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O nepotismo, os políticos, o Conselho Nacional de Justiça e a Constituição Federal

06/02/2006 às 00:00
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O assunto em epígrafe tem se destacado cada vez mais em razão das crescentes denúncias da prática desta moléstia, que consiste no favoritismo, patriarcalismo, enfim, no abominável e indiscriminado emprego de parentes em cargos públicos pelos seus padrinhos.

Esta prática repugnante é historicamente conhecida. Na Roma antiga, dava-se o nome de nepotismo à autoridade que os sobrinhos e outros parentes do Papa exerciam na administração eclesiástica. Hoje o nepotismo está presente na Administração Pública sendo corriqueira a sua prática nas diversas esferas do Poder.

Mas, por ora, não nos insurgiremos quanto aos dados e denúncias veiculadas na mídia, os quais contabilizam, a cada dia, um número maior de favorecimento a parentes e amigos por parte dos detentores de mandato popular. O que nos tem deixado perplexo e tem nos atormentado são duas situações recentes as quais tomamos conhecimento através da imprensa e, ao que parece, estão ganhando força.

A primeira é a defesa veemente ao patriarcalismo manejada pelos políticos e por membros do Poder Judiciário. O ex-presidente da câmara dos deputados, por exemplo, já se manifestou abertamente a favor do familismo, levantando esta bandeira sob o frágil e insubsistente argumento, mas que é comum a todos que hasteiam esta bandeira e que consiste no trinômio "cargo de confiança = pessoa de confiança = parente/amigo íntimo". De outro lado, após a edição da Resolução do CNJ que determina o fim do nepotismo no Poder Judiciário viu-se uma enxurrada de liminares, concedidas em ações que questionam a referida resolução e que, na prática, comprovam a resistência - de grande parte dos magistrados – ao fim do nepotismo.

Quanto aos políticos que insistem em defender o nepotismo, indubitavelmente a urna é o melhor e mais eficaz meio de expurgá-los da vida pública, demonstrando a nossa indignação. No que se refere à enxurrada de liminares concedidas por diversos Tribunais de Justiça, em favor do nepotismo, esperamos que uma decisão com aplicabilidade nacional proferida pelo STF ponha fim neste grave erro.

Mas uma segunda situação nos parece mais grave e preocupante. Os congressistas estariam estudando uma proposta de Emenda Constitucional para inserir novo dispositivo na nossa lei maior vedando expressamente esta prática nefasta que é o nepotismo. Já o Conselho Nacional de Justiça, órgão que fiscaliza a atividade dos tribunais, decidiu, no dia 27 de setembro de 2005, a proibição de nomeação ou designação, para cargos em comissão e funções gratificadas em tribunais ou juízos, de cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau dos membros ou juízes a estes vinculados, através da resolução já citada.

Louvável e digna de aplauso qualquer mobilização tendente a abolir de nosso sistema político o nepotismo. Contudo, indubitavelmente desnecessária e prejudicial ao combate do Nepotismo a provável proposta de Emenda Constitucional para tratar especificamente sobre a matéria e qualquer outra lei ou ato normativo sobre o tema. Explico.

Isto porque, desde Outubro de 1988, quando da sua promulgação, a nossa Carta Política já veda e repreende a contratação indiscriminada de parentes para ocupar cargos Públicos.

Com efeito, são Princípios Constitucionais insertos no art. 37 da Constituição Federal de 1988, e que devem nortear a Administração Pública nas três esferas de poder, a Moralidade, a Impessoalidade e a Razoabilidade, princípios estes que, como mandamentos nucleares do sistema administrativo brasileiro, por si só impõe aos agentes públicos o dever de exercer suas atividades em conformidade com o interesse público, a probidade e a ética, sendo que a administração não pode agir com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que deve prevalecer.

Portanto, consagra a nossa norma maior o atuar do administrador público de acordo a honestidade, a licitude, com o não exercício abusivo dos direitos, o não locupletar-se a custa do Erário, enfim, o atuar do agente público de acordo com o bem, o justo, os bons costumes, visando o melhor para a sociedade, para a coletividade.

Ora, da simples leitura do capítulo que trata da administração pública (art. 37 e ss) e dos seus princípios basilares e dos mandamentos que destes defluem, temos que a Constituição, insofismavelmente, proíbe o nepotismo!

Sabe-se, ademais, que princípios também são normas, no sentido em que já determinam ou autorizam determinados comportamentos, ou ao menos vedam a adoção de comportamentos com ele conflitantes. Esta força normativa dos princípios é ainda maior quando expressamente previsto na Lei Máxima do estado.

Os princípios Constitucionais servem de norte, parâmetro, regras a serem seguidas por todas as demais normas e atos administrativos. São dotados de eficácia plena e aplicabilidade imediata.

Muitas vezes o ato é legal, ou não é vedado explicitamente, mas contrapõe-se a estes princípios, sendo por esta razão automaticamente não recepcionado pela nossa norma maior, devendo ser imediatamente desfeito.

Assim, a luz dos dispositivos constitucionais mencionados e de todo o seu conjunto sistemático devemos, a cada caso concreto, verificar se o ato de contratação para cargos públicos os respeitou.

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Neste sentido, seria lícita a contratação de um filho, um parente ou um amigo altamente qualificado para exercer determinada função, de confiança, inerente à sua especialidade, desde que observado o princípio do concurso público.

De outro lado, verifica-se claramente a prática abusiva, ilegal, antiética e inconstitucional, a contratação indiscriminada de dezenas de parentes ou amigos desqualificados e inexperientes para exercício de cargos públicos, sem respeitar o princípio acima referido.

Diante do exposto, forçoso concluir que a vedação ao nepotismo já encontra fundamento na nossa Constituição Federal, através dos princípios supra mencionados. E a contratação nestes termos é ato de improbidade administrativa, que pode, ou melhor, deve ser combatida através da Ação Civil Pública e da Ação Popular.

Por estas razões, entendemos que qualquer proposta de emenda constitucional e qualquer lei ou qualquer outra espécie de ato normativo tendente a vedar expressamente o nepotismo é injustificável. Será, ainda, desnecessária e prejudicial ao combate ao "familismo", pois, enquanto estas normas não forem promulgadas ou tiverem sua constitucionalidade declarada, os maus políticos - apoiados pelos maus operadores do direito - sustentarão esta prática repugnante sob o falacioso e tão utilizado fundamento - absurdamente legalista - de que ainda não há vedação legal expressa a este mal – o qual, insista-se, já encontra limite no nosso sistema constitucional e seus princípios.

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Sobre o autor
Georges Louis Hage Humbert

Advogado e professor. Pós-doutor pela Universidade de Coimbra. Doutor e mestre em direito do Estado pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de São Paulo. www.humbert.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUMBERT, Georges Louis Hage. O nepotismo, os políticos, o Conselho Nacional de Justiça e a Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 948, 6 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7915. Acesso em: 22 dez. 2024.

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