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Tributação antecipada e efeitos colaterais

02/03/2020 às 08:30
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O Brasil, por meio de uma emenda espúria, introduziu a técnica de tributação antecipada, o que trará efeitos colaterais perversos como aumentar a burocracia tributária.

A inserção do § 7º ao art. 150 da Constituição Federal pela Emenda nº 3/93, motivada pela gula do fisco, tem trazido efeitos colaterais indesejáveis, além de relativizar a teoria do fato gerador da obrigação tributária. A obrigação tributária, em qualquer legislação tributária do mundo, surge somente com a ocorrência do fato gerador no mundo da realidade. Não antes, como decorrência do princípio da segurança jurídica.

O Brasil, país que mais tributa no planeta, se levada em conta a contrapartida representada pelos serviços públicos deficientes, por meio de uma Emenda espúria, introduziu a técnica de tributação antecipada, sabendo ou devendo saber que isso traria efeitos colaterais perversos, além de aumentar a burocracia tributária. 

Levou-se mais de uma década para o STF decidir pela restituição do imposto pago a maior se na operação de revenda pelo substituído, o valor do imposto efetivamente devido for menor (RE nº 593849).

Durante lustros, os contribuintes ficaram submetidos ao clima de dúvidas e de insegurança jurídica, por conta de decisões contrárias da Suprema Corte que negava o direito à restituição proclamada pela Constituição com lapidar clareza, sob o equivocado fundamento de que a substituição tributária é definitiva, descabendo ulterior complementação ou restituição do imposto.

Claro! O que não é definitiva é a base de cálculo da tributação antecipada, porque o próprio texto constitucional estabeleceu uma presunção relativa ao dispor sobre “fato gerador presumido”, e não, “fato gerador fictício”, que equivaleria a uma presunção absoluta. O fato gerador apresenta vários aspectos, e um deles é exatamente o aspecto quantitativo que é a base de cálculo e alíquota. E essa base de cálculo, na hipótese de substituição tributária, é apenas presumida, comportando prova em sentido contrário.

Agora, nova insegurança jurídica vem surgindo. A quem cabe a restituição do ICMS recolhido a mais? Ao substituinte que pagou o imposto, ou ao substituído que revendeu a mercadoria por um preço menor do que aquele que serviu de base para a tributação antecipada? A respeito dessa questão remetemos o leitor ao nosso artigo intitulado “A quem pertence a diferença do PIS-COFINS no regime de substituição tributária?” (Tributario.com.br, publ. de 20-1-2020). Tanto para o ICMS-ST, como para o PIS-COFINS-ST o procedimento é idêntico.

Outra questão tormentosa, ainda não enfrentada pela jurisprudência, diz respeito à compensação do ICMS-ST. Não há legislação estadual regulando o assunto. O Convênio ICMS nº 52/17 vedava essa compensação, mas, seus dispositivos foram suspensos por uma liminar concedida pelo STF nos autos da ADI nº 5866-DF. Esse Convênio veio a ser revogado posteriormente, e, em seu lugar foi firmado o Convênio ICMS nº 142/18, que é silente sobre a matéria.

O fato é que o Convênio, como um instrumento normativo subalterno à legislação estadual não pode se sobrepor à lei, muito menos ao texto constitucional. A hierarquia a ser observada é a seguinte: Constituição Federal, Lei Complementar, Lei Estadual e Convênio.

O certo é que, pela jurisprudência do STF, a matéria concernente à substituição tributária só pode ser versada por lei complementar (ADI nº 4.628, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 24-11-2014).

O ICMS-ST é o mesmo ICMS previsto no inciso II, do art. 155 da CF. A única diferença reside no regime de arrecadação que é feita antes da ocorrência do fato gerador por criação do legislador constituinte derivado, sempre disposto a aumentar a arrecadação a qualquer custo para a manutenção desse Estado perdulário que sequer cabe dentro do PIB, mas, que traz benefícios desmesurados e ilegítimos para os detentores do poder político.

Logo, a compensação é autoaplicável por força do disposto no inciso I, do § 2º, do art. 155 do Texto Magno, com as restrições previstas no inciso II desse mesmo parágrafo, que proíbe a compensação de crédito nas hipóteses de isenção e de não incidência, salvo disposição em contrário da legislação.

Ora, posto que a ST não configura hipótese de isenção ou de não incidência, ao contrário, hipótese de tributação antecipada, não se vê razão para obstar o direito à compensação a pretexto de omissão da legislação estadual.

A grande verdade é que o regime de substituição tributária não mais desperta interesse do fisco estadual por causa da necessidade de restituir o excesso de arrecadação, por determinação do STF. Quanto mais inchada for a base de cálculo da substituição tributária, maior será o volume de imposto a ser restituído.

O astuto legislador constituinte derivado, ao instituir a famigerada tributação antecipada, contou com a confusão que se instauraria na jurisprudência dos tribunais até chegar a uma conclusão correta. Deu certo! O fisco estadual tirou proveito da sua astúcia por mais de uma década. A decisão da Corte Suprema veio com efeito modulatório, para colocar a salvo os Estados que se enriqueceram ilicitamente com a tributação antecipada e exacerbada.

É realmente um país impressionante, cheio de surpresa e de criatividade, tanto para praticar o bem, quanto para praticar o mal. Por enquanto, nessa luta do bem contra o mal, este último está ganhando de goleada, infelizmente.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Tributação antecipada e efeitos colaterais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6088, 2 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79626. Acesso em: 21 nov. 2024.

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