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Competência para julgamento das contas de convênio entre a União e os municípios

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Resumo:


  • O Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 848.826, decidiu que a competência para julgar as contas de gestão de prefeitos é da Câmara Municipal e não do Tribunal de Contas, em razão do cargo e não da natureza das contas.

  • A decisão reforça a autonomia dos municípios e o princípio da separação dos poderes, evitando que um órgão técnico (Tribunal de Contas) julgue atos de natureza política do chefe do Executivo municipal.

  • A competência do Tribunal de Contas da União para fiscalizar a aplicação de recursos repassados pela União a municípios por meio de convênios não se estende ao julgamento das contas dos prefeitos, que deve ser realizado pelo Poder Legislativo Municipal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4 JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 848.826 E AS RAZÕES QUE MOTIVARAM A DECISÃO 

No dia 10/08/16 o Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário 848.826, de Relatoria do Ministro Roberto Barroso; decidiu sobre a competência para julgamento de prestação de contas de gestão, quando o gestor for o Prefeito.  Deliberando se seria do Tribunal de Contas ou da Câmara Municipal.

  Por uma apertada maioria (6 x 5) prevaleceu a tese do voto divergente do Ministro Ricardo Lewandowski, entendendo por competente a Câmara de Vereadores.

O presente trabalho tem por escopo, não a decisão do citado Recurso Extraordinário, mas as razões das decisões proferidas e as repercussões destas em outras questões relacionadas prestação de contas dos gestores públicos.

A tese jurídica defendida pelo Relator, Ministro Luís Roberto Barroso, foi que a competência para julgamento das prestações de contas de gestão do chefe do Poder Executivo municipal seria do Tribunal de Contas do Estado/Município, pois a competência para julgamento se daria em razão da natureza das contas, se prestação de contas anuais a competência seria da Câmara de Vereadores, se prestação de contas de gestão, a competência seria do Tribunal de Contas, independente do cargo do prestador, conforme se pode depreender do voto do relator, ipsis litteris: 

Há duas naturezas de contas: de governo e de gestão. O Tribunal de Contas presta dois tipos de atividades: de fiscalização e de julgamento de contas. No caso das contas de governo, porque têm uma característica política, o Tribunal de Contas apenas apresenta parecer prévio, e a casa legislativa julga. No caso de contas de gestão, que têm natureza técnica, o julgamento definitivo é feito pelo Tribunal de Contas, passível de controle pelo Poder Judiciário.

(.......)

1. A fiscalização contábil financeira e orçamentária da Administração Pública compreende o exame da prestação de contas de duas naturezas: contas de governo e contas de gestão.

2. A competência para julgamento das contas será atribuída à Casa Legislativa ou Tribunal de Contas em função da natureza das contas prestadas, e não do cargo ocupado pelo administrador

3. As contas de governo, também denominadas contas de desempenho ou de resultados, objetivam demonstrar o cumprimento do orçamento dos planos e programas de governo. Referem-se, portanto, à atuação do chefe do Executivo como agente político. A Constituição reserva à casa legislativa correspondente a competência para julgá-las em definitivo, mediante parecer prévio do Tribunal de Contas, conforme determina o artigo 71, I, da Constituição Federal.

4. Já as contas de gestão, também chamadas de contas de ordenação de despesas, possibilitam o exame não dos gastos globais, mas de cada ato administrativo que compõe a gestão contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do ente público quanto à legalidade, legitimidade e economicidade. A competência para julgá-las em definitivo é do Tribunal de Contas e, portanto, sem a participação da casa legislativa, conforme determina o artigo 71, II, da Constituição.

5. A sistemática exposta acima é aplicável aos Estados e Municípios por força do artigo 75, caput, da Constituição. Assim sendo, se o prefeito age como ordenador de despesas, suas contas de gestão serão julgadas de modo definitivo pelo Tribunal de Contas competente, sem intervenção da Câmara Municipal. (grifo nosso).

A tese jurídica lograda vencedora no citado Recurso Extraordinário foi apresentada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, que expos na forma que segue:

E estava até verificando aqui que, por conta do próprio Decreto-Lei 2.001, a Câmara tem, sim, inclusive poder de verificar os crimes de responsabilidade, entre os quais figura a malversação do dinheiro público. Portanto, a meu ver, o parecer do Tribunal de Contas é de natureza distinta, não é mera opinião, não é emitido salvo melhor juízo, e prevalece até que seja derrubado por maioria de dois terços da Câmara Municipal, segundo assinalou o eminente Procurador-Geral da República, nos termos do art. 31, § 2º, da Constituição

(.......)

Compete, pois, às Câmaras Municipais o direito de julgar todas as contas do prefeito, sem nenhuma distinção. A competência do órgão legislativo para o julgamento não é determinada pela natureza das contas, se de gestão ou de governo, mas pelo cargo de quem as presta, no caso, o de Prefeito Municipal. (grifo nosso)

(.......)

Como se vê, a opção do constituinte foi a de destinar o julgamento de todas as contas à Câmara, em clara demonstração de respeito à relação de equilíbrio que deve necessariamente existir entre os Poderes da República, na sistemática de “checks and balances”. Não caberia, portanto, tal encargo aos técnicos dos Tribunais de Contas, que não são detentores de poder.

(.......)

Percebe-se que o juiz natural das contas do prefeito sempre será a Câmara Municipal, prestigiando-se, portanto, a democracia, a soberania popular, a independência e a autonomia do órgão legislativo local.

Destaco, entretanto, que o caráter puramente político das Câmaras Municipais é amenizado, justamente, pelo exame do parecer prévio das contas por parte dos Tribunais de Contas. Observo que há, no caso, um balanço, um mix, muito prudente que foi elaborado pelo constituinte de 88. (grifo nosso)

Pelas razões das teses apresentadas em plenário e no Acordão do julgamento no referido Recurso Extraordinário, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a competência para julgamento das prestações de contas de recursos públicos do município se dá em razão do cargo e não em razão da natureza das contas. Portanto, as prestações de contas do Prefeito devem ser julgadas pela Câmara Municipal e não pelo Tribunal de Contas. No mesmo sentido, segue outros julgados do STF:

É pacifica a jurisprudência desta Corte no sentido de que cabe ao Tribuna de Contas, simples órgão opinativo, a apreciação, mediante parecer prévio, das contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo. A competência para julga-las fica a cargo do Poder Legislativo. [9]

Não creio que possamos chegar ao ponto de colocar em primeiro plano o que se contém, explicitamente no inc. II. Para mim, pelo menos neste exame inicial,

transparece que não cabe emprestar tratamento diferenciado conforme a origem das contas. Se a origem for do chefe do Poder Executivo, o Tribunal de Contas emite apenas parecer, mas, se as contas são prestadas pelo Poder Legislativo , ele as julga. Quer dizer, o órgão auxiliar, que é a Corte de Contas passa a julgar as contas do poder a quem ele auxilia. [10]

A tomada de contas, pois, constitui o objeto principal do controle externo, que se exerce, como já ficou dito, relativamente aos municípios, pela Câmara Municipal, com o auxilio do Tribunal de Contas competente.

A função das cortes de contas, então, é a de mero auxiliar, cumprindo-lhe emitir parecer prévio sobre as contas de Prefeito, no qual serão apontas as irregularidades encontradas e indicadas as providências, de ordem corretiva, consideradas aplicáveis ao caso, a fim de que a Câmara Municipal, possa, com pleno conhecimento dos fatos, efetuar o julgamento que lhe compete [11]


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O Prefeito, na condição de chefe do Poder Executivo municipal, tem como função típica ordenar despesas de recursos públicos e que tem como consectário o dever de prestar contas,  seja no macrossistema político, em que o faz com competência exclusiva quando presta contas sobre adequação dos gastos às leis orçamentárias, aos programas de governo e no cumprimento dos limites de gastos com saúde, educação, pessoal; seja no microssistema, podendo fazê-lo por delegação quando autoriza pagamento, aditiva contrato, etc. ou quando administra recursos de repasses gratuitos através de convênios.

As citadas decisões do STF estão firmemente amparadas no arcabouço constitucional brasileiro desde o início do período republicano. Entender como competente o TCU para julgar atos praticados pelo chefe do Poder Executivo municipal (pois o julgamento das contas decorre de ato de aplicação dos recursos públicos) vai de encontro aos Princípios do Estado Federado e da Separação dos Poderes; pois caso o interprete utilizar-se de técnica de interpretação da norma jurídica para alterar relação jurídica que não pode ser alterada, sequer, por meio de Emenda à Constituição, por força do art. 60, §4, I da Constituição Federal, seria passar de um Estado de Direito para um Estado Judiciário.

Ademais, não estamos a defender total impossibilidade de fiscalização e julgamento, por órgão federal, dos recursos públicos repassados pela União aos municípios a título gratuito. Podendo o TCU fazê-lo, desde que as sanções decorrentes de aplicação inadequadas dos citados recursos constem, expressamente, nos termos do convênio, não ultrapassando da Pessoa Jurídica do ente convenente e que as sanções sejam de ordem administrativa, como a possibilidade de multa e a impossibilidade de formação de novos convênios. Quanto à punição do gestor por malversação dos recursos públicos, esta deve ocorrer por meio de ação própria; jamais em Processo Administrativo para julgar prestação de contas instaurado pelo Tribunal de Contas da União. O órgão competente para julgar as contas de Prefeito com a possibilidade de emissão de título executivo condenatório podendo ensejar responsabilidade nas esferas política, civil e penal é o Poder Legislativo Municipal, por deliberação da norma constitucional.  


6 REFERÊNCIAS

MEIRELLES, Hely Lopes; FILHO, José Emanuel Burle; BURLE, Carlos Rosado. Direito Administrativo Brasileiro. 42 ed. Editora Malheiros. São Paulo-SP. 2016.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 32ª ed. Editora Atlas. São Paulo-SP. 2018

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BOBBIO, Norberto. Estado Governo e Sociedade: para uma teoria geral e política. Tradução:  Marco Aurélio Nogueira. 14 ed. Editora Paz e Terra S/A. São Paulo-SP. 2007.

MELO, Verônica Vaz. Tribunal de Contas: história, principais características e importância na proteção do patrimônio público brasileiro. Disponível em < https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/tribunal-de-contas-historia-principais-caracteristicas-e-importancia-na-protecao-do-patrimonio-publico-brasileiro>. Acesso dia 13 de nov de 2019

BRASIL. Constituição Federal de 1891. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso dia 13 de nov de 2019

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso dia 13 de nov de 2019

BRASIL. Decreto 6.170. Brasília, 25 de julho de 2007. Dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6170compilado.htm> Acesso em 15 de nov de 2019

BRASIL. Portaria Interministerial 507. Brasília, 24 de nov de 2011. Dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios. Disponível em < http://plataformamaisbrasil.gov.br/legislacao/portarias/portaria-interministerial-n-507-de-24-de-novembro-de-2011> Acesso em 15 de nov de 2019

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 848.826/DF. Pleno. Relator: Min Min Roberto Barroso: data do julgamento 10/08/2016, data da publicação: 18/08/2016. Disponível em < http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4662945> Acesso dia 17 de nov de 2019

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Mandado de Segurança 28.743/DF. Relator: Min. Celso de Melo. Julgado em 06/05/10. Publicado em 11/06/10. Julgado em 06/05/10. Publicado em 11/06/10. Disponível em < https://www.stf.jus.br/arquivo/djEletronico/DJE_20100511_084.pdf> Acesso dia 15 de novembro de 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 849. Relator:. Min Sepúlveda Pertence. data do julgamento: 11/02/1999, data da publicação: 23/04/1999. Disponível em < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266565> Acesso dia 17 de nov de 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade/MA. Pleno. Relator: Min Ilmar Galvão. data do julgamento: 14/10/1992, data da publicação: 19/10/1992. Disponível em < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=346498> Acesso dia 17 de nov de 2019


Notas

[1] BOBBIO, Norberto. Estado Governo e Sociedade: para uma teoria geral e política. Tradução:  Marco Aurélio Nogueira. 14 ed. Editora Paz e Terra S/A. São Paulo-SP. 2007. P.99-100

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p 881. apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 17ª ed., 2ª tir. Editora Malheiros Editores, 2014.

[3] BRASIL. Constituição Federal de 1891.

[4] MELO, Verônica Vaz. Tribunal de Contas: história, principais características e importância na proteção do patrimônio público brasileiro.

[5] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 32ª ed. Editora Atlas. São Paulo-SP. 2018. P. 1069

[6] BRASIL. DECRETO 6.170. Brasília, 25 de julho de 2007. Dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6170compilado.htm> Acesso em 15 de nov de 2019

[7] BRASIL. PORTARIA INTERMINISTERIAL 507. Brasília, 24 de nov de 2011. Dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios. Disponível em < http://plataformamaisbrasil.gov.br/legislacao/portarias/portaria-interministerial-n-507-de-24-de-novembro-de-2011> Acesso em 15 de nov de 2019

[8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Mandado de Segurança 28.743/DF. Relator: Min. Celso de Melo. Julgado em 06/05/10. Publicado em 11/06/10.

[9] BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. Recurso Extraordinário 471.506. Relator:Min. Gilmar Mendes. Data do Julgamento:26/04/2011.  Data de Publicação:20/05/2011. Disponível em < https://oabjuris.legalabs.com.br/process/d82ac0b39b6dc13cb7af40269abb8ce6040651d6fa339cfcb4a5a2b28471b029?searchId=d0c8d4c8-490f-4e5c-a387-e449654425f8 > Acesso dia 17 de nov de 2019

[10] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 849. Voto: Min Marco Aurélio .

[11] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade/MA. Pleno. Relator: Min Ilmar Galvão

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Sobre o autor
Raimundo Rodrigues de Farias Filho

Advogado especialista em Direito em Administração pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Atuo na área Administrativa e Eleitoral

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIAS FILHO, Raimundo Rodrigues. Competência para julgamento das contas de convênio entre a União e os municípios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 6014, 19 dez. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77986. Acesso em: 22 dez. 2024.

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