Em virtude da pandemia do COVID-19, no dia 23 de março de 2020, o Governo editou a Medida Provisória - MP nº 928, que altera a Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre medidas de enfrentamento à emergência do novo coronavírus.
Entre as alterações promovidas pelo art. 1º da referida MP está a inserção do art. 6º-B, que dispõe sobre o atendimento dos pedidos de acesso à informação enquanto durar o período de calamidade pública. Veja:
“Art. 6º-B Serão atendidos prioritariamente os pedidos de acesso à informação, de que trata a Lei nº 12.527, de 2011, relacionados com medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de que trata esta Lei.
§ 1º Ficarão suspensos os prazos de resposta a pedidos de acesso à informação nos órgãos ou nas entidades da administração pública cujos servidores estejam sujeitos a regime de quarentena, teletrabalho ou equivalentes e que, necessariamente, dependam de:
I - acesso presencial de agentes públicos encarregados da resposta; ou
II - agente público ou setor prioritariamente envolvido com as medidas de enfrentamento da situação de emergência de que trata esta Lei.
§ 2º Os pedidos de acesso à informação pendentes de resposta com fundamento no disposto no § 1º deverão ser reiterados no prazo de dez dias, contado da data em que for encerrado o prazo de reconhecimento de calamidade pública a que se refere o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.
§ 3º Não serão conhecidos os recursos interpostos contra negativa de resposta a pedido de informação negados com fundamento no disposto no § 1º.
§ 4º Durante a vigência desta Lei, o meio legítimo de apresentação de pedido de acesso a informações de que trata o art. 10 da Lei nº 12.527, de 2011, será exclusivamente o sistema disponível na internet.
§ 5º Fica suspenso o atendimento presencial a requerentes relativos aos pedidos de acesso à informação de que trata a Lei nº 12.527, de 2011.” (NR)
Para essa breve análise iremos explorar apenas dois aspectos, quais sejam: (i) suspenção dos prazos de resposta a pedidos de acesso à informação em órgãos que tenham estabelecido regime de quarentena, teletrabalho ou equivalentes, quando os pedidos dependam de acesso presencial do servidor encarregado da resposta ou quando o órgão público ou setor esteja prioritariamente envolvido com as medidas de enfrentamento da emergência; e (ii) negação da possibilidade de recurso contra negativas a pedidos de informação com fundamento no §1º (art. 6º-B, §3º).
Seria matéria a ser tratada por medida provisória?
Definitivamente, não!
O artigo 62 da Constituição Federal, dispõe que o Presidente da República para a edição de atos normativos com força de lei, MP, impõe a observância de dois requisitos autorizadores cumulativos, quais sejam: a relevância e a urgência.
Ou seja, o atendimento à esses dois elementos são vitais para que a MP seja constitucional formalmente.
Ora, pela simples análise da Lei de Acesso à Informação, especialmente no seu art. 11, percebe-se que o agente público pode informar ao requerente sobre a impossibilidade de conceder acesso imediato à informação pública desde que o faça por meio de resposta justificada, no prazo de vinte dias, a qual indique as razões de fato ou de direito da recusa, total ou parcial, do acesso pretendido.
Sendo assim, já havendo dispositivo legislativo para dispor sobre a impossibilidade de acesso à informação, a MP aparenta ter graves indícios de inconstitucionalidade formal, eis que não há relevância e tampouco urgência para disciplinar sobre a matéria.
Graves indícios de usurpação da publicidade e transparência.
A nossa Carta Cidadã de 1988, que veio com o propósito de ultrapassar todas as barreiras do autoritarismo, dispõe ao longo do seu texto (art. 5º, XXXIII, art. 37 art. 216, § 2º) de diversos dispositivos que garantem ao cidadão o acesso à informação como um direito fundamental e a publicidade como dever da Administração Pública.
No mesmo sentido, a Lei n. 12.527/2011, Lei de Acesso à Informação (LAI), ao longo do seu texto deixa claro que o novo paradigma é a publicidade é a regra e o sigilo é a exceção.
Portanto, o Congresso Nacional ao apreciar não deve converter esse dispositivo da MP nº 92/20 em lei, eis que ao suspender os prazos para atendimento dos pedidos de informação e retirar a possibilidade de recurso, viola de forma carnífice, desarrazoada e desproporcional o direito de acesso a informação, bem como os princípios da publicidade e transparência, cometendo assim inconstitucionalidades tanto formal quanto material.