a intervenção, visto que cabe à Instituição, e não ao Poder Judiciário, a aferição em concreto.(GAVRONSKI, 2016, p. 64)

Assim, uma vez requerida a intervenção ministerial pela parte, cabe ao Juiz determinar a intimação do Ministério Público, que avaliará a necessidade e extensão da intervenção, em favor da parte, em cumprimento à norma legal em comento.


5. COMPETÊNCIA DO DOMICÍLIO DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA PARA AS AÇÕES DE FAMÍLIA

Interessante inovação legislativa foi a inclusão de nova regra de competência trazida pela Lei  13.894/2019, ao acrescentar a alínea "d" ao inciso I do art. 53 do Código de Processo Civil, estabelecendo o domicílio da vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei Maria da Penha como foro competente para a propositura das ações de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável.

Igualmente se aplicará a mesma regra de competência para as ações de alimentos propostas pela mulher nas mesmas condições, incidindo na hipótese a mesma ratio legis, a fim de se assegurar à mulher o exercício do direito a alimentos, muitas vezes emergencial diante do estado de vulnerabilidade decorrente da violência doméstica.       

Trata-se de regra de competência instituída em favor da mulher vitimada, facilitando o seu acesso à Justiça, especialmente naqueles casos em que ela se viu afastada do lar conjugal justamente em razão das agressões sofridas, sendo previsão normativa de importante alcance social, de especial relevância na ampliação do arcabouço jurídico de proteção à mulher.

Estamos diante de caso de foro especial, instituído na busca de melhor tutela a interesse da parte, que o legislador entendeu estar em posição de merecer tratamento diferenciado, sendo hipótese de competência relativa e não absoluta, de modo que admite prorrogação, podendo optar a mulher vítima de violência doméstica e familiar por propor a ação no foro do domicílio do réu.

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A incompetência relativa pode ser arguída pelo Ministério Público, caso tal providência atenda ao melhor interesse da mulher, na hipótese do art. 698, parágrafo único do CPC, conforme previsão do art.65, parágrafo único do mesmo diploma legal.

As ações de família na hipótese de uma das partes ser vítima de violência doméstica e familiar, nos termos de novo dispositivo legal (inciso III acrescido ao art. 1048 do CPC), terão prioridade de tramitação, o que também deve ser observado pelo Ministério Público no exercício de suas atribuições como órgão interveniente.


6.  CONCLUSÕES

Podemos concluir, pela análise das novas normas legais, que o legislador buscou ampliar o arcabouço jurídico já existente de proteção à mulher, o que já vem sendo reforçado ao longo dos anos pela edição de diversas leis, como a própria Lei Maria da Penha e a Lei 13.104/2015, que alterou o art. 121 do Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio e o art. 1º da Lei 8.072/1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. 

A intervenção do Ministério Público nas ações de família em que for parte mulher vítima de violência doméstica é mais uma forma de tutela estatal, com o escopo bem definido de salvaguardar os interesses jurídicos das vítimas, também no campo dos processos de família, devendo tal atribuição ser exercida pelos Promotores de Família com absoluta independência funcional, inclusive no que tange à necessidade, duração, limites e extensão da intervenção.

Para tanto, inafastável será a intimação pessoal do órgão do Ministério Público com atribuição, sob pena de nulidade, devendo a intervenção ter lugar em todas as fases e atos dos processos de família em que figurem como parte (autora ou ré) mulher no estado de vulnerabilidade prevista no parágrafo único do art. 698 do CPC.

É preciso salientar que a nova intervenção do Ministério Público vem na contramão de uma tendência de valorização da atuação ministerial como órgão agente, em detrimento da atividade como fiscal da ordem jurídica (custos legis), cabendo aos órgãos com atribuição na área de família assumir uma postura mais ativa e resolutiva, contribuindo de modo eficaz para a celeridade processual e para uma prestação jurisdicional mais justa, dando relevância social ao exercício desta nova função institucional.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MAZZILLI, Hugo Nigri. A atuação do Ministério Público no Processo Civil. Disponível em: http://www.mazzilli.com.br/pages/artigos/mpnopc2.pdf. Acesso em: 13 nov. 2019.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 35.ed. São Paulo: Atlas, 2019.

GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

GAVRONSKI, Alexandre Amaral. A Intervenção do Ministério Público no novo Código de Processo Civil. In:       RODRIGUES, G.; ANJOS FILHO, R. (org.). Reflexões sobre o novo Código de Processo Civil. Brasília: ESMPU, 2016, p. 64


Notas

[1] Membro do Ministério Púbico do Estado do Rio de Janeiro, Titular da 6ª Promotoria de Família da Capital.

[2] Art.25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

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Sobre o autor
Mario Moraes Marques Junior

Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro Promotor Titular da 3ª Promotoria de Justiça de Família da Capital

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES JUNIOR, Mario Moraes. O Ministério Público nas ações de família:: Intervenção na tutela dos interesses da mulher vítima de violência doméstica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 6014, 19 dez. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77921. Acesso em: 19 abr. 2024.

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