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Imunidade penal no acordo de leniência antitruste

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05/03/2020 às 16:10
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Considerações finais

Do exposto, pode-se concluir que a imunidade penal no acordo de leniência da Lei Antitruste é um importante instrumento processual para se desvendar cartelizações e outros delitos relacionados, sendo constitucionalmente válida tal imunidade, desde que celebrada com respeito às respectivas atribuições da Superintendência-Geral do Cade e do Ministério Público, órgãos esses que podem trabalhar de forma conjunta e concertada, consoante o estipulado no Memorando de Entendimento Nº 1/2016. Além disso, entende-se que a imunidade penal da Lei Antitruste abarca o crime de cartel e todos os outros crimes que sejam um meio para que esse mesmo cartel se estabeleça; quem decidirá sobre a conveniência dessa imunidade penal negociada será a Superintendência-Geral (art. 86 c/c 87 da Lei Antitruste). Assim, a imunidade positivada no art. 87 (impedimento do oferecimento da denúncia e extinção automática da punibilidade) só ocorre caso a Superintendência-Geral concorde com ela expressamente. Essa imunidade penal é uma tendência legislativa mundial, assim como o recrudescimento do tratamento penal da delinquência econômica.

Resta destacar que todo esse empenho do Estado brasileiro em reprimir os cartéis tem dado bons frutos, já que o Cade registrou um recorde histórico de acordos de leniência em 2017. O primeiro acordo de leniência do Cade foi celebrado em 2003, e, desde então, houve mais de 81, sendo que só em 2017 foram 31 (MOREIRA, 2017).


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WARDHAUGH, Bruce.  Cartels, Markets and Crime: A Normative Justification for the Criminalisation of Economic Collusion. Cambridge University Press, 6 de fev de 2014.


Notas:

[1] Sabe-se que a Lei no 12.529/11 não se presta apenas ao combate dos chamados “trustes”, mas optamos por chamá-la aqui de “Antitruste”, tendo em vista tal denominação já ser consagrada.

[2] “Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940  - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência.

Parágrafo único.  Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo.”

[3] Por exemplo: LIMA, J. L. O; ACQUA, R. D. A inconstitucionalidade do acordo de leniência. Consultor Jurídico. Data: 01/07/2007. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2007-jun-01/inconstitucionalidade_acordo_leniencia>. Acessado em: 20/01/2018. Ver também: CAULYT, Fernando. Acordo com Cade pode não livrar Siemens de punição, diz procurador. Deutsche Welle. Data: 13/09/2013. Disponível em: <http://www.dw.com/pt-br/acordo-com-cade-pode-n%C3%A3o-livrar-siemens-de-puni%C3%A7%C3%A3o-diz-procurador/a-17087456>. Acessado em: 20/01/2018.

[4] “Art. 1o Na forma do inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais:

(...)

II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e (...)”.

[5] “Art. 35-C. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de novembro de 1990, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia. (Incluído pela Lei nº 10.149, de 2000)      (Revogado pela Lei nº 12.529, de 2011).

Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 10.149, de 2000)”.

[6] Verdade que várias décadas antes, em 1810, o Código Penal Napoleônico já previa em seu art. 419 aquele que parece ser o primeiro tipo penal de formação de cartel, mas nesse caso não havia um diploma legal específico regulando a matéria, e sim um estatuto repressivo com delitos em geral, o que por si só não garantia tanta eficácia à cominação legal.

[7] Ver seções 45 a 47 da atual “Competition Act” canadense.

[8] Tradução livre do texto: “The justification for imprisonment is that hard-core cartel activity has a 'harmful' effect  on consumers.If it were not controlled in this manner, it would become more pervasive, inflicting even greater harm on the public. Although any estimate of the extend of cartel conduct is necessarily imprecise, it is clear that cartels are pervasive. In Europe, Neelie Kroes, when European Union (EU) Competition Commisioner, linkened cartel activity to theft, claiming that cartels 'rip-off consumers'.” Fonte: WARDHAUGH, Bruce.  Cartels, Markets and Crime: A Normative Justification for the Criminalisation of Economic Collusion. Cambridge University Press, 6 de fev de 2014. P. 2.

[9] Tradução livre do texto: “Price fixing, bid rigging, and market allocation are economic crimes with potentially devastating effects on the U.S. economy. Such crimes rob purchasers, contribute to inflation, destroy public confidence in the economy, and undermine our system of free enterprise.” Fonte: Antitrust Division of the US Department of Justice apud WARDHAUGH, Bruce.  Cartels, Markets and Crime: A Normative Justification for the Criminalisation of Economic Collusion. Cambridge University Press, 6 de fev de 2014. P. 2.

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Sobre o autor
Renato de Souza Matos Filho

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. É autor do livro "Crimes associativos: Sociedades e organizações criminosas".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS FILHO, Renato Souza. Imunidade penal no acordo de leniência antitruste. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6091, 5 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79535. Acesso em: 27 abr. 2024.

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